No dia 19 de maio, há quase dois meses e meio, o Brasil registrou pela primeira vez mais de mil mortes em um só dia devido ao novo coronavírus . E desde então o país não baixou mais a sua média diária de mortes — sempre oscilando próximo dessa marca de mil vítimas por dia. A curva brasileira de mortes por Covid-19 atingiu um platô alto, e é hoje muito diferente das de outros países que enfrentam a pandemia.
Alguns países do mundo que conseguiram baixar o número de mortes por Covid-19 discutem hoje o temor de que haja uma segunda onda da doença nos próximos meses — resultado da reabertura das economias, fim das quarentenas e, em alguns casos, chegada do outono a partir de setembro.
Mas em lugares como o Brasil a "primeira onda" sequer parece ter acabado ainda, dado que a curva segue estacionada em um alto patamar.
O Brasil começou a pandemia com uma explosão de casos em alguns Estados como São Paulo, Amazonas e Ceará. Também houve uma intensa disputa entre governadores e o presidente Jair Bolsonaro sobre quem teria o direito de declarar quarentenas e fechamento de comércio.
A Justiça deu aos governadores e prefeitos esse poder e muitos lugares decretaram fechamentos e quarentenas.
Ao longo dos meses, o número de casos e mortes sempre se manteve alto no Brasil, mas o foco da doença foi mudando: inicialmente forte nas capitais, os casos passaram a crescer no interior .
Agora, autoridades enfrentam o novo coronavírus também em meio ao inverno brasileiro, quando crescem os casos de gripe e outras doenças respiratórias . E muitas cidades e Estados estão reabrindo suas economias, mesmo sem diminuição nos números de mortes e casos.
O Brasil é o segundo país com o maior número de casos (2,75 milhões) e mortes (94 mil) no mundo, atrás dos Estados Unidos em ambos os quesitos.
Confira abaixo as curvas de mortes por Covid-19 em países que adotaram estratégias distintas e veja como elas se comparam com a experiência brasileira.
1. Estados Unidos — a maior curva
Os Estados Unidos apresentam potencialmente a curva mais dramática entre todos os países afetados pelo novo coronavírus, quando se analisa o número de mortes diárias.
Já no final de abril, apenas dois meses após a chegada do vírus nos Estados Unidos, o país já registrava mais de 2,6 mil mortes por dia — um patamar que não foi igualado por nenhuma outra nação nesta pandemia em números oficiais absolutos.
De abril a junho, período de quarentenas em diversas cidades e Estados americanos, a curva caiu bastante, para menos de 700 mortes por dia, mas vem se acelerando novamente desde então.
Americanos e brasileiros estão hoje no mesmo patamar — próximo a mil mortes diárias por Covid-19 — mas não está claro qual será a tendência dessas curvas nos próximos dias.
Os americanos lideram o ranking mundial de número de casos (4,7 milhões) e mortes (156 mil) por novo coronavírus.
A disseminação da doença nos Estados Unidos segue a mesma dinâmica observada em diversos outros países: surtos iniciais são registrados em alguns lugares, que reagem com fortes medidas de quarentena e distanciamento social.
Assim que os números de casos e mortes caem, as medidas são relaxadas. Mas logo o surto reaparece em outras regiões que não eram consideradas focos de preocupação.
No começo da pandemia, os Estados do Nordeste (como Nova York e Nova Jersey) respondiam pela maior parte de mortes. Já em junho, quando muitos Estados estavam em processo de reabertura das suas economias, os focos mais graves aconteceram no Sul (Texas e Flórida).
O governo do presidente Donald Trump passou por diversas crises em relação à pandemia: briga entre Estados e governo central sobre medidas de quarentena , protestos contra os danos à economia, críticas do governo à Organização Mundial da Saúde e ataques de críticos do governo pela lenta reação da Casa Branca e falta de testes no início da crise.
Agora as atenções começam a se voltar para eleição presidencial de novembro - Trump aparece atrás do democrata Joe Biden nas principais pesquisas.
2. Reino Unido — curva em queda
O Reino Unido já foi considerado um dos piores focos mundiais da doença no começo de abril, quando a média diária de mortes estava pouco abaixo de mil.
No entanto, a curva diária só caiu de abril para cá, atingindo um patamar médio de 60 mortes.
Como resultado, o Reino Unido flexibilizou as quarentenas pelo país. Em julho foram reabertos vários setores que estavam fechados, como comércio, bares, restaurantes e escritórios.
A exceção foi a cidade de Leicester, onde o número de casos e mortes ainda crescia. Ela foi mantida sob quarentena rígida quando o resto do Reino Unido reabria.
