UTI
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Rio enfrenta lotação nos leitos de UTI

RIO — Aos 75 anos, o aposentado João Firmino do Nascimento teve os primeiros sintomas da Covid-19, há cerca de dez dias, e foi levado por parentes até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio. O quadro de saúde piorou: com dificuldade para respirar, o idoso foi colocado no oxigênio, e a família foi informada que ele precisava de um leito de UTI. A vaga no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, em Acari, só chegou três dias depois, no dia 23. Seu João acabou não resistindo à doença, e morreu na manhã desta segunda-feira (28), após cinco dias entubado na unidade que é referência para pacientes com coronavírus na rede municipal de saúde do Rio.

— No domingo já colocaram ele na regulação para ser transferido, mas foram três dias de luta. Acho que se ele tivesse sido transferido desde o início, ainda estaria aqui hoje, com a gente — lamenta a neta do idoso, Michele Nascimento dos Santos, de 31 anos, que procurou a Justiça, através da Defensoria Pública, para conseguir uma vaga para o avô.

A espera vivida pelo idoso e sua família é um retrato de um cenário que vem voltando a acontecer no Rio. Na última atualização quinzenal, pesquisadores do Observatório Covid-19, da Fiocruz, concluíram que a capital fluminense está numa “zona crítica” em relação aos leitos para paciente com coronavírus. Com dados entre os dias 6 e 19 de setembro, o estudo apontou sinais de sobrecarga nos hospitais da cidade, e diminuição na oferta de leitos por 10 mil habitantes.

Dados da Secretaria municipal de Saúde do Rio reforçam a elevação de casos e ocupação: ontem, das 251 vagas em unidades da prefeitura para pacientes em estado grave, 221 estavam ocupadas, chegando a uma taxa de 88% — no domingo — era 87,2%, índice que há dois meses estava em 78,4%. Na contramão, o uso dos leitos de enfermaria caiu em 24 horas: eram 240 vagas ocupadas neste domingo, contra 231 nesta segunda.

A prefeitura do Rio afirma que “realiza a maioria absoluta de atendimentos de Covid-19, já que houve fechamento de leitos nas outras redes”. O estado deixou de receber pacientes nos hospitais de campanha do Maracanã e de São Gonçalo. Já as unidades de campanha do Leblon e do Parque dos Atletas, que eram mantidas pela iniciativa privada, também foram desmobilizadas, como estava previsto desde a inauguração.

No Centro Hospitalar para a Pandemia de Covid-19, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), 20 novos leitos de UTI devem ser abertos em outubro. De acordo com a instituição, os atendimentos aumentaram com o fechamento de hospitais de campanha e a redução de leitos dedicados à Covid-19 em outros hospitais.

O aumento de internações tem sido percebido por quem atua na linha de frente dos atendimentos desde o início da pandemia. De acordo com Alexandre Telles, presidente do Sindicato dos Médicos do Rio (SinMed-RJ) e parte do corpo clínico do Hospital de Acari, a demanda por leitos de UTI e de enfermaria tem aumentado na unidade há cerca de duas semanas.

— A gente dá alta para o paciente e o leito já é ocupado logo em seguida. Em nenhuma época tivemos leitos de CTI sobrando, mas em alguns momentos era mais fácil transferir os pacientes. Agora está totalmente lotado. No domingo (27), por exemplo, não tínhamos nenhum leito disponível de CTI, estávamos com 100% de ocupação — relata.

De acordo com Telles, as seis salas de estabilização do hospital, cada uma com capacidade para um paciente, têm sido a saída para dar conta dos pacientes que precisam de cuidados intensivos na falta de vagas.

— A situação é muito difícil. Nessas unidades nós conseguimos entubar o paciente, dar um cuidado intensivo mesmo fora do CTI, e se não fossem essas salas, os pacientes passariam por maus bocados — conta.

No Hospital de Campanha do Riocentro, que teve leitos desativados em julho, o fluxo de ambulâncias voltou a crescer. Segundo uma profissional do hospital, que prefere não se identificar, pacientes têm chegado à unidade já em estado mais grave:

— A demanda por leitos de CTI aumentou, há pelo menos um mês. Abrimos uma nova ala, mas as vagas lotam com facilidade. É uma demanda maior de pacientes mais graves, principalmente com acometimento pulmonar, uma pneumonia silenciosa — diz.

Pesquisadora do Observatório Covid-19 da Fiocruz, Margareth Portela mostra-se preocupada com os números e faz um alerta: as autoridades não podem pensar na solução do problema quando ele já tiver instalado. Ela diz que tem recebido informações de profissionais da saúde que indicam aumento de jovens internados e de procura por leitos nos hospitais. Para Margareth, apesar da redução geral da curva, o Rio vive uma "zona crítica".

— O poder público tem que estabelecer um plano de contingência, seja fortalecer hospitais e estruturas permanentes ou reabrir leitos de campanha. Temos um vírus circulante e vamos conviver com esse cenário durante um tempo. É legítimo fechar leitos, pois são caros. Mas não se pode ter a possibilidade de um novo pico sem um plano de contingência para uma resposta imediata. É uma zona crítica, preocupante. Em maio e abril nós vivemos um pico de casos da doença seguido por uma redução que se manteve numa estabilidade ainda elevada. Agora, há indícios de um novo aumento.

O infectologista e professor da Unig (Universidade Iguaçu), Roberto Falci da Silva Garcia, também acredita que o momento é de preocupação e alerta:

— Com o crescimento da média móvel e a evolução dos casos, a reabertura de leitos do Hospital de campanha do Maracanã, por exemplo, deve ser uma tendência. Mas ainda não é possível prever quando isso precisará ser feito. Hoje, os números são uma preocupação real — afirma o especialista.

Se levar em conta toda a rede do Sistema Único de Saúde (SUS) — que inclui as unidades municipais, estaduais e federais —, o percentual de leitos de UTI ocupados na capital está em 79%, com 390 internados. Há dois meses, estava em 71%. O índice nas enfermarias nesta segunda-feira é de 50%. Segundo a pasta, 53 pessoas estão em processo de transferência para leitos de Covid-19 em toda a rede SUS da Região Metropolitana 1 (que inclui a capital e os municípios da Baixada Fluminense), sendo 25 para UTI.

Na rede estadual, a taxa de ocupação de leitos de enfermaria para pacientes com coronavírus está em 19%, e 48% em lvagas de UTI. De acordo com a Secretaria estadual de Saúde, não há falta de leitos, e a espera ocorre porque a Central Estadual de Regulação busca vagas para pacientes com comorbidades que contemplem todas as suas necessidades clínicas. São 151 leitos de UTI para tratamento de Síndrome Respiratória Aguda (SRAG), com 71 destes ocupados. E o total de leitos de enfermaria para SRAG é 171, estando 34 ocupados.

A pasta ainda não vê necessidade de receber pacientes no Hospital de campanha do Maracanã, aberto por uma decisão judicial. "A nova estratégia prevê a pactuação de leitos nos municípios, oferecendo suporte operacional com profissionais e insumos, além da contratação de leitos em hospitais particulares, caso seja necessário em eventual crescimento do número de internações por Covid-19. O planejamento se baseia em análises diárias".

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