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Obesidade
Ricardo Moraes/Reuters/BBC
Estudo publicado na revista científica Lancet mostrou que pessoas mais novas internadas por covid-19 tinham maior probabilidade de ter IMC alto

"Concluímos que, em populações com  grande prevalência da obesidade, a Covid-19 afetará mais as populações mais jovens", afirmaram em maio três pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, em texto publicado na revista médica Lancet.

Na ocasião, os autores apresentaram os resultados preliminares de uma pesquisa que buscou confirmar, com dados, algo que estava sendo observado na prática no hospital universitário da Johns Hopkins: pacientes jovens que chegavam às unidades de terapia intensiva (UTI) tendiam a ser obesos.

Os cientistas reuniram então dados de 265 pacientes internados em seis hospitais universitários americanos e concluíram que, sim, havia uma correlação inversa entre idade e Índice de Massa Corporal ( IMC ): pessoas mais novas internadas por covid-19 tinham maior probabilidade de ter IMC alto, na faixa da obesidade.

Quase três meses depois, novos relatos em hospitais e pesquisas científicas se somaram a este achado.

"Nossa correspondência (tipo de texto em um periódico científico, normalmente com etapas menos estritas que um artigo padrão) foi uma das primeiras, mas desde então já foram publicados 400 estudos — e este número continua aumentando — debatendo a conexão entre obesidade e os efeitos da covid-19 em uma pessoa infectada", explicou por e-mail à BBC News Brasil David A. Kass, cardiologista, professor da Universidade Johns Hopkins e um dos autores do trabalho.

"Existem hoje muitas pesquisas demonstrando que, se você considera os riscos que a obesidade sozinha produz para quadros piores de covid-19 (risco de hospitalização; de internação em UTI; ou de morrer), eles são consideravelmente aumentados em indivíduos com idade menor que 50-60 anos. Em pessoas mais idosas, digamos com mais de 65 anos, a obesidade sozinha se torna um risco menos proeminente."

"Presumo que seja porque em idades mais avançadas, existem muitas outras comorbidades — o envelhecimento e vulnerabilidades em si, histórico de câncer, doenças cardíacas, doenças imunológicas, doenças pulmonares — e que se tornam mais significativas nessa faixa etária".

EUA e Brasil: líderes em covid-19 e população com alto percentual de obesos

Três pessoas na rua, em fila, perto de placa dizendo em inglês: teste para covid
EPA/Samuel Corum
Fila para teste de covid-19 nos EUA; chegada da covid-19 no país, com cerca de 36% da população adulta obesa, provocou mais estudos sobre a associação entre doenças

Os autores da carta no Lancet também escreveram que, ao chegar aos EUA , o coronavírus tinha feito médicos e cientistas ficarem em alerta sobretudo para a população idosa — que se mostrou particularmente vulnerável na China e Itália, por onde a doença passou e deixou vítimas primeiro.

Mas, nos EUA, a alta prevalência da obesidade — 36% da população adulta, segundo dados globais de 2016 — explicitou este novo e relevante risco.

Professor de medicina da Universidade de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades, Licio Augusto Velloso avalia que, neste infeliz encontro entre as duas doenças, o Brasil tem mostrado características semelhantes aos EUA. Aqui, 22% da população adulta foi considerada obesa no levantamento de 2016, enquanto China e Itália aparecem respectivamente com 6% e 19,9%.

"Um outro fator importante na Itália é que a população é bem mais velha, então o principal fator da alta mortalidade lá parece ter sido a idade. Nos EUA, têm se destacado a obesidade e a diabetes."

Com altos percentuais de obesos, diz Velloso, as evidências têm confirmado a conclusão dos pesquisadores da Johns Hopkins de que populações com estas características colocam faixas etárias mais jovens em maior risco.

"Já há muitos estudos mostrando que, nos EUA, há uma mortalidade significativa nas faixas etárias intermediárias. O Brasil vai no caminho dos EUA, porque a nossa taxa de obesidade está muito alta — não tanto quanto nos EUA, mas também assustadoramente alta", aponta o médico, acrescentando que, no Hospital de Clínicas da Unicamp, é sabido pela equipe, por observação, que os jovens mais gravemente afetados pela covid-19 são na maioria obesos.

E, mesmo que países como o Brasil tenham uma população mais nova em geral, ele acredita que a relevância da Covid-19 em faixas etárias mais baixas "certamente é mais porque estamos com jovens muito obesos, do que porque temos muitos jovens".

De acordo com dados do Ministério da Saúde , até o início de agosto a distribuição de pessoas hospitalizadas por Covid-19 no Brasil por faixa etária foi maior nas idades de 60 a 69 anos (20%); 50 a 59 anos (18%); 70 a 79 anos (17%); 40 a 49 anos (14%); 80 a 89 anos (10%); 30 a 39 anos (10%); 20 a 29 (3.9%).

Combinação com hipertensão e diabetes

"Em fevereiro, os primeiros estudos publicados na China já deixavam claro que pacientes com obesidade, diabetes , hipertensão evoluíam de forma mais grave", apontou Licio Velloso, da Unicamp, em entrevista por telefone.

