Quando Renata Lujan, de 37 anos, recebeu o diagnóstico de que a doença havia voltado, ela só conseguia pensar em morte. “Minha primeira reação foi o luto. Passaram-se 10 dias e eu vi que não tinha morrido e precisava fazer algo para continuar vivendo. Foi então que deixei de buscar informações sobre o câncer de mama no Google e resolvi procurar em mulheres reais, que tinham passado pela mesma situação que eu, que estavam bem e vivas”, lembra a professora.
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Foi no apoio de outras mulheres que Renata encontrou forças para enfrentar o tratamento do câncer de mama metastático – ou seja, quando a doença evolui e o tumor se espalha para outros órgãos. Ao ver que outra paciente tinha postado em um grupo nas redes sociais que havia descoberto um nódulo no fígado, que não sabia o que era e precisava de ajuda, a professora logo se identificou com a situação e mandou uma mensagem contando sua história.
Desde então, as duas se tornaram grandes amigas e compartilham não só o diagnóstico, como também a vida: elas criaram uma página no Instagram, a @PaliAtivas , com o intuito de dividir com outras mulheres suas experiências. “Para mim, essa amizade foi uma luz no fim do túnel. Compartilhar meus medos, angústias e dúvidas com quem entendia e sabia foi um divisor de águas”, completa.
Enfrentar um câncer de mama é um grande desafio para qualquer mulher. A doença, que acomete mais de 57 mil pessoas ao ano, sendo que os homens representam apenas 1% desse total, é apontada por ser o tipo de tumor que mais mata mulheres, seguida apenas do câncer de pele não melanoma.
No entanto, o suporte emocional pode ser um dos principais aliados da paciente para seguir no controle da doença, em busca de qualidade de vida. “Empatia é tudo. Não sei o que seria de mim se não tivesse a ajuda de outras mulheres. Eu costumo dizer que, quando recebi o diagnóstico, aprendi sobre duas coisas: câncer de mama e sororidade”, conta a arquiteta Jaqueline dos Santos Frota, de 33 anos, que tem um grupo de bordado com outras três mulheres que também têm a doença.
Empatia remete à capacidade psicológica para se colocar no lugar do outro, sentindo o que essa pessoa sentiria, enquanto sororidade quer dizer "irmandade entre mulheres". Os dois termos são antigos, mas vêm ganhando popularidade nos últimos anos e são conhecidos por fazerem parte dos conceitos defendidos pelo feminismo, movimento que tem fortalecido muitas mulheres em diversas esferas.
Na área da saúde, não poderia ser diferente. “O feminismo passa por um olhar da mulher sobre si mesma, sobre se conhecer e se valorizar. Existem inúmeras agendas que estão hoje mais avançadas entre os temas debatidos dentro da causa, mas o cuidado com a própria saúde tem grande sinergia com o movimento e potencial para ser mais explorado” afirma a coordenadora de comunicação da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), Letícia Cecagno.
Apoio emocional
Para concluir o mestrado pela Universidade de Brasília (UnB), a jornalista Fernada Miranda realizou uma pesquisa para verificar se as páginas nas redes sociais relacionadas ao câncer de mama contribuíam com o empoderamento e promoção da saúde para a população.
Entre suas descobertas, ela concluiu que 69% das páginas do Facebook contribuíam para o empoderamento psicológico. “Vi que atitudes como o encorajamento de mulheres para que mostrem suas cicatrizes da mastectomia podem ajudar no entendimento de que esse sinal no corpo é parte de suas histórias, como um processo difícil que as deixou mais forte”, exemplifica.
A pesquisa, além de ter sido um ganho para o mundo acadêmico, também fez a diferença na vida de Fernanda. Isso porque, quando optou por analisar esse tema, a jornalista, que já havia sido diagnosticada com câncer de mama há dois anos, tinha acabado de descobrir que a doença havia voltado, dessa vez, sem chance de cura, na fase metastática.
“No primeiro momento, meu mundo caiu. Mas, enquanto desenvolvia a pesquisa, pude ter mais envolvimento com o assunto. Ter entrado em contato com outras mulheres que também fazem o mesmo tratamento me ajudou muito pessoalmente”, ressalta ela.
Ela conta que pôde perceber como o câncer de mama está sendo muito mais debatido pelo público feminino. Essa constatação faz toda diferença para a paciente que está em busca de mais informações sobre o tratamento, como será a rotina dali em diante e como outras mulheres sem o tumor podem se prevenir.
Porém, é fundamental que a discussão vá além das rodas de conversas entre pacientes oncológicos. “Esse é um debate que precisa fazer parte da agenda feminista. O assunto precisa de espaço e protagonismo dentro do movimento”, defende Jaqueline.
Olhar mais atento
A arquiteta conta que o seu olhar sobre seu próprio corpo mudou desde que começou a se engajar dentro do movimento feminista. “Quando eu tinha 26 anos, passei a frequentar, com minha irmã, rodas de leituras sobre o feminismo. Desde então passei a me perceber diferente, exigir da sociedade que me respeite, e cuidar de mim para que tenha meus direitos ampliados e preservados”.
Essa visão de mundo fez com que sua preocupação em relação à saúde fosse colocada à frente de outras preocupações, o que ajudou na descoberta do nódulo precocemente, aos 28 anos. “Desde que recebi a notícia passei a me informar, entender que aquilo não era culpa minha, mas que eu precisava me cuidar. Hoje, vejo que essa iniciativa fez toda diferença na relação com meu médico e na construção de um tratamento em que pude participar das decisões, visando meus interesses”.
Letícia defende esse comportamento e afirma que ninguém precisa fazer tudo sozinho, nem o paciente e nem o médico. “Paciente empoderada é aquela que é consciente e ativamente envolvida com a sua recuperação. Ela conversa com seu médico para entender as características do câncer que possui, sabe qual é o seu esquema de tratamento, suas alternativas, as dificuldades que irá enfrentar e os benefícios que terá em contrapartida. Ela também conhece seus direitos e exige que sejam cumpridos”, pontua.
Luta por direitos
Outro viés do enfrentamento do câncer de mama é a luta por acesso a diagnóstico e tratamento, conforme apontou a representante do Femama. Para Letícia, cada vez que uma mulher luta por melhores condições de atendimento oncológico, independente se ela é ou não paciente, ela ajuda milhares de outras mulheres que passam por esse problema.
“Seja se engajando em uma mobilização por mais direitos, seja denunciando e exigindo um tratamento que está faltando, um exame que foi negado, uma consulta que está demorando demais. Cada vez que uma mulher exige seu direito ela fortalece a necessidade desse direito ser cumprido para todas”, defende a coordenadora de comunicação.