Apesar de seu peso econômico e diplomático, a União Europeia (UE) vem enfrentando problemas em seu programa de vacinação, iniciado no fim de dezembro. O total de imunizados até agora está bem abaixo de países como Estados Unidos e Reino Unido.
Na média dos países do bloco, o índice é de 14,2%, segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês). O total dos que já receberam as duas doses da vacina é de apenas 6%.
No início de abril, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criticou a lentidão da vacinação no continente europeu, o que poderia resultar "no prolongamento da pandemia".
Vários fatores explicam os percalços da campanha de vacinação no bloco europeu.
E não é pela falta de compra de imunizantes: foram fechados acordos com quatro laboratórios que totalizam 1,1 bilhão de doses, além de mais 500 milhões em opções futuras.
São aplicadas atualmente na UE as vacinas da Pfizer-BioNtech, Moderna e Astrazeneca/Oxford. As primeiras entregas da Janssen, da Johnson & Johnson, estão previstas a partir de 19 de abril.
Outros dois contratos foram firmados com a alemã Curevac e a francesa Sanofi, que ainda não solicitaram autorização de uso na União Europeia, e representam outros 500 milhões de doses potenciais.
No total, os gastos da UE com vacinas ultrapassam 2 bilhões de euros (R$ 13,4 bilhões).
Por que a vacinação está lenta?
O comissário europeu da indústria, Thierry Breton, responsável pela campanha de vacinação na UE, prefere apontar um responsável pela lentidão da imunização nos países do bloco: o laboratório britânico AstraZeneca, que entregou apenas 30 milhões de doses das 120 milhões previstas no primeiro trimestre do ano e ainda com atraso.
"Se tivéssemos recebido 100% das vacinas AstraZeneca previstas no contrato, a União Europeia estaria hoje no mesmo patamar da Grã-Bretanha em termos de vacinação", disse o comissário, acrescentando que o "vácuo" registrado "é devido unicamente às falhas nas entregas da AstraZeneca."
No segundo trimestre, o laboratório sueco-britânico deverá entregar na UE apenas 70 milhões de doses, menos da metade das 180 milhões previstas.
Discussões na Europa apontam outros erros na estratégia de vacinação do bloco, a começar pela demora na aquisição das vacinas, diferentemente do que fizeram os Estados Unidos. O governo do ex-presidente Donald Trump começou a investir para acelerar o desenvolvimento de imunizantes contra a covid-19 em abril do ano passado.
O presidente da França, Emmanuel Macron, reconheceu em um discurso recente que a Europa não soube agir rapidamente em relação às vacinas. "Somos muito lentos, muito complexos e reagimos menos rápido do que os Estados Unidos", declarou Macron.
Segundo ele, os americanos foram "mais ambiciosos", e a Europa precisa voltar a ter "gosto do risco", se referindo às futuras vacinas de segunda geração contra a covid-19.
Em junho passado, a UE decidiu fazer compras conjuntas de vacinas contra a covid-19, que ficaram a cargo da Comissão Europeia.
O objetivo foi garantir condições mais vantajosas nas negociações por conta dos grandes volumes, além de proteger os pequenos países do bloco, com mais dificuldades para adquirir imunizantes de maneira isolada. A distribuição é feita de maneira proporcional à população.
Recentemente, Macron voltou a defender essa estratégia. Mas as compras envolvendo 27 países membros, com burocracias na tomada de decisões e negociações longas para tentar garantir melhores preços, atrasaram o processo.
A UE também demorou para adquirir vacinas com a nova tecnologia de RNA mensageiro, da Pfizer e da Moderna. Os primeiros contratos com esses dois laboratórios foram firmados só em novembro.
Devido à falta de doses, alguns países do bloco começaram a evocar a possibilidade de comprar sozinhos outras vacinas, como a russa Sputnik V, que ainda não tem autorização de uso na Europa.
Foi o que fez a Hungria, que preferiu nem esperar o aval da agência europeia. Resultado: 25,5% da população húngara já recebeu a primeira dose, bem acima da média europeia, e quase 10% tomou a segunda.
Recentemente, o país registrou um pico no número de mortes diárias, com base na média dos últimos sete dias.
Além disso, houve problemas de logística para distribuição das vacinas na Europa e de adaptação da capacidade de produção no continente.
Ceticismo com a AstraZeneca
Esses problemas logísticos foram solucionados, e o número de unidades de fabricação dos imunizantes contra a covid-19 vem sendo ampliado na Europa.
Mas há um outro fator que pode perdurar e dificultar a aceleração da campanha de vacinação no bloco: a desconfiança em relação à vacina da AstraZeneca por parte da população do continente.
Isso está levando várias pessoas a cancelarem agendamentos e preferirem os imunizantes da Pfizer ou da Moderna, mesmo que seja necessário esperar por sua disponibilidade.
