Com a falta da vacina CoronaVac em cidades de pelo menos 18 estados do país, especialistas temem pelo risco de atraso na aplicação da segunda dose. Além de romper o esquema de vacinação, isso poderia impulsionar o surgimento de mutações, dizem cientistas.
A segunda dose, ou D2, da CoronaVac deve ser aplicada entre 21 e 28 dias após a primeira. No entanto, diversos municípios suspenderam a aplicação da D2 esta semana, entre eles oito capitais: Aracaju, Campo Grande, Florianópolis, Macapá, Maceió, Natal, Porto Alegre e Porto Velho.
O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse na quarta-feira, durante entrevista coletiva, que não há problema em tomar a vacina após esse prazo.
"Mesmo que tome 15 dias, 20 dias ou um mês após a data prevista não há interferência no esquema vacinal. O importante é que tomem a segunda dose", afirmou.
A posição de Covas, no entanto, não é referendada por especialistas.
"Ninguém sabe. O que podemos dizer, em termos de imunologia, é que uma ou duas semanas não deve ser problema. A partir daí ninguém sabe porque não testamos. Pode não ter impacto nenhum. Pode ser que tenha um impacto enorme, e tenhamos que reiniciar o esquema", afirma Mauricio Nogueira, virologista e professor da Faculdade de Medicina em São José do Rio Preto.
Além do risco de ter que reiniciar o esquema vacinal, desperdiçando doses aplicadas, imunizar parcialmente uma parte da população também pode ser problemático.
"O primeiro risco é ter uma proteção inadequada. O outro é que, quando a primeira dose é aplicada, há uma pressão imunológica sobre o vírus, mas não tem a defesa completa. Como o vírus está sempre mutando, você pode promover a evolução dele", explica Denise Garrett, epidemiologista e vice-presidente do Instituto de Vacinas Sabin, dos EUA.
Garrett faz uma analogia, que não é o mesmo mecanismo, mas uma ideia similar: quando uma pessoa não toma o antibiótico pelo tempo completo prescrito pelo médico, mata as bactérias mais sensíveis, mas pode selecionar as mais resistentes.
Essas mutações podem, em último caso, levar ao surgimento de novas variantes. Segundo a epidemiologista, no Amazonas houve pressão imunológica sobre o vírus por imunidade natural, impulsionando o surgimento da variante P.1, hoje predominante. Se houver pressão por imunidade vacinal há o risco de se desenvolver uma mutação que escape à vacina.
Para os imunizantes da Pfizer, da Moderna e da AstraZeneca, há estudos consolidados sobre a eficácia após a primeira dose. No entanto, mesmo entre os especialistas não há consenso sobre dados que mostrem a eficácia oferecida por uma dose da CoronaVac.
"Importante ressaltar que tem que tomar a segunda dose o mais cedo possível. Não pode achar que passou do prazo não adianta mais", afirma Garrett.
Ambos os especialistas lamentam a falta de planejamento e orientação do Ministério da Saúde e pedem que os municípios deem prioridade absoluta à aplicação da segunda dose no intervalo certo.
"É uma irresponsabilidade dar a primeira dose sem ter a segunda. Era melhor vacinar menos, mas da forma correta. Pode até dar certo no final, mas estamos numa situação complicada. Não podemos ficar de demagogia e política com vacina. É preciso seguir os protocolos. Não é hora de usar o jeitinho brasileiro", afirma Nogueira
Entregas e confusão
O Instituto Butantan vai antecipar para esta sexta-feira a entrega de 600 mil doses da CoronaVac, programada anteriormente para o dia 3. Na próxima quarta-feira, um milhão de doses devem ser entregues.
É aguardada para os próximos dias uma nova remessa de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da chinesa Sinovac. Estão previstos 3 mil litros, mas o instituto pediu que a quantidade seja dobrada para evitar novo desabastecimento.
Em nota, o Instituto Butantan afirma que o Ministério da Saúde é o responsável por planejar e coordenar a campanha de vacinação, estabelecendo o esquema vacinal.
“O próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, admitiu nesta semana que a orientação dada aos estados há cerca de um mês, quando a pasta federal liberou todo o estoque de vacina para aplicação da D1, ocasionou desabastecimento em alguns estados. Na terça-feira (27/4) o Ministério mudou esta orientação”, diz a nota.
A orientação do Ministério da Saúde sobre o esquema vacinal da CoronaVac foi alterada mais de uma vez. Em fevereiro, o então ministro, Eduardo Pazuello, anunciou uma mudança de orientação, recomendando aos gestores que usasseem todo o quantitativo de doses, sem necessidade guardar o quantitativo para o reforço. Na semana seguinte, porém, o ministério recuou da orientação. Agora, sob gestão do ministro Queiroga, a recomendação é de que seja feita a reserva, tendo em vista os atrasos no fornecimento de insumos e imunizantes.