
A cantora e apresentadora Preta Gil morreu neste domingo (20), aos 50 anos, em Nova York, nos Estados Unidos, após lutar por dois anos contra um câncer no intestino. A artista fazia um tratamento alternativo para a doença no exterior, após esgotar as possibilidades terapêuticas no Brasil. Não se sabe ao certo qual modalidade, especificamente, a cantora usou, por isso, o iG conversou com um especialista para entender o que há de mais moderno no tratamento da doença (veja abaixo).
A filha de Gilberto Gil descobriu o câncer em 2023 - um adenocarcinoma na porção final do intestino. Desde então, passou por quimioterapia e radioterapia no Brasil, além de múltiplas cirurgias, como a retirada do tumor, do reto e a colocação de uma bolsa de colostomia.
Trajetória, remissão e volta do câncer
O câncer que acometeu a artista é um dos mais comuns entre os tumores intestinais. Em entrevista ao iG, o cirurgião do aparelho digestivo e médico sócio-fundador da Clínica CASA em Higienópolis, Fernando Furlan, explica que a doença costuma se desenvolver aos poucos e pode ser detectada precocemente em exames de rotina.
"O adenocarcinoma na parte final do intestino se origina nas glândulas que revestem o cólon ou o reto, e é a forma mais comum de câncer colorretal, correspondendo a mais de 90% dos casos desse tipo de neoplasia", explica o especialista.
Segundo Furlan, esse tipo de câncer se desenvolve de maneira progressiva e por isso é muito estudado, com protocolos bem definidos de diagnóstico, tratamento e acompanhamento.
Após um período de remissão, o câncer de Preta se manifestou em outras partes do corpo. Segundo Furlan, essa situação pode ocorrer mesmo após a retirada cirúrgica do tumor e tratamentos agressivos. Isso acontece devido às células cancerígenas microscópicas, que não são identificadas em exames e continuam no organismo.
"Essas células residuais podem se manter dormentes por algum tempo, e reativar-se, dando origem a uma recidiva. Além disso, em alguns casos, as células tumorais podem se disseminar por via linfática ou sanguínea antes ou durante o tratamento inicial, o que explica o surgimento de metástases em órgãos distantes, como fígado, pulmões ou ossos" , diz.
Septicemia
Em uma entrevista, a artista contou que sofreu uma septicemia, uma infecção generalizada que a levou à UTI. A condição, segundo Furlan, é uma "resposta inflamatória sistêmica grave do organismo a uma infecção, que pode evoluir rapidamente e até levar a óbito".
No tratamento do câncer, cateteres são usados para aplicar medicações na corrente sanguínea. Se não forem bem administrados, esses dispositivos podem facilitar a entrada de microrganismos no corpo, o que é um risco para pacientes oncológicos, que já têm a imunidade comprometida.
"Como pacientes com câncer geralmente estão imunossuprimidos, seja pela própria doença ou pelos efeitos colaterais do tratamento, o risco de infecção se torna ainda maior. Por isso, nesse contexto, a sepse é extremamente perigosa, o organismo encontra dificuldade para conter a infecção, o que pode levar a descompensações rápidas e, muitas vezes, fatais, se não tratada com urgência", explica Furlan.
Tratamentos alternativos
Em maio deste ano, Preta anunciou que a doença havia voltado, desta vez em outros órgãos. Como as opções disponíveis no Brasil já haviam se esgotado, ela foi para os Estados Unidos para fazer um tratamento experimental, que não chegou a ser divulgado.
Segundo Furlan, o país tem centros oncológicos de referência, que oferecem acesso a ensaios clínicos com terapias alternativas para pacientes com tumores agressivos, metastáticos ou resistentes às linhas convencionais.
" Esses tratamentos podem incluir imunoterapias avançadas, como inibidores de checkpoint imunológico, vacinas terapêuticas personalizadas, terapias gênicas, CAR-T cells adaptadas ao tumor colorretal e anticorpos monoclonais de última geração. Há diferentes categorias, como imunoterápicos, terapias-alvo e moléculas inovadoras em fase de pesquisa clínica", diz o médico.

Ele também cita os tratamentos baseados em medicina de precisão, nos quais o perfil genético do tumor é analisado para direcionar medicamentos que atuem em mutações específicas. "Essas abordagens, embora ainda em estudo, têm oferecido esperança em casos complexos e refratários", completa.
Furlan explica que, embora os Estados Unidos sejam referência global em tratamentos experimentais contra o câncer, o Brasil também participa de estudos de ponta em alguns centros especializados, como, por exemplo, o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o Hospital de Amor de Barretos, o Hospital Sírio-Libanês e o Hospital Albert Einstein.
"No entanto, o acesso ainda é mais limitado em comparação a países como os EUA, Alemanha e Japão", ressalta o cirurgião.
Não só a doença: terapia intensa também "desgasta" o organismo
O tratamento de Preta durou pouco mais de dois anos e foi intenso, como a própria cantora compartilhou em entrevistas e nas redes sociais. Segundo Furlan, quadros complexos como o da artista precisam de intervenções intensas que, com o passar do tempo, desgastam ainda mais o organismo.
"Cirurgias sucessivas podem comprometer a função de órgãos e tecidos, alterar a anatomia e dificultar procedimentos futuros. A quimioterapia, embora eficaz, também afeta células saudáveis, levando a toxicidades que vão desde queda da imunidade até lesões em rins, fígado e medula óssea. A radioterapia, por sua vez, pode causar fibroses e danos permanentes nas regiões irradiadas. O uso de dispositivos como bombas de infusão contínua, embora represente uma alternativa moderna para manter o tratamento ativo, também indica que o quadro clínico exige intervenções mais agressivas", diz.
O corpo, então, pode não só desenvolver resistência aos tratamentos, como também perder a capacidade de superar os efeitos adversos deles.
"Isso se deve à exaustão do sistema imunológico, ao acúmulo de toxicidades e ao próprio comportamento biológico do tumor, que pode se tornar mais resistente e agressivo. Nessas circunstâncias, o foco muitas vezes passa a ser o controle da doença com preservação da qualidade de vida, por meio de abordagens paliativas ou experimentais", conclui o cirurgião.
Segundo a última atualização da família, o corpo de Preta Gil segue nos Estados Unidos para o processo de repatriação, e as informações sobre a despedida devem ser publicadas em breve.