O processo de reabertura vai continuar em agosto, com a volta de teatros e cinemas, e setembro, com a volta total às aulas.
Mas, nos últimos dias, o governo britânico tem dado indícios de que pode frear algumas etapas de reabertura.
Nesta semana, surpreendendo muitos turistas, o governo voltou a exigir que pessoas vindas da Espanha entrem em quarentena de 14 dias.
A Espanha é um dos maiores destinos turísticos dos britânicos, que estão nas suas férias de verão, e recentemente registrou um repique no número de casos de Covid-19.
Britânicos estão tendo que voltar imediatamente de férias e alguns podem ficar impedidos de trabalhar em seus escritórios na volta devido a essa quarentena. Além disso, algumas nações como a Inglaterra voltaram a obrigar o uso de máscaras dentro de supermercados e lojas.
O premiê Boris Johnson alertou que se a Europa e o Reino Unido não prestarem atenção em alguns indícios, serão atingidos por uma segunda onda da doença.
3. Índia — curva em ascensão
A Índia é um dos casos em que a curva diária de mortes por Covid-19 praticamente não parou de crescer desde o começo da pandemia.
Inicialmente o país registrou poucas mortes, quando a Europa e os Estados Unidos enfrentavam o pior momento da doença.
Nos primeiros meses, críticos disseram que a quarentena imposta pelo governo do premiê Narendra Modi matou mais pessoas do que o novo coronavírus em si.
Modi decretou o fechamento de diversos setores da economia, provocando um êxodo de trabalhadores pobres para o interior. Muitos não teriam condições econômicas de seguir nas grandes cidades sem emprego e optaram por voltar às suas cidades de origem, onde poderiam ficar perto de seus familiares.
Mas os sistemas de transporte e estradas não deram conta do fluxo de pessoas, e muitos morreram atropelados quando enfrentavam jornadas de centenas de quilômetros a pé. Modi pediu desculpas pelos problemas ocasionados pela quarentena.
Agora a Índia vive um momento distinto, com temores de que a doença possa matar uma quantidade enorme da sua população, que é a segunda maior do mundo.
O país já é o terceiro com o maior número de casos no mundo (1,8 milhão, atrás dos Estados Unidos e Brasil) e sexto em mortes (quase 39 mil). A média diária de mortes ainda é inferior à do Brasil, ficando perto de 700.
O governo da Índia vem sendo acusado por críticos de ignorar a pandemia. Autoridades sequer reconhecem que existe transmissão comunitária do vírus.
Um dos pilares do combate à doença — o rastreamento de pessoas que tiveram contato com infectados — é considerado praticamente impossível em um país pobre e populoso como a Índia.
4. Suécia e Alemanha — curvas em queda
Um dos países que causaram maior controvérsia na pandemia foi a Suécia, que desde cedo adotou medidas bem menos drásticas que os demais contra o novo coronavírus.
As autoridades suecas evitaram quarentenas e se apoiaram na boa vontade de seus cidadãos de manterem distanciamento social voluntário.
A Suécia registrou mais de 5,5 mil mortes por Covid-19 nesta pandemia, em uma população de 10 milhões. É um dos maiores índices de mortalidade na Europa e o pior disparado entre os países escandinavos, que optaram por quarentenas mais rígidas.
Mesmo assim, a curva diária de mortes por Covid-19 caiu de um patamar de 100 mortes diárias em abril para menos de dez agora.
A Suécia debate se sua estratégia foi um sucesso ou um fracasso. Alguns dizem que o governo poderia ter evitado mais mortes no começo da pandemia, mas não parece haver um consenso sobre o assunto.
Outro país que seguiu uma curva parecida foi a Alemanha: o número de casos só caiu de abril até hoje. A média diária de mortes passou de mais de 200 para abaixo de 5.
O país começou a pandemia com medidas duras de quarentena e foi um dos primeiros na Europa a promover a reabertura gradual da sua economia.
Mas nesta semana o diretor da agência de saúde pública da Alemanha, a RKI, disse que está muito preocupado com o aumento recente no número de casos.
Ele disse que os alemães estão se tornando "negligentes" diante da pandemia e pediu que eles usem máscaras e respeitem regras de distanciamento social e higiene.
A Alemanha também alertou para os perigos de se viajar a três regiões da Espanha — Aragão, Catalunha e Navarra — onde há aumento no número de casos.
Visitantes de países com alto número de infecções — entre eles o Brasil — que chegam à Alemanha são obrigados a se submeter a um teste gratuito de Covid-19.