Uma parcela significativa das pessoas que recebem o imunizante CoronaVac desenvolve anticorpos após a primeira dose, porém, a proteção contra a Covid-19 só é alcançada cerca de 15 dias após a segunda dose. Antes disso, a pessoa é inoculada, mas não pode se considerar imunizada, alertam cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que investigaram se e quando os vacinados desenvolvem proteção.
"A boa notícia é que a CoronaVac realmente estimula uma produção robusta de anticorpos neutralizantes na maioria das pessoas. Porém, a importante nota de cautela é que isso acontece apenas depois da segunda dose. Quem tomou uma dose só não deve se sentir protegido porque não está", destaca o imunologista Orlando Ferreira, um dos coordenadores do Laboratório de Virologia Molecular (LVM) da UFRJ.
Esses anticorpos neutralizantes são os que de fato importam, pois atacam diretamente o Sars-CoV-2. No estudo, os cientistas analisaram a capacidade de neutralização do vírus de 68 pessoas vacinadas. Os testes revelaram que 42 dias após a primeira dose (14 depois da segunda) 84% das pessoas apresentaram anticorpos neutralizantes.
O estudo vai além da observação de redução de internações. Mostra que realmente a vacina está cumprindo o que promete, isto é, defesa na forma de anticorpos. Isso é feito por meio de um teste que detecta especificamente os anticorpos neutralizantes no soro das pessoas vacinadas.
"Todavia, não sabemos quanto tempo esses anticorpos vão durar. Ainda é muito cedo para dizer isso", acrescenta Ferreira.
Os indivíduos estudados são em sua maioria profissionais de saúde vacinados no Centro de Triagem e Diagnóstico para a Covid-19 (CTD) da UFRJ.
O estudo ganha ainda mais relevância porque a CoronaVac, até agora, é praticamente a única vacina com a dosagem complea aplicada no Brasil.
Dados de 6 de abril, compilados pelo epidemiologista Guilherme Werneck, professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, mostram que ela responde por 82% das 21,5 milhões de doses aplicadas. E, se levada em conta apenas a imunização (duas doses), o índice chega a 99%.
Devido aos sucessivos atrasos na entrega de doses e na produção da BioManguinhos-Fiocruz, a parcela de brasileiros que receberam a vacina da AstraZeneca, a primeira escolha do governo Bolsonaro, é insignificante.
Proteção contra a P1
Uma pesquisa epidemiológica realizada em Manaus com imunizados e apresentada esta semana pelo grupo Vebra Covid-19 sugeriu que a CoronaVac teve 50% de eficácia em reduzir o adoecimento 14 dias após a primeira dose. O estudo sugere que ela protege contra a temida variante P1, dominante em Manaus. Os dados após a segunda dose ainda não foram apresentados.
"Há alguma produção de anticorpos depois da primeira dose, mas não dá para confiar, não é neutralizante. Porém, os anticorpos aumentam muito depressa, espetacularmente, depois da segunda inoculação", enfatiza Ferreira.
A vacina é motivo de otimismo no que diz respeito à proteção contra a Covid-19, mas os cientistas salientam que ela não impede a infecção pelo coronavírus, assim como todas as demais vacinas em uso até agora. As pessoas vacinadas não adoecerão, mas podem ser infectadas e transmitir o Sars-CoV-2. Essas pessoas são em sua maioria assintomáticas.
É por isso que mesmo os vacinados precisam continuar a usar máscara até que pelo menos 70% da população brasileira esteja imunizada. Hoje, segundo o MonitoraCovid-19/Fiocruz, apenas 3,68% dos brasileiros receberam duas doses.
Casos de vacinados que se infectam têm sido registrados no CTD, que faz acompanhamento das pessoas imunizadas. Terezinha Castiñeiras, coordenadora do CTD e chefe do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ, diz que vacinados infectados voltam ao CTD com pouco ou nenhum sintoma e, alguns, com carga viral (concentração de vírus) alta. Das 718 pessoas vacinadas no CTD, de 21 de janeiro a 5 de abril, 20 voltaram infectadas.
"Essas pessoas continuam a poder a transmitir o vírus e não há muita diferença entre a carga viral de vacinados e não vacinados. O que assusta é que essa carga está muito alta, a maior de toda a pandemia, um indicador do potencial elevado de transmissão", diz Castiñeiras.
A carga viral é estimada pelo CT indicado pelo exame de RT-PCR. O CT (do inglês cycle threshold) é um valor que diz respeito ao número de vezes que foi preciso amplificar o material genético do coronavírus para que este fosse detectado. Assim, quanto maior o CT menor a quantidade de vírus.
Uma nota técnica do CTD desta semana informa que o aumento da positividade do RT-PCR aumentou gradativamente. Era 11,6% (período de 21/02 a 06/03) e foi aumentando até chegar a 27,1% (de 21/03 a 03/04). No mesmo período, o CT caiu e chegou ao valor médio mais baixo detectado em toda pandemia.
A nota destaca que isso significa “aumento de transmissibilidade e, consequentemente, potencial de explosão de casos nas semanas subsequentes, alertando para a relevância da intensificação das medidas de contingência”.
O virologista Amílcar Tanuri, também coordenador do LVM/UFRJ, diz que a diferença de carga viral observada agora é alarmante. Uma pessoa com CT alto, acima de 33, apresenta cerca de mil partículas virais por ml. Já indivíduos com CT 24 têm 10 milhões de partículas. Esse número sobe para 1 bilhão de partículas virais por mil no CT 14.
"Essa é uma carga de vírus brutal, capaz de fazer enorme estrago na transmissão. Precisamos vacinar maciçamente, mas o Brasil não tem vacina suficiente nem testa para identificar os infectados. É um momento trágico", frisa Tanuri.