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Foto: Bruno Concha/Fotos Públicas
Um fator que contribui para manter o Rio de Janeiro na liderança do ranking de letalidade é a falta de testagem


O estado do Rio de Janeiro amarga o primeiro lugar no ranking da pior letalidade do Brasil na pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2). A taxa de letalidade  (razão entre óbitos e casos confirmados) carioca da Covid-19 é de 8.7%. Em segundo lugar está Pernambuco, com 7.8%, seguido do Ceará, com 5%. No País, a taxa de letalidade é de 3.8%.

Na terça-feira (14), o Rio chegou aos 132.822 casos confirmados e 11.624 mortes pela doença, de acordo com dados divulgados pela Secretaria de Estado de Saúde (SES). Em outra perspectiva, os óbitos do estado somariam 43 tragédias de Brumadinho, em que morreram 270 pessoas. Um relatório do Observatório Fluminense da Covid-19 mostra que caso o Rio fosse um país, já teria ultrapassado a Alemanha, a Itália e a França em números de contaminados, com 661 mortos por milhão de habitantes.

A crise de saúde no estado do Rio de Janeiro teve vários capítulos desde o início da pandemia no Brasil. Entre os principais, secretários de governo suspeitos de desviar dinheiro público, a  instauração do processo de impeachment contra o governador Wilson Witzel e a crise na gestão da entrega dos sete hospitais de campanha, prometidos até o dia 30 de abril. Até hoje, apenas dois funcionam: o do Maracanã e o de São Gonçalo, e durante o pico da curva de contágio no estado, apenas o Hospital Carioca estava pronto. Em junho, Fernando Ferry deixou o cargo de secretário estadual do governador Witzel após permanecer um mês e quatro dias na pasta, quando assumiu a secretaria no lugar de Edmar Santos, exonerado em meio às investigações de irregularidades na Saúde.

No último dia 2 de julho, bares e restaurantes voltaram a funcionar no Rio de Janeiro, dentro do programa de reabertura gradual. As cenas ganharam repercussão nacional e o que se viu foram pessoas aglomeradas nos estabelecimentos e nas calçadassem respeitar o distanciamento social  e abdicando do uso de máscaras.

Um fator que contribui para manter o Rio de Janeiro na liderança do ranking de letalidade é a falta de testagem. Integrante do Observatório Fluminense Covid-19, grupo formado por cientistas e estudantes de sete instituições de ensino e pesquisa, o professor Americo Cunha, do Instituto de Matemática e Estatística da UERJ, destaca que a alta letalidade no Rio se dá porque a subnotificação é enorme.

“Se testa muito pouco e temos um retrato da epidemia muito distorcido no Rio. A decisão de testagem é uma política do poder público e os testes são limitados e caros, sabemos que não há testes para toda uma população. Mas, não há essa necessidade disso, bastava fazer um recorte de uma amostra heterogênea, como é feito em época de eleição nas pesquisas. O grande erro é que não é feito assim. Para reduzir a letalidade e ter um novo retrato, a testagem teria que ser mais aleatória, em diferentes locais”, explica o pesquisador.

Americo acrescenta ainda que a letalidade é superestimada pois praticamente só casos hospitalizados têm sido testados durante um longo período. “É necessária uma testagem em grande escala para detectar casos de infectados assintomáticos, permitindo que esses sejam quarentenados e, consequentemente, reduzindo a exposição de indivíduos potencialmente suscetíveis à doença, retardando e reduzindo a propagação do vírus”, sugere relatório do Observatório Fluminense Covid-19.

Quanto maior o número de exames feitos, mais casos leves e moderados são descobertos. Isso aumenta o total de infectados, mas não o número de óbitos. Assim, a letalidade cairia. No Distrito Federal, onde realiza-se uma testagem mais ampla do que na maioria das unidades da Federação, a taxa de letalidade é a terceira menor do país, de 1,4%.

O índice de cada região pode ser consultado no gráfico a seguir:

*O raio da circunferência corresponde à letalidade em %

Domingos Alves, professor de Medicina da USP, que integra o Covid-19 Brasil, grupo de pesquisadores que monitora dados sobre a pandemia no País, diz que a taxa de letalidade também é um indicador para entender como o Estado cuida dos pacientes. “Essas taxas estão relacionadas com o efeito danoso que a epidemia teve nessas regiões até aqui", explica. 

"No Rio e em outros estados, como Pernambuco, têm-se noticiado uma queda no número de casos e de óbitos. Mas, essa queda ainda tem causado vários danos para a população desses locais. Essas questões do atraso nos hospitais de campanha no Rio são sensíveis, principalmente para o tratamento da população. Há pouco tempo, era possível observar uma mortalidade maior de óbitos em casa por falta de atendimento médico”, completa o professor.

Para Domingos, os casos e óbitos continuam a crescer, mesmo com o discurso de prefeitos e governadores de que a epidemia está controlada. "O que foi feito no País pelos gestores é afirmar que existia um número de leitos e de respiradores suficientes e que a população poderia adoecer tranquilamente", lamenta. 