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O ceticismo em relação à AstraZeneca é devido aos raros casos de tromboses e embolias que foram detectados e levaram 12 países da UE a suspender temporariamente, em meados de março, a aplicação dessa vacina.
Após análise de um total de 29 casos de trombose na época, a Agência Europeia do Medicamento informou que ela "é segura e eficaz" e que não há uma relação direta entre o imunizante e os casos relatados. A OMS também fez declarações nesse sentido.
Diferentemente dos demais países do bloco, a Finlândia e a Dinamarca preferiram, no entanto, prolongar a suspensão por algumas semanas.
Na França, ocorreram alguns casos de mortes de pessoas que tomaram o imunizante e tiveram coágulos sanguíneos, inclusive cerebrais. O caso de um jovem de 24 anos que trabalha em um hospital e faleceu dez dias após tomar o imunizante ganhou repercussão.
As autoridades francesas vêm reiterando que a vacina da AstraZeneca é segura, possui o aval da agência sanitária do país e da UE, e que milhões de pessoas já receberam esse imunizante na Europa e no mundo, enquanto há apenas algumas dezenas de casos de efeitos graves.
Ou seja, que o risco é muito baixo e o benefício de ser vacinado é bem maior.
O primeiro-ministro francês, Jean Castex, foi imunizado com a vacina da AstraZeneca em frente às câmeras de TV. A chanceler alemã, Angela Merkel, informou que também tomará esse imunizante.
Mas a desconfiança de uma parte dos franceses e europeus não foi dissipada.
Na França, locais de vacinação no norte do país ficaram com centenas doses de Astrazeneca encalhadas no último final de semana e tiveram de fechar antes do horário previsto por falta de interessados.
Em Calais, no norte, a prefeita informou que tinha 550 doses de AstraZeneca e apenas 70 agendamentos previstos para os próximos dias.
Segundo responsáveis de centros de vacinação na França, as vagas para tomar vacinas da Pfizer e da Moderna desaparecem em poucos minutos, enquanto as da AstraZeneca levam até dois dias para serem preenchidas.
Vários médicos de consultórios e farmacêuticos, que também podem aplicar a AstraZeneca na França, informam que houve cancelamentos para tomar essa vacina e alguns enfrentam dificuldades para encontrar interessados.
Além dos supostos efeitos colaterais, falhas na comunicação sobre essa vacina por parte das autoridades também contribuiu para criar uma confusão sobre o imunizante, com diferentes mudanças em relação às faixas etárias autorizadas.
Na França, inicialmente, a recomendação inicial da agência de saúde era de aplicar esse imunizante apenas em pessoas com até 65 anos. Outros países europeus, como Bélgica e Suécia, fizeram o mesmo (na Espanha, era só até 55 anos).
O argumento é de que os estudos não indicavam os eventuais riscos e eficácia para populações mais idosas.
Logo depois, a França resolveu autorizar o imunizante para todas as idades. Após o período de suspensão dessa vacina decorrente dos casos de trombose, a França decidiu limitar a vacinação com AstraZeneca a quem tem mais de 55 anos. O argumento foi de que as reações adversas ocorreram com pessoas jovens.
Na Alemanha, o governo passou a autorizar essa vacina só para pessoas com mais de 60 anos. No país, também tem ocorrido o mesmo que na França: locais de vacinação com a vacina da AstraZeneca vazios e os que aplicam o imunizante da Pfizer têm fila de espera.
'Vacinódromo'
Alguns especialistas consideram que o ceticismo em relação à AstraZeneca será superado com a ampliação das campanhas de imunização e o aumento do número de pessoas vacinadas. Outros argumentam que as autoridades deveriam fazer campanhas de informação a respeito.
Para completar a desconfiança de parte dos europeus, a AstraZeneca decidiu mudar de nome na Europa e passou a se chamar Vaxzevria. Curiosamente, o laboratório não publicou comunicado sobre isso. A mudança foi vista no site da agência sanitária europeia.
Segundo especialistas, a mudança de nome de uma empresa ou marca não resolve seus problemas. Se a desconfiança perdurar, isso poderá atrasar o ritmo da vacinação na União Europeia, já que os países contam com a vacina da AstraZeneca para ampliar o número de pessoas imunizadas.
"Vacinar, vacinar, vacinar, de manhã, tarde, noite, aos domingos e feriados", afirmou Macron.
A partir desta terça-feira (6/4), por exemplo, o icônico Stade de France, nos arredores de Paris, se tornará um "vacinódromo" que simbolizará a tão esperada aceleração da vacinação contra a covid-19 no país.
Mas, por enquanto, faltaram as doses para isso. Em abril, a França prevê receber mais doses de imunizantes do que o total das entregas nos últimos três meses.
O comissário europeu Thierry Breton, responsável pela vacinação, declarou que a imunidade coletiva na União Europeia poderá ser atingida em meados de julho.