Especialistas apontam que adaptar a nova estratégia de vacinação do Reino Unido para o Brasil pode gerar mais desafios do que soluções. O país decidiu adiar a segunda dose das vacinas contra a Covid-19 para 12 semanas após a primeira injeção, em vez do intervalo original de 21 dias. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo .
De acordo com o jornal, o objetivo é aumentar o número de pessoas imunizadas e frear a transmissão da doença no País, que tem UTIs lotadas e se depara com a nova cepa do vírus (B.1.1.7). Nesta segunda, o primeiro-ministro Boris Johnson voltou a decretar lockdown no país por conta do alto número de mortes e internações.
"O Reino Unido sempre teve iniciativas mais ousadas em termos de imunização, em relação aos outros países e, em geral, estão muito bem. Foi uma decisão de coragem, de assumir o risco", disse a consultora do comitê de imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, Rosana Richtmann, ao Estadão .
Segundo a profissional, o principal ponto positivo é que essa estratégia garantiria a imunização de mais pessoas em menos tempo. Por outro lado, a falta de dados técnicos e embasamento científico se torna um agravante.
Estratégia adotada por outros países
Até agora, Alemanha, Bélgica e Dinamarca já anunciaram que estudam seguir o exemplo do Reino Unido, principalmente pela lentidão com que a imunização tem avançado nesses países. No entanto, especialistas afirmam que para o Brasil essa estratégia pode não ser a mais indicada.
"De maneira geral, a estratégia é aceitável, mas depende do sistema de saúde de cada país. A Inglaterra tem uma velocidade maior que a média. Não quer dizer que vai funcionar em todos os países. O Brasil é um país muito maior, portanto com desafios adicionais, como uma população vulnerável que é maior", afirmou Eliseu Waldman, professor do departamento de epidemiologia da saúde pública da Universidade de São Paulo (USP).
"Das duas vacinas que eles propõem, apenas a de Oxford se mostrou mais imunogênica (desenvolve mais anticorpos) quando o intervalo entre as doses foi maior. Para esta, isso não é uma má ideia, porque pode gerar uma resposta imune melhor. Em relação à da Pfizer, ainda não temos ideia", explica Rosana.
Segundo os dados oficiais, o imunizante da Oxford/Astrazeneca, que será produzido no Brasil pela Fiocruz, garante eficácia geral de 52.4% após a primeira dose, acima do mínimo estipulado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
É possível adotar a medida no Brasil?
Em entrevista ao Estadão , a médica Lily Yin Weckx, coordenadora do Centro de Referência de Imunobiologia Especial da Unifesp e responsável por coordenar o estudo clínico da vacina desenvolvida pela Oxford/Astrazeneca no Brasil, disse que o imunizante já "começa a proteger" após a primeira dose. Ela acredita que a estratégia seja possível no Brasil e diz que a medida "alcança o maior número de pessoas possíveis para ter um impacto nessa situação tão calamitosa".
Já para Natalia Pasternak, doutora em microbiologia pela USP e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), a decisão é mais do campo de gerência e logística do que médico ou científico. "Não há resposta fácil. As vacinas foram testadas para um determinado regime de doses e alterar isso é sempre um risco, porque não há dados científicos para prever o que vai acontecer. Quando se vai contra o que está especificado e muda esse intervalo para melhorar a gestão e vacinar mais pessoas, é uma decisão de saúde pública", disse.
Rosana também destaca que o baixo nível de retorno da população brasileira à segunda dose, caso o período entre as aplicações fosse aumentado. "Quando você espaça esse intervalo para três meses, é mais complicado termos adesão. A cobertura cai muito na segunda dose", afirma.
"Nossa preocupação ainda está um passo atrás, porque precisamos saber quantas doses teremos, de quais vacinas e quando elas serão aplicadas. Nem isso a gente tem", diz Natalia.
O Ministério da Saúde projeta que a imunização comece dia 20 de janeiro, mas ainda não estabeleceu uma data para o início da imunização.