
Uma equipe da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara (SP), deu início a um ambicioso projeto que pode transformar a forma como a tuberculose é tratada no Brasil.
Com financiamento de R$ 14 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), os pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) vão testar, nos próximos três anos, um novo modelo de tratamento por meio da nanotecnologia, utilizando um dispositivo inalatório semelhante a uma bombinha de asma.
A proposta busca substituir o atual regime terapêutico, que exige a ingestão diária de até 12 comprimidos durante períodos que variam de seis meses a dois anos. A alternativa inovadora propõe o uso de micropartículas que conduzam os medicamentos diretamente aos pulmões — onde se concentram as bactérias causadoras da doença. A intenção é melhorar a adesão ao tratamento e aumentar sua eficácia, reduzindo os efeitos colaterais.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a tuberculose voltou a ocupar o posto de doença infecciosa mais letal do planeta, com 10,8 milhões de novos casos registrados apenas em 2023. No Brasil, a taxa de incidência continua elevada, quase seis vezes acima do ideal estipulado pela entidade. Um dos maiores desafios enfrentados é o abandono do tratamento, especialmente em populações vulneráveis, o que favorece o surgimento de cepas resistentes.
Coordenado pelos professores Fernando Rogério Pavan, Andréia Bagliotti Meneguin, Leonardo Miziara Barboza Ferreira, Lucas Amaral Machado e Marlus Chorilli, o projeto — batizado de INOVA TB — propõe encapsular fármacos já utilizados em estruturas formadas por nanopartículas e micropartículas. A tecnologia permitirá que os medicamentos atravessem barreiras naturais do organismo e alcancem os chamados granulomas, estruturas nos pulmões que abrigam as bactérias e dificultam o efeito das drogas tradicionais.
Como vai funcionar?
Diferentemente de tratamentos convencionais que usam excipientes sintéticos, a proposta utiliza compostos naturais produzidos pelos próprios pulmões, o que pode reduzir reações adversas e melhorar a absorção dos medicamentos. “O nosso objetivo é aumentar a quantidade de medicamento que consegue atingir essas áreas” , explica a professora Andréia Bagliotti Meneguin.
A tecnologia, em escala nanométrica — mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo —, permitirá maior controle na liberação e ação dos medicamentos, algo inédito no combate à tuberculose. O projeto foi destaque nacional ao conquistar a nona colocação entre mais de 200 propostas apresentadas no programa “ Mais Inovação Brasil Saúde – ICT ” da FINEP.
Embora ainda esteja na fase inicial, os pesquisadores já delinearam um cronograma que inclui testes laboratoriais, estudos físico-químicos e experimentos com modelos animais antes de avançarem para os ensaios clínicos. “Por ora, temos uma hipótese sólida cuja comprovação científica virá com os experimentos” , afirma Lucas Amaral Machado.
Além do potencial terapêutico, o projeto irá ampliar a infraestrutura da FCF, que receberá novos equipamentos de alta tecnologia, como um tomógrafo para pequenos animais. A iniciativa também reforçará a formação acadêmica ao oferecer bolsas de pesquisa em diversas modalidades.
Com potencial de aplicação futura em outras doenças respiratórias como pneumonia, asma e até mesmo Covid-19, a tecnologia representa mais que um avanço contra a tuberculose: simboliza uma resposta inovadora, nacional e acessível a um dos maiores desafios de saúde pública do país.