De antes da pandemia , a associação entre obesidade, diabetes e hipertensão já é bastante conhecida.

"Aproximadamente 60 a 70% das pessoas que são obesas acabam desenvolvendo tanto diabetes como hipertensão. Essas condições começam normalmente porque já há a obesidade de base", explica Velloso.

Por isso, explica o pesquisador, para os mais jovens a obesidade pode ser um fator mais relevante para a covid-19, pois normalmente — mas nem sempre — precede o desenvolvimento da diabetes e hipertensão.

Ele e David Kass destacaram que a produção científica se encaminha para, agora, responder mais precisamente como cada um desses fatores — obesidade, diabetes e hipertensão — influencia no desenrolar da covid-19, em diferentes idades.

Fatores da obesidade que aumentam a vulnerabilidade à covid-19

Dois pacientes deitados em macas, separadas por uma barreira; um deles é tocado por uma enfermeira
Ricardo Moraes/Reuters
Médicos relatam frequência, nos hospitais, de jovens internados com covid-19 que eram também obesos

Enquanto mais estudos são produzidos, na linha de frente profissionais como Peterson Lodi, que trabalhou no Hospital de Campanha do Leblon, no Rio, observaram características da covid-19 em jovens obesos que podem ajudar a entender a associação entre as doenças.

"Era nítida a tendência de pacientes jovens e obesos ficarem mais graves. Era rotineiro", lembra Lodi, também residente em medicina de emergência no Hospital Quinta D'Or.

"Observávamos nos jovens obesos muita falta de ar. Era mais comum e frequente um jovem obeso com insuficiência respiratória aguda, precisando de oxigênio, de broncodilatador", conta, relatando também nestes pacientes atendidos no Rio maior frequência do aparecimento da chamada ferida de decúbito (uma ferida causada pela pressão do peso em algum ponto do corpo) e uma demora na resposta à pronação (um procedimento de virar a barriga para baixo, ajudando na oxigenação).

Licio Velloso aponta pelo menos três explicações para a gravidade da Covid-19 em pessoas obesas, não apenas as mais jovens. A primeira é que obesos, assim como diabéticos, são naturalmente imunodeficientes, com uma resposta imunológica menos eficiente em doenças mais conhecidas, como pneumonia, infecções renais e úlceras na pele, por exemplo.

Ilustração a nível molecular de proteínas do coronavírus, representados por um conjunto de bolinhas vermelhas; se ligando aos receptores da célula humana, representados por bolinhas azuis
Science Photo Library
Ilustração de proteínas de ligação do coronavírus (vermelho) se conectando aos receptores da célula humana alvo (azul) — para os coronavírus, estes receptores são do tipo enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2)

A segunda: tanto obesos como diabéticos e hipertensos têm uma quantidade grande da proteína que o coronavírus usa como receptor — a enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2): "É como se a proteína fosse uma porta para o vírus entrar na célula. Todo mundo tem essa proteína, mas pessoas com hipertensão, diabetes e obesidade têm uma quantidade maior. É como se o vírus tivesse mais portas para entrar."

A terceira explicação foi detalhada em um artigo publicado por ele e colegas brasileiros no periódico Cell Metabolism, em julho. No trabalho, os autores mostraram que a glicose alta em pessoas diabéticas promove desajuste em células do sistema imune, o que atrapalha na defesa contra o coronavírus.

Presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), o endocrinologista Mario Kedhi Carra acrescenta que a obesidade leva a condições do corpo, como a compressão do diafragma, que dificultam o combate a doenças respiratórias ; e também a um estado naturalmente "inflamado" — com maior circulação no corpo das chamadas citocinas pró-inflamatórias (substâncias produzidas pelo sistema de defesa), por exemplo.

Carra explica que, para além da medida do IMC — que a partir do valor 30 indica obesidade —, esta doença é definida principalmente pelo excesso de massa gordurosa em relação à magra. Isto pode ser constatado com exames como medida da circunferência abdominal, tomografia ou densitometria de corpo inteiro.

Perguntado sobre os riscos para pessoas obesas que têm hábitos saudáveis, como praticar exercícios, o endocrinologista respondeu que, existindo excesso de tecido gorduroso, isto já traz problemas para a saúde. Assim, mesmo o sobrepeso já é capaz de levar a alguns distúrbios metabólicos prejudiciais.

Para pessoas com sobrepeso e obesas, vale o reforço de medidas aconselhadas à população em geral para se proteger da Covid-19.

"A recomendação é se resguardar: usar máscaras, lavá-las, evitar aglomeração. Muito cuidado também com a alimentação: de todos, os mais negativos são bebidas alcoólicas e alimentos com açúcar e gordura ."

Ele acrescenta ainda que, mesmo a curto prazo, certas mudanças de hábitos já podem fortalecer o organismo em geral.

"Qualquer quantidade de quilos diminuída já traz melhorias enormes na saúde", diz, mencionando alterações rápidas já passíveis de serem observadas, como na pressão arterial, falta de ar e resposta inflamatória.

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