Nos últimos dias, uma missão oficial do governo federal no território Yanomami, em Roraima , encontrou crianças e idosos com desnutrição severa. Os técnicos do Ministério da Saúde fazem atendimentos na região desde o dia 16 de janeiro. Eles encaminharam as crianças para tratamento de saúde em Boa Vista.
O paciente resgatado mais novo, de 18 dias de vida, foi levado ao hospital com quadro de pneumonia, e chegou a ter cinco paradas cardíacas. A mãe da criança percorreu três horas até chegar à Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI) no polo-base de Surucucu.
“Um dado público é que, nos últimos 4 anos, 570 pessoas Yanomamis morreram decorrente da contaminação por mercúrio por conta do garimpo ilegal. Agora, na casa de atenção à saúde indígena, tem 715 indígenas yanomamis em desnutrição absurda”, disse Sônia Guajajara, ministra dos Povos Originários.
A situação grave em terras Yamomami é uma crise humanitária e de saúde pública e contrasta com uma outra situação envolvendo os povos originários.
Tragédia anunciada
“Eles estão abandonados”. Essa foi a minha conclusão ao deixar as terras indígenas, depois de passar dois dias com o povo Xavante em setembro de 2021. Uma população que estava morrendo, aos poucos, por conta de uma doença crônica que se tornou uma epidemia nos últimos anos entre eles. A anciã, indígena mais velha da aldeia, disse que “nós” tínhamos levado essa doença para eles. “O homem branco nos trouxe essa doença e os xavantes já morreram tudo”. Durante o tempo em que estive com eles, percebi o que aquela idosa, com mais de 80 anos, com dificuldade para enxergar, quis me dizer no dialeto xavante.
A perda da visão é uma consequência do diabetes mal controlado. Ela também foi diagnosticada com a doença que afeta a produção de insulina e faz a glicose subir no sangue, assim como o filho e os netos. Ela não tem ideia e nem apoio adequado para tratar o diabetes.
E o problema é básico. Eu me lembro bem do que notei ao olhar de dentro de uma terra indígena para fora. Ao redor da Aldeia São Gabriel, a mata ainda tenta renascer depois do desastre ambiental. Pouco antes da nossa chegada, um incêndio consumiu tudo na floresta. E não foi só no mato. Na aldeia, três ocas grandes foram destruídas pelo fogo.
Sem conseguir mais tirar da mata o sustento para sobreviver, os xavantes dependem de doações que chegam da cidade e da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). São Cestas básicas. Essa mesma que encontramos no supermercado.
Diante disso, as refeições deixaram de ser “naturais”. Sucos artificiais, bolachas recheadas, bolos, salgadinho e até refrigerante estão estocados nas poucas ocas que restaram, em uma aldeia que fica cerca de 50 quilômetros da cidade.
Com esse “alimento”, eles estão conseguindo evitar a fome, mas estão ganhando uma doença crônica, que, se não for tratada da forma correta, pode matar a pessoa aos poucos. Sim, o diabete não tratado, no caso deles o tipo 2, pode causar problemas no coração, nos rins, provocar amputação e a perda da visão. Tudo o que vem acontecendo nos últimos anos por lá.
Tudo que eles temem, mas não conseguem evitar. A situação se agravou durante a pandemia.
Tratamento precário
No memo dia em que cheguei na Aldeia São Gabriel, uma equipe técnica da Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai) também esteve no local. São vistas rotineiras, mas com pouca estrutura para ajudar. Em um povo em que seis em cada dez indígenas convivem com o diabetes, não ter tira para medir a glicose é algo sério. Sim, não tinha. Desta forma, o que os técnicos faziam eram averiguar a pressão arterial. O tratamento até então se resumia a isso. Quando o indígena estava muito mal, era encaminhado para o posto de saúde mais perto. Mas isso não é algo rápido.
Eu procurei a secretaria da Sesai e do Ministério da Saúde em 2021, mas ninguém quis dar uma resposta.
Samira Tsibodowapré é uma das lideranças da aldeia e luta para que o seu povo seja assistido. “Eu observo que falta muito para que essas pessoas com diabetes tenham acesso à informação e principalmente tratamento adequado”, lamentou.
Foi por meio dela que conseguimos entrar em terras xavantes. Samira, na época, tinha perdido o pai por conta de complicações do diabetes. Há poucos meses, ela também recebeu o diagnóstico de diabetes tipo 2.
Todos esses detalhes que contei está registrado no documentário “Retrato: O Brasil que depende de insulina”, disponível no canal do Youtube “Um Diabético”. Vale a pena conferir.
Dados sobre o povo Xavante
Os Xavantes somam cerca de 22.000 pessoas, abrigadas em diversas Terras Indígenas localizadas na região centro-oeste do Brasil, principalmente no estado do Mato Grosso.
Pesquisadores da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP avaliaram 157 indígenas dessa etnia, que foram submetidos a exames da retina, antes da pandemia de covid-19. Os estudiosos constataram uma alta prevalência de diabete tipo 2 e de uma disfunção oftalmológica causada pela doença.
Os resultados do estudo foram publicados na revista Diabetes Research and Clinical Practice, da Federação Internacional de Diabetes.
Um estudo anterior com 932 xavantes indicou que 66,1% apresentavam síndrome metabólica, definida como uma condição na qual os fatores de risco para doenças cardiovasculares e diabetes mellitus ocorrem ao mesmo tempo.
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