Com 6 estados e o DF em situação crítica, cientistas defendem lockdown nacional
Agência Pará
Com 6 estados e o DF em situação crítica, cientistas defendem lockdown nacional

Nos últimos dias, sete unidades da federação chegaram a um ponto considerado extremamente crítico, o retrato do pesadelo brasileiro na pandemia de Covid-19. Em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal, a transmissão está descontrolada e não há capacidade de atender a todos os doentes. O alerta vem de uma análise exclusiva para O GLOBO feita por sanitaristas do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ, Ligia Bahia e Leonardo Mattos.

O trabalho indica que quase todos os demais estados trilham o mesmo caminho e que somente medidas radicais de isolamento em todo o país podem deter o avanço do coronavírus. Ligia Bahia explica que a pandemia é dinâmica: estados que não estavam tão críticos na sexta-feira, 19, data usada na análise, tendem a piorar se nada for feito imediatamente.

"As medidas precisam ser nacionais porque os estados e os municípios não são isolados, mas conectados por relações de serviço, de comércio e sociais. Então, medidas isoladas terão efeito muito limitado", destaca Bahia. "As decisões de um prefeito impactam limitadamente dentro de seu município se as cidades vizinhas tomarem as mesmas medidas".

Batizada de “Sistema de Saúde e a Covid-19 no Brasil: o colapso anunciado e negligenciado”, o estudo indica que em todo o país apenas Roraima e Amazonas não estavam em situação tão dramática anteontem. Mas, salientam os pesquisadores, isso acontece porque eles já passaram por um pico recente e devastador, em especial o Amazonas. 

Os pesquisadores usaram como parâmetros a taxa de transmissão R (novos casos a partir de um caso), a taxa de ocupação de leitos, o número de pacientes na fila por leitos (dado não disponível para todos os estados) e a média móvel de óbitos. Os sete estados destacados apresentam altos índices para menos três desses critérios. Já os classificados em estado menos grave são aqueles que, temporariamente, têm indicadores mais baixos.

Os cientistas observam que os parâmetros não podem ser automaticamente projetados para as capitais, pois a situação em quase todas é extremamente crítica. Apenas três delas — Manaus, Belém e Boa Vista — apresentam taxas de ocupação de leitos menores ou iguais a 80%, limite que antecede o alerta máximo.

Os dados de ocupação hospitalar indicam que, no dia 18, apenas quatro estados (Amazonas, Roraima, Paraíba, Alagoas) estavam abaixo da margem crítica de 85%. Em 11 estados a rede hospitalar do sistema de saúde já se encontra em colapso (acima de 95% de ocupação), com destaque para as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

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"É necessário que a autoridade sanitária do país, o Ministério da Saúde, apoie e coordene estratégias de isolamento social", frisa Bahia.

Medidas severas e urgentes

As principais medidas sugeridas pela equipe da UFRJ são barreiras sanitárias nacionais e internacionais com fechamento de aeroportos e rodoviárias; proibição de shows, congressos, atividades religiosas e esportivas; suspensão das aulas presenciais; toque de recolher nacional das 20h às 6h e nos finais de semana; fechamento de todas as atividades não essenciais; fechamento de bares, restaurantes e academias de ginástica; trabalho remoto sempre que possível, tanto no setor público quanto no privado; limitação do transporte público e redução da superlotação. Somadas a essas medidas também recomendam a intensificação da testagem, rastreamento de contatos e o uso obrigatório de máscaras multicamadas.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO convergem à avaliação de que, diante do quadro grave da Covid-19, o país precisa implementar planos severos de restrição em todo o território, sob coordenação do Ministério da Saúde, que terá novo titular esta semana, quando o cardiologista Marcelo Queiroga substituir o general Eduardo Pazuello.

Pesquisas sugerem que, para reduzir as taxas de transmissão em cerca de 40%, são necessários pelo menos 14 dias de medidas de supressão e monitoramento diário. Bahia e Mattos reforçam: é o conjunto de restrições que produz impacto na redução da transmissão, casos e óbitos, e não apenas uma ou outra adotada dispersamente.

Aglomerações atenuam

Os índices de isolamento social se mostram insuficientes (entre 30 e 42%) para conter a pandemia. Por outro lado, os dados de mobilidade de celulares divulgados pelo Google indicam que nas últimas três semanas a frequência a lugares públicos onde pode ocorrer aglomeração diminuiu um pouco. O número, porém, ainda está longe de chegar ao grau de retração visto em março e abril de 2020, auge do pânico em relação à Covid-19.

Porto Alegre (RS), uma das capitais onde a demanda mais pressiona a rede de saúde, tinha em fevereiro um índice de frequência a estabelecimentos de “varejo e lazer” (que incluem bares e restaurantes) de cerca de -40% em relação aos níveis pré pandemia. O número caiu para -60%. Em São Paulo, caiu de -30% para -51% nas últimas três semanas. 

No Rio de Janeiro, porém, a mesma métrica permaneceu no nível relativamente alto de -30% desde o começo do ano. A frequência a locais da categoria “parques”, que inclui praias e áreas públicas de recreação, estava em -27% apenas. O número ainda é alto, comparado aos -80% atingidos no auge do isolamento em 2020.

"O espalhamento da transmissão sugere que mesmo municípios e estados cujas informações sinalizam reduções temporárias estão sob o risco de novas escaladas", alerta Ligia Bahia. "Está evidente que restrições parciais e o fecha-e-abre não reduzem transmissão, casos, mortes e a disseminação de variantes".

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