O Ministério da Saúde pressionou a Secretaria de Saúde de Manaus a utilizar precocemente medicações antivirais orientadas pela pasta para o tratamento da Covid-19 , doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2). Em maio, uma nota do ministério informava que os medicamentos orientados pelo órgão para o tratamento precoce de pacientes com a doença eram a cloroquina e a hidroxicloroquina , além do antibiótico azitromicina . As drogas, no entanto, não têm eficácia comprovada contra a doença.
Em ofício, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, afirma que é "inadmissível" a não adoção da orientação da pasta. Mayra pede ainda autorização para realizar visitas nas unidades básicas de saúde para difundir a utilização desses medicamentos no tratamento precoce contra a doença.
"Solicita autorização da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus para que possa realizar no dia 11 de janeiro de 2021 — segunda-feira, a partir das 14h às 22h — visita às Unidades Básicas de Saúde destinadas ao atendimento preventivo à Covid-19, para que seja difundido e adotado o tratamento precoce como forma de diminuir o número de internamentos e óbitos decorrentes da doença", diz o ofício assinado no dia 7.
Embora a ineficiências dessas drogas no combate à doença já tenha sido mostrada, o document diz que ressalta "a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde, tornando, dessa forma, inadmissível, diante da gravidade da situação de saúde em Manaus a não adoção da referida orientação."
Em maio, sob críticas de especialistas na área, o Ministério da Saúde orientou a prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina desde os sintomas iniciais da Covid-19. A insistência em emitir essas orientações por parte do presidente Jair Bolsonaro culminou na saída do então ministro da Saúde, Nelson Teich. Com isso, chegou ao comando da pasta o general Eduardo Pazuello, que teve como um de seus primeiros atos a emissão das orientações para prescrição precoce desses medicamentos, que não têm comprovação de eficácia contra a doença.
Procurada, a secretaria municipal de Manaus disse que vai se pronunciar, uma vez que ainda não recebeu o ofício emitido pelo ministério. A reportagem também questionou o Ministério da Saúde sobre os termos do documento, mas ainda não obteve resposta.
Infectologista critica uso do SUS para disseminação de drogas ineficazes
Professor titular de Infectologia da UFRJ, o professor Mauro Schechter afirma que a ineficácia desses medicamentos já foi comprovada e critica as orientações do Ministério da Saúde.
"A cloroquina é uma droga cuja ineficácia está plenamente comprovada. É por isso que nas guias e diretrizes de tratamento tanto da Sociedade Americana de Infectologia quanto dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA ela figura com a recomendação de não usar, na classificação A1, a mais forte possível. Ou seja, já foram feitos todos os estudos necessários para mostrar que a cloroquina não funciona. E isso não mudará, porque não há nenhum outro estudo em andamento. No caso da cloroquina, não é que faltam evidências da eficácia, a ineficácia já está comprovada", disse.
Schechter critica ainda o fato de o ministério orientar a prescrição dessas drogas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
"No caso específico desse documento, ele tem vários problemas. Ele diz que é cientificamente comprovado, o que não é. Pelo contrário. Tanto a cloroquina quanto a azitromicina são formalmente contraindicadas. E mais um absurdo: O SUS só pode distribuir drogas cujas indicações estejam de acordo com o que a Anvisa aprovou. Eles querem que o SUS use com nosso dinheiro drogas para indicações que a Anvisa não aprovou, que não constam em bula", explicou.
"Só existe um antiviral aprovado no mundo para tratamento de infecção por Sars-CoV 2, que é o remdesivir e que não está aprovado no Brasil e é utilizado para tratamento tardio e não precoce", completou.