A secretaria executiva de Vigilância em Saúde de Pernambuco, a segunda maior taxa de letalidade do Brasil, Luciana Alburquerque, discorda do professor e garante que não houve esse discurso de "adoecer tranquilamente" no estado. "A nossa preoupação sempre foi com a saúde pública, desde o início reforçamos a improtância do uso de máscaras e do isolamento social. Claro que não conseguimos sucesso em todas as regiões, mas sempre abordamos essas questões", garante. 

A gestora explica no início da pandemia, o estado de Pernambuco teve dificuldade na realização de testes e priorizou os casos graves e os óbitos, depois profissionais de saúde. "Hoje anunciamos que vamos testar todos os casos sintomáticos", diz Luciana. 

Pernambuco registrou um total agora de 72.901 casos confirmados da doença,  nono estado com mais casos do Brasil. Dentre esses, 17.207 são de profissionais de saúde, a categoria representa 23% dos infectados do estado. Em óbitos, PE continua na quarta posição entre os estados com mais mortes, com 5.652 confirmações. Os três primeiros lugares com mais óbitos pela Covid-19 no país são: São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará.

Brasil se aproxima dos 2 milhões de casos confirmados da doença
Foto: Eduarda Esteves/iG
Brasil se aproxima dos 2 milhões de casos confirmados da doença

Magda Almeida, secretária executiva de Vigilância e Regulação da Secretaria da Saúde do Ceará, pontuou que o estado é um dos maiores hubs aéreos do País e isso facilitou a entrada da epidemia. "Os nossos primeiros casos foram todos importados e se olharmos os registros, levamos algum tempo para termos a transmissão comunitária." A gestora garante que não há óbitos em análises hoje no Ceará. "Temos uma alta taxa de letalitade porque nossos casos foram testados e confirmados ou descartados", explica.

A secretária destaca que há uma preocupação com uma segunda onda da doença no estado e por isso, o monitoramento é feito pelos indicadores e pela estrutura montada pelo próprio governo estadual. "O nosso diálogo com o Ministério da Saúde foi sempre para distribuir os insumos aos municípios, nunca recebemos nada para o governo estadual. Todas as nossas compras foram feitas com o tesouro do Estado", diz.

O principal desafio do Ceará hoje é conseguir identificar precocemente os casos para orientar os paciantes. É o que explica Magda Almeida. "Em muitas situações, a gente observa que a doença evolui e o paciente não procura a assistência médica. Precisamos ser mais eficientes para reconhecer precocemente os sinais de alarme e testar mais com o RT-PCR", enfatizou. O Ceará tem 139.437 casos de Covid-19, com 6.977 mortes pela doença.

Gráfico compara taxa de letalidade de estados com a de outros países:

Segundo o levantamento da Universidade Johns Hopkins, já são mais de 13 milhões de infectados pelo novo coronavírus em todo o mundo; as mortes ultrapassaram a marca de 570 mil. Atualmente, a taxa de letalidade no mundo é de 4.3%. 

O professor Domingos Alves argumenta que os óbitos observados no Brasil de uma maneira geral, estão relacinados ao fato de que nunca houve um controle efetivo de casos e mortes por meio do governo federal. "Por exemplo, o estado do Rio decretou um relaxamento em algumas regiões, mesmo com o número alto de óbitos. O Brasil é um dos poucos países do mundo que fez isso", reconhece o pesquisador. Ele destaca que a interiorização da doença pode causar um efeito rebote, com um agravamento de novos casos nas capitais após a flexibilização. 

Americo Cunha, professor do Instituto de Matemática e Estatística da UERJ, também entende que a abertura nesses locais pode contribuir para o aumento da mortalidade no futuro. "Se as pessoas não respeitarem o distanciamento social e o uso das máscaras, o número de casos pode crescer ainda mais, principalmente porque a Covid-19 tem uma taxa de infecção muito alta e uma pessoa pode transmitir para várias", alerta. 

Por meio de nota, a Secretaria de Estadual de Saúde do Rio de Janeiro informou que, comparando-se os casos confirmados por data do início dos sintomas por semana epidemiológica, a queda chega 83%.

"Na semana 18, que foi o platô da doença, compreendida de 26 de abril a 1º de maio, o estado do Rio teve 14.357 casos da doença. Na SE-19 (03/05 a 09/05), os números baixaram para 12.497, mantendo-se em queda até a SE-26 (21/06 a 27/06), quando foram verificados apenas 2.331 casos confirmados de Covid-19. Além disso, o número de mortes em decorrência pelo coronavírus também está em queda no Rio de Janeiro nos últimos dias", diz resposta envida ao iG.

A SES destacou ainda que o principal desafio é "continuar sensibilizando a população para evitar aglomerações, fazer o distanciamento social quando possível, usar máscaras, lavar as mãos frequentemente e usar álcool gel. Com essas medidas, uma eventual segunda onda da doença causará menos problemas no estado. Estão sendo feitos acompanhamentos diários dos dados epidemiológicos para verificar se está ocorrendo qualquer retomada dos índices da doença".

Com colaboração de Caio Mello

Fonte dos gráficos: Ministério da Saúde e World statistics | Coronavirus COVID-19 Observer

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