Alguns médicos e cientistas acreditam que o Brasil está entrando em uma segunda onda da Covid-19, mas para outros o País nem saiu da primeira fase da doença.
Nomenclaturas à parte, o fato é que os registros do novo coronavírus voltaram a crescer em alguns locais nos últimos dias, como São Paulo e Rio de Janeiro, e essa tendência de aumento vem acendendo um alerta para as próximas semanas.
O GLOBO listou alguns fatores que precisam estar no radar em relação à disseminação da doença, segundo especialistas, e ajudar a evitar que o país encare novos números alarmantes da Covid-19.
Confira:
Segundo turno das eleições
Apesar do primeiro turno das eleições ter ocorrido sem registros graves de intercorrências em relação à proliferação do coronavírus, especialistas lembram que o período eleitoral ainda está em curso. Cinquenta e sete cidades brasileiras - sendo 18 capitais - irão às urnas novamente no dia 29 deste mês e, até lá, muitos candidatos a prefeitos participarão de corpo a corpo e debates.
As agendas dos candidatos podem incluir visitas a determinados lugares e, nesse sentido, a recomendação dos especialistas segue sendo a "regra de ouro" contra a disseminação do vírus: máscara, álcool em gel e distanciamento. No dia da votação, a orientação dos infectologistas é evitar aglomerar nas zonas eleitorais e, em caso de filas, manter o distanciamento de 1,5 metros, além de desinfetar as mãos após a votação.
Verão
Para a microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natália Pasternak, o período do verão é um dos pontos cruciais para a disseminação da Covid-19. Não porque o vírus se comporte de forma diferente no calor, ou no inverno, mas porque essa época é culturalmente associada a férias e a viagens.
— A gente não tem nenhum indício até agora de que o vírus se importe com a temperatura, mas as pessoas estão com fadiga da quarentena. Por mais que as crianças estejam com aulas virtuais, elas terão férias. É um período que convida ao relaxamento, a viagens. As pessoas estão realmente muito cansadas, mas o problema é que o vírus não está cansado de nós. Se a gente relaxar, os números vão subir. Eu tenho muito medo da fadiga da quarentena levar as pessoas a chutarem o balde — ressalta a cientista.
Os últimos feriados no país mostram que o brasileiro voltou a viajar, lotando estradas e praias. No último feriado, que caiu em um domingo, reuniu 2 mil pessoas em um luau no Arpoador, no Rio de Janeiro.
Festas de fim de ano
Atrelada ao período de verão, as festas de fim de ano também aparecem como um grande gatilho proliferador da Covid-19. Muitos brasileiros estão sem ver a família desde março, início da pandemia, e acabam fazendo planos para Natal e Réveillon. No entanto, lembram especialistas, "não é hora de baixar a guarda".
— As pessoas acham que estão fazendo algo privado, com conhecidos e sem riscos, mas não é hora de aglomerar ou ir a lugares sem máscara. Nos hospitais privados, estamos observando um aumento do número de casos relacionado ao que chamamos de eventos superdisseminadores — alerta Alexandre Naime, Chefe da Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Para o especialista, quem não puder se isolar durante 15 dias antes de encontrar familiares (tempo de quarentena para uma pessoa infectada), deve seguir protocolos que minimizem os riscos.
— Na minha família, por exemplo, vamos fazer um rodízio. A pessoa mais idosa fica em um canto afastado da mesa, e não nos cumprimentamos, nem ficamos perto. Mas pelo menos conseguimos nos ver com o mínimo de segurança. O que não pode é banalizar as regras de flexibilização, porque aí terá transmissão —, alerta.
Aumento de casos suspeitos e internações
Uma pesquisa da Info Tracker - ferramenta desenvolvida por USP e Unesp para monitorar o avanço da pandemia - apontou que entre 1º de agosto e 5 de novembro houve um salto de casos suspeitos de coronavírus na Grande São Paulo e na capital paulista. Além disso, hospitais particulares também confirmaram um aumento nas internações no mesmo período, o que comprova maior circulação viral.
O governo de São Paulo também informou, nesta semana, um aumento de 18% nas internações em hospitais públicos e particulares, o que fez com que o governador adiasse o avanço de mais cidades para a fase verde da quarentena.
A rede laboratórios Dasa, líder em medicina diagnóstica no Brasil, também percebeu um aumento de 30% nos casos positivos da doença. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, a média móvel na procura por exames da Covid-19 cresceu 30% e 50%, respectivamente.
— Na última semana epidemiológica houve uma reversão. A tendência de queda se perdeu — lamenta o infectologista Alexandre Naime. — No sábado dia 7 de novembro, uma família alugou um espaço e reuniu cerca de 150 pessoas para a festa de 1 ano da filha. Chamaram até banda para tocar. Na quarta-feira seguinte, eu diagnostiquei com Covid o vocalista e o baixista da banda, a mãe de um dos integrantes e várias outras pessoas que estavam no evento.
Mais jovens "furando" a quarentena
Se a quarentena está cansativa para grande parte dos brasileiros, para os jovens o isolamento social tem se tornado uma realidade mais distante. Teoricamente fora dos grupos de risco, eles têm se arriscado indo a festas, bares e a eventos com grande número de pessoas.
Segundo Alexandre Naime, a positividade dos testes de Covid está "muito maior entre os jovens" em várias partes do mundo.
— Na infectologia, literalmente dizemos que os jovens não têm percepção de risco. Acontece também com o HIV, eles nunca acham que vai acontecer com eles. Ainda que o risco de adoecer seja menor, ele pode transmitir para a mãe, para os mais velhos. É preciso ter empatia — alerta.
Para o médico Sidney Klajner, presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, ainda não há um aumento significativo de internações hospitalares, no entanto, chama atenção o salto no número de testes positivos para Covid e também um maior atendimento no pronto-atendimento de pessoas com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
— Talvez exista um menor gravidade nos casos. Mas há um relaxamento maior do isolamento na população mais jovem, que são as pessoas que internam menos e lidam melhor com a doença. A minha preocupação é que eles convivem com pessoas de risco.