Natália Pasternak, microbiologista e fundadora do Instituto Questão de Ciência
Foto: Imagem: Paulo Vitale/ICQ
Natália Pasternak, microbiologista e fundadora do Instituto Questão de Ciência

Após relato de efeito adverso grave em uma gestante — que resultou em morte — imunizada com a vacina de Oxford/Astrazeneca, a Anvisa emitiu nota técnica recomendando a suspensão do uso deste imunizante em grávidas.

Esse é um uso já não indicado em bula, de modo que o Ministério da Saúde, ao apontar esta vacina para gestantes, fugia às especificações do fabricante. Há falta de dados que garantam a segurança do imunizante nestes casos.

Em geral, não se usam vacinas “vivas” — isto é, onde o vírus, enfraquecido, ainda é capaz de alguma atividade — em gestantes. Dá-se preferência a vacinas feitas com outras tecnologias, como as vacinas inativadas, onde o vírus está, de fato, “morto”.

A vacina de Oxford/AZ, baseada em adenovírus não replicante, fica na fronteira entre o vírus “vivo” e o “inativado”, mas existem alternativas melhores para uso em grávidas, como a CoronaVac, plenamente inativada, ou a Pfizer, que tem dados suficientes para atestar segurança em gestantes.

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Não há ainda como saber se a morte foi provocada pela vacina. A causa imediata, a trombose, é um evento comum na gravidez. Os efeitos trombóticos observados em correlação com a vacina de Oxford/AZ não são do mesmo tipo dos coágulos observados em gestação. Pode ser, portanto, uma infeliz coincidência, ou talvez a gestação também facilite o tipo de coágulo causado pela vacina, desencadeado por uma reação imune.

O risco de desenvolver trombose na gravidez ocorre com frequência de aproximadamente um caso para cada duas mil mulheres. O de trombocitopenia induzida pela vacina foi observado na frequência de um para cem mil. Assim, o risco em si associado à vacina é baixo. Mas a possibilidade de fatores de confusão no relato de efeitos adversos é alta, além de não sabermos se o risco específico da vacina aumenta na gravidez, apesar dos mecanismos distintos.

Se coágulos são comuns em gestantes, e começamos a vacinar em massa com um imunizante que mostrou correlação justamente com coágulos, qualquer caso será suspeito e um motivo para interromper a vacinação. Isso, somado à incerteza dos efeitos em gestantes, e a indicação em bula, já deveria ter bastado para indicar o uso de outros imunizantes para este grupo.

O Ministério da Saúde parece estar tocando de ouvido. Se não tem Pfizer, vamos aumentar o tempo entre as doses. Se não tem vacinas comprovadamente seguras para gestantes, aplicamos qualquer uma. Os riscos isolados de cada “gambiarra” são pequenos. Mas quando somados, podem trazer efeitos trágicos. E não precisariam ser tomados se o mínimo de planejamento tivesse sido feito.

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