Caminhada da vida une a dualidade de emoções
Caminhada da vida dissolve a teoria de que os sentimentos andam em pares (Imagem: Moremar | Shutterstock)
Caminhada da vida une a dualidade de emoções

Sempre achei que os sentimentos andassem em pares. Feito queijo com goiabada. Só que nos últimos tempos a vida tem se mostrado estranha. E feito bagunça na minha teoria de pares perfeitos. É que tenho vivenciado a alegria e a dor. O amor e a tristeza. No princípio, achei loucura. Ninguém nos ensina que sentimentos diversos podem conviver com desenvoltura.

Papai tem passado seus dias deitado no sofá. Assiste TV, faz palavras-cruzadas, dorme. Muito. Ele nunca parou. No sítio da família, colhia frutas, dava banho nos cachorros, limpava a piscina, plantava, podava, varria a varanda. Percebê-lo se apequenando no sofá é angústia que não sabe por onde escapar. Perguntei a ele como era envelhecer. “Difícil.” Pedi que explicasse. “Não ter mais os amigos, não poder andar por aí. As pessoas me fazem falta, filha.” As palavras reverberam em mim. Impotência.

Onde sempre quis estar

Sexta à noite. Me arrumo como quem vai para a primeira festa. Bailinho. O desejo de ser convidada para dançar uma música lenta. Marcos, o namorado, iria tocar com o irmão para comemorar o aniversário de ambos. Saio de casa já atrasada. Chego ao bar, entro sem jeito. Nossos olhares se cruzam. Ele sorri. Devolvo. Estou aqui. Onde sempre quis estar. Com ele. Marcos é tímido, generoso, companheiro. Quando nos abraçamos, me sinto em casa. Quando nossos corpos se encontram, flutuo. No bailinho da vida, estou. Nesse amor que é um não lugar, porque pode ser todos. Enquanto ele toca, danço, festejo.

Relação entre amor, velhice e juventude

Angústia pelo fim, esperança de recomeço. Uma dualidade que consome, ora pende para um lado, ora para o outro. Mas há um sentimento que une os extremos: o amor. É um privilégio, por mais doloroso que seja, ser companhia para os meus pais no final da estrada deles. Sou a mão que acompanha, em um difícil exercício de observação do fim, um ponto no qual todos iremos chegar – mas que evitamos pensar.

É corajoso – para mim e para o Marcos – mergulhar no profundo de uma nova relação, após recolhermos nossos pedaços. Estamos na mesma estrada – eu, ele, meus pais. A diferença é que alimentamos a nossa fé em uma jornada ainda longa. Tristeza, alegria, paixão, dor e angústia. Não existem, afinal, pares perfeitos. Há apenas o caminho, que todos nós atravessamos. Juntos, em pontos diferentes. Talvez esse seja o sentido. Imperfeito. Impermanente. Bonito. Necessário.

Por Ana Holanda – revista Vida Simples

Gosta de escrever sobre tudo aquilo que a atravessa.

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