O Supremo Tribunal Federal (STF) restabeleceu, na última quinta-feira (30), o decreto municipal do Rio que determinava a apresentação do "passaporte da vacina" em locais fechados de uso coletivo. Na noite de quarta-feira (29), o desembargador Paulo Rangel do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) havia suspendido a medida, mas a Procuradoria-Geral do Município recorreu ao Supremo, com o argumento de que o decreto se baseia em evidências relacionadas à eficácia das vacinas e na avaliação dos potenciais espaços de transmissão de covid-19.
"DEFIRO a liminar, para suspender a decisão proferida no Agravo de Instrumento (...) em trâmite no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de modo a restabelecer a plena eficácia do Decreto no 49.335, de 26 de agosto de 2021, do Prefeito do Riode Janeiro, até ulterior decisão nestes autos", diz o documento do STF.
Além de restaurar os efeitos do decreto, a decisão do ministro Luiz Fux também suspendeu uma liminar concedida na última semana que desobrigava a apresentação do comprovante de vacinação no Clube Militar e no Clube Naval do Rio de Janeiro. Fux ainda reforçou que a gravidade da situação provocada pela pandemia de covid-19 exige a adoção de medidas "voltadas ao bem comum".
"(...) cumpre pontuar que, na presente situação de pandemia da COVID-19, especialmente na tentativa de equacionar os inevitáveis conflitos federativos, sociais e econômicos existentes, a gravidade da situação vivenciada exige a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, sempre respeitadas a competência constitucional e a autonomia de cada ente da Federação", justifica o ministro.
Também nesta quinta-feira, o desembargador Cleber Ghelfenstein, da 14ª Câmara Cìvel da Justiça do Rio, já tinha negado um habeas corpus aberto por administrador contra a obrigação do passaporte de vacinação. Em sua decisão, o desembargador defendeu que a Administração Pública possui poder que permite ao agente público "proceder a uma avaliação de conduta, ponderando os aspectos relativos à conveniência e oportunidade para a prática do ato". O magistrado afirmou, ainda, que o Poder Judiciário não poderia invadir o espaço reservado, pela lei, ao administrador, pois, caso contrário, estaria substituindo, por seus próprios critérios de escolha.
Prefeito e secretário criticam decisão do TJRJ
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, respondeu com ironia a decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), que suspendeu a exigência do comprovante de vacinação para entrar em locais fechados de uso coletivo da cidade no Rio. Na decisão, o desembargador Paulo Rangel argumentou que exigir o 'passaporte de vacinação' impede a liberdade de locomoção de pessoas não vacinadas. Através das redes sociais, Eduardo Paes respondeu com ironia e comparou com outras leis que atualmente são tratadas como naturais na sociedade.
"Às vezes me pergunto como algumas pessoas podem aceitar que se proíba fumar no escritório, shopping, metrô.. e também aceitar que seja obrigatório o uso do cinto de segurança! Será que essas pessoas não se sentem cerceadas em suas liberdades individuais? Só para refletir", alfinetou o prefeito.
O secretário municipal de Saúde do Rio, Daniel Soranz, classificou como 'lamentável' e 'inesperada' a decisão do desembargador. "É lamentável, é uma decisão inesperada. Não se baseia em aspectos clínicos e jurídicos. Os principais países do mundo têm restrições. É importante que a gente estimule a vacinação", afirmou o secretário.
Passaporte gera embate
O "passaporte da vacina" passou a valer no último dia 15 na cidade do Rio. No dia 13 de setembro, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) negou o pedido de suspensão do decreto que obriga a apresentação do comprovante. Entretanto, no dia 14 desse mês, a desembargadora Marília de Castro Neves Vieira, do Órgão Especial do TJ-RJ, suspendeu o decreto que tornava obrigatória a vacinação para servidores municipais e prestadores de serviço. Em 2018, Marília de Castro espalhou uma notícia falsa que associava a ex-vereador Marielle Franco ao tráfico de drogas.
No último dia 17, o prefeito do Rio exibiu um vídeo do presidente Jair Bolsonaro fazendo ataques à prefeitura e o chamando de 'ditador', por conta da exigência do comprovante de vacinação para servidores públicos municipais. Durante a fala, Paes, que perdeu o pai para a covid-19 em junho, afirmou que "não dialoga com a morte", e que os decretos de estimular a vacinação são "paixão pela vida".
Na última segunda-feira (27), o deputado federal e ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra, e Paes trocaram alfinetadas. Em sua conta no Twitter, Terra citou uma fala da OMS (Organização Mundial de Saúde) para criticar o passaporte vacinal implementado pelo prefeito do Rio. Paes, então, chamou o deputado de "Dr Terra Plana" e disse que ele estava "passando vergonha". Oparlamentar usou uma resolução da OMS que não corresponde à medida adotada no Rio de Janeiro. A Organização é contra a adoção de passaportes internacionais de vacinação contra a covid-19, por conta da desigualdade no acesso aos imunizantes entre os países.
Até o último dia 19, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio registrou cinco roubos de comprovante de vacinação em postos de Bangu e da Barra da Tijuca, na Zona Oeste, e em Marechal Hermes, na Zona Norte, além de outras oito tentativas frustradas pelos profissionais de saúde, que conseguiram recuperar os documentos. Os casos aconteceram na mesma semana em que o "passaporte de vacina" passou a valer.
Em 17 de setembro, cambistas ofereciam os "passaportes" a R$100 do lado de fora da Jeunesse Arena, onde acontecia um show do cantor Diogo Nogueira. Os cambistas pediam nome e outros dados dos interessados e depois entregavam o passaporte fraudado. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio (SMS), quem usa documento de vacinação falso ou adulterado comete crime e está sujeito às penalidades legais e também poderá receber multa de R$1 mil estipulada em lei, aprovada pela Câmara de Vereadores e já sancionada pela prefeitura.