Há poucos dias de seu casamento, a instrutora de esqui Becky Barletta começou a ter comportamentos estranhos. Os amigos e parentes observaram que havia algo de errado com ela, mas os exames não apontaram nenhum sinal de demência ou qualquer problema de saúde e todos acreditaram que o estresse dos preparativos para a cerimônia poderia ser o causador dos episódios incomuns.
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Aos 31 anos era difícil suspeitar que a mulher ativa, carismática e esportista teria algum tipo de distúrbio. Por isso, durante algum tempo ela mesma acreditava que a culpa era da dieta que estava fazendo para o casamento, que aconteceria em outubro de 2015, que estava deixando-a muito nervosa. No entanto, não demorou muito para que a britânica apresentasse sinais de Alzheimer e a demência tomasse conta.
Segundo sua irmã Sophie, 30 anos, a família começou a se preocupar quando percebeu que ela havia começado a dizer coisas que não faziam sentido, o que ela descreveu como um "comportamento inadequado com os alunos” quando ela passou a não cuidar deles tão bem quanto antes.
O casamento aconteceu e as atitudes de Becky foram ficando cada vez mais aparentes. Menos de um ano depois, ela recebeu um diagnóstico de demência e, desde então, seu desenvolvimento foi se deteriorando rapidamente. Atualmente, ela precisa de cuidados 24 horas por dia.
"Eles dizem que quanto mais jovem o paciente, mais rápido pode ser e foi muito rápido", disse Sophie. "Hoje já não há muito da nossa velha Becky", lamentou a irmã.
Comportamento alterado
O motivo que fez com que a instrutora de esqui ficasse tão irreconhecível é explicado pelo seu diagnóstico. Sua condição é chamada de como demência frontotemporal (DFT), que é um tipo da doença diferente do Alzheimer, por exemplo, e é capaz de alterar a personalidade, afetando, principalmente, o lado comportamental do paciente, provocando desinibição, impulsividade e até depravação.
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"Ela nos repete as mesmas histórias e diz coisas impróprias", contou Sophie. "Eu acho complicado quando saímos, pois ela fica perguntando às pessoas na rua se elas podem fazer um barulho engraçado e esse tipo de coisa”, descreveu.
A irmã explica que ela não sente vergonha, mas fica triste em assistir a cena, muitas vezes vista como algo negativo por alguns. “Algumas pessoas são incríveis, fazem barulhos e conversam com ela, mas tem gente que não entende e é bem cruel. Quando isso acontece, eu só consigo pensar: ‘se você tivesse a honra de ter conhecido a Becky quando ela estava bem, você não a julgaria assim’.”
Sintomas
Para reconhecer uma pessoa com esse tipo de distúrbio é preciso bastante atenção e investigação, porque muitas vezes, é possível que o paciente seja diagnosticado, inicialmente, com doenças psiquiátricas como depressão, transtorno bipolar, ou ainda esquizofrenia.
Entre os sintomas estão:
- Insensibilidade. Mesmo que anteriormente a pessoa se importasse com os sentimentos das outras pessoas, agora ela passa a agir friamente, sem se abalar com o
sofrimento alheio.
- Obsessão por algo, como religião, dieta, rotina. A pessoa passa a se interessar fixamente por alg um assunto ou hábito.
- R epetição de atitudes. Isso que pode ocorrer também por meio da fala, e a pessoa não se dá conta que está sendo repetitiva.
- Xingamentos e gestos obscenos são comuns também. Agir por impulso, sem se importar se está em público ou não.
Segundo os especialistas, essa condição não tem cura, e é o segundo tipo de demência mais comum. Por alterar a maneira como a pessoa age, uma pesquisa apontou que 37% dos pacientes com essa doença apresentaram histórico criminal, relacionada a abusos sexuais e brigas de trânsito.
A DFT pode afetar tanto homens como mulheres. Apesar de poder acontecer em qualquer idade, é mais comum que as pessoas reportem sintomas da doença entre 40 e 65 anos.
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Histórico familiar
Para detectar a degeneração cerebral o paciente pode ser submetido a diversos exames, como imagiologia cerebral, eletroencefalograma ou testes neuropsicológicos – que são utilizados para diferenciar em qual tipo de desordem o indivíduo se configura.
Apesar de não terem encontrado nenhum sintoma nos exames iniciais da instrutora de esqui, as suspeitas da doença começaram quando ela contou que em sua família haviam dois casos dessa condição.
Seu tio, James, também tinha o mesmo tipo de complicação cerebral que ela. Segundo a família, ele morreu quando já estava completamente comprometido cognitivamente pela doença.
A prima da mãe de Becky e Sophie Philipa também morreu por conta da condição quando ela tinha 40 anos. Sophie diz que o diagnóstico de sua irmã foi o caso mais jovem encontrado na família.
Além de se preocupar com sua irmã, Sophie também tem que lidar com a terrível possibilidade de que ela possa desenvolver a doença futuramente. "Como é hereditário, estou vivendo com o medo de que eu ou os meus filhos sejamos afetados, o que torna o fato de assistir a deterioração da minha irmã muito mais difícil”, desabafou.
Cerca de 50% dos indivíduos diagnosticados com DFT apresentam histórico familiar. Para a literatura médica, os herdeiros da condição sofrem de uma mutação no gene da proteína tau, no cromossomo 17.
É improvável que Becky viva mais do que dez anos. A deterioração deve progredir cada vez mais rápido. Á medida que a doença avançar, ela terá dificuldade para fazer atividades básicas e vitais, como engolir e, eventualmente, deixará de se comunicar quando seu corpo se desligar lentamente.
Vários centros de pesquisa ao redor do mundo estão trabalhando para encontrar medicamentos capazes de promover a cura ou impedir a progressão da demência frontotemporal. Porém, infelizmente, ainda não foram desenvolvidos remédicos com essas propriedades. Apesar disso, a qualidade de vida dos pacientes e seus cuidadores pode ser melhorada, com a ajuda de alguns medicamentos e apoio emocional oferecido por organizações especializadas.
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