Os resultados iniciais de um estudo preliminar da vacina contra a malária desenvolvida pela Universidade de Oxford são esperançosos: o imunizante mostrou até 77% de eficácia. A inovação representa uma nova etapa no combate à mortalidade por uma doença parasitária, transmitida pela picada do mosquito Anopheles, que só em 2019 matou 405 mil pessoas, a maioria crianças menores de cinco anos, e infectou outras 228 milhões.
— Estes são resultados preliminares, uma vez que foi um ensaio de fase 2 em um número limitado de crianças e em um único local. Precisamos do próximo ensaio de fase 3 para confirmar o que vimos — explica Halidou Tinto, de Burkina Faso, professor de parasitologia e investigador principal do ensaio clínico. — Mas o imunizante é bem tolerado e tem um perfil de segurança muito bom.
A nova candidata é conhecida como R21 e foi desenvolvida pela equipe de Adrian Hill, diretor do Instituto Jenner da Universidade de Oxford. Especificamente, os mesmos responsáveis pela vacina contra a Covid-19 da empresa farmacêutica AstraZeneca.
A R21 foi testada em 450 bebês com idades entre cinco e 17 meses em Burkina Faso, país localizado na África, o continente onde ocorrem 94% das mortes por malária. Se pesquisas futuras confirmarem os bons resultados, a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de ter uma vacina capaz de atingir mais de 75% de eficácia até 2030 será atingida.
Os resultados da R21 apresentados correspondem a um ensaio clínico de fase 2 realizado em Nanoro, uma cidade de Burkina Faso com cerca de 65 mil habitantes onde a malária é causada pelo parasita Plasmodium Falciparum, o mais comum na África.
Os 450 bebês selecionados foram divididos em três grupos: um terço recebeu R21 misturado a uma alta dose de um adjuvante, ou seja, uma substância que potencializa a resposta do sistema imunológico. Outro terço recebeu a mesma vacina, mas com dose baixa do adjuvante, e o último foi o grupo controle e foi imunizado contra a raiva (Rabivax-S).
A campanha durou de maio até o início de agosto de 2019 para estar praticamente concluída antes do pico sazonal de transmissão da doença, que começa em julho. Desde então e por dois anos, ou seja, até julho de 2021, está sendo testada a segurança (se não oferece riscos à saúde), imunogenicidade (se gera resposta imune no paciente) e eficácia (quanto consegue reduzir a doença) após a inoculação de três doses mais um quarto reforço aos seis meses. Após um ano, os resultados mostraram eficácia de 77% no grupo que recebeu mais adjuvante e 74% no grupo que recebeu menos.
— Aumentamos o acompanhamento para 24 meses para ver até que ponto essa eficácia de 77% pode ser mantida — explica Tinto.
A fase 3 envolverá 4.800 crianças entre cinco e 36 meses em cinco localidades em quatro países africanos: Burkina Faso, Quênia, Mali e Tanzânia.
— Vamos cobrir diferentes ambientes de transmissão: do sazonal ao permanente, do baixo ao intenso — detalha o cientista. — Depois de imunizadas, as crianças serão acompanhadas por dois anos para detecção de qualquer infecção por malária e avaliação da eficácia e segurança da vacina. Portanto, eu diria que, se for bem-sucedido, devemos ser capazes de disponibilizá-la dentro de três a quatro anos.
Outra grande esperança
A R21 não é uma ideia totalmente nova, mas é a versão modificada de outra vacina recente que alimentava todas as esperanças até agora, chamada RTS,S, idealizada pelos laboratórios GlaxoSmithKline (GSK) e cuja eficácia não é muito alta: só chega a 56% nos primeiros 12 meses e não passa de 36% nos anos seguintes.
A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) emitiu um parecer científico positivo sobre ela em julho de 2015, concluindo que os benefícios superam os riscos, mas, como acontece com novos imunizantes, sua segurança continuou a ser monitorada. Durante a fase 3 do ensaio clínico, houve mais meningite positiva em crianças que receberam as doses do que naquelas que não as receberam e mais mortes entre meninas do que entre meninos; mas em nenhum dos dois casos foi provado que a causa era a RTS,S e a EMA concluiu que não havia informação suficiente para considerar um “risco potencial” e recomendou continuar o monitoramento.
Desde 2019, 1,7 milhão de crianças no Quênia, Malaui e Gana foram vacinadas por meio de um programa piloto coordenado pela OMS e espera-se que em outubro de 2021 as agências globais envolvidas nesta iniciativa se reúnam para revisar os dados e decidir se o uso estendido é recomendado.
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A RTS,S e a R21 são semelhantes no sentido de que ambas atacam o parasita da malária no momento em que ele entra no corpo humano através da picada do mosquito. Ambas incluem uma proteína que o próprio parasita expele nesta fase do seu ciclo de vida e tem como objetivo estimular uma resposta de anticorpos. Em relação às diferenças entre um e outro, a primeira é que a R21 apresenta maior concentração da proteína citada.
Por outro lado, no caso da R21, sua substância adjuvante é mais fácil de fabricar do que a utilizada na RTS, S, que também se espera que produza, se este ponto for atingido, seja mais barato.
— Com base na sua estrutura, na sua composição (utilizando o adjuvante Matrix) e na forma como é produzida, prevemos que a vacina R21 será menos complexa de fabricar e tem potencial para ser produzida em larga escala e a baixo custo. Esperamos que a R21 também seja considerada na iniciativa da Gavi [aliança global de vacinação] para torná-la gratuita para os países africanos — afirma Tinto.
Para a OMS, os resultados são promissores, mas sem esquecer que ainda não foram confirmados. "Eles são encorajadores e esperamos a conclusão bem-sucedida dos testes de fase 3. Uma segunda vacina para complementar a RTS,S poderia ser muito benéfica, especialmente porque poderia aumentar a oferta para atender à alta demanda que existe", informou a organização.
Parasita mais complexo do que vírus
Encontrar uma vacina contra a malária é uma desejo que dura décadas. Em 1946 foi apresentado o primeiro ensaio clínico, e em 2021 já foram testadas mais de uma centena de imunizantes possíveis para os diversos parasitas causadores da doença, embora até agora nenhum tenha sido autorizado para distribuição.
A vacina contra a Covid-19 foi desenvolvida em menos de um ano, enquanto a vacina contra a malária permanece estagnada. Existem duas razões. Uma é econômica, já que o financiamento para o novo coronavírus é maior e tem sido arrecadado em menos tempo.
De fato, a OMS estima que em 2019 (último ano para o qual existem dados disponíveis) houve a contribuição de cerca de 2.500 milhões de euros, valor inferior aos 5.600 milhões exigidos pela estratégia global contra a doença e que se soma ao aumento contínuo de oito a nove bilhões de dólares que devem ser contribuídos a cada ano de agora até 2030 para cumprir a meta das Nações Unidas de reduzi-la em 90%.
Mas há outro motivo: a natureza do parasita, uma vez que é um patógeno complicado que possui muitos mecanismos de evasão. Para comparação: o vírus SARS-CoV-2 tem 12 genes, enquanto o vírus da malária tem 5.300, mais de 30 milhões de anos e, portanto, muito mais cepas. Resumindo, requer muita pesquisa.
— O parasita da malária é muito mais complexo do que os vírus e parece estar bem adaptado ao hospedeiro humano, o que torna a resposta imunológica à infecção da malária muito fraca e pode explicar porque é muito difícil desenvolver uma vacina eficaz contra a malária — explica Tinto. — Lembre-se de que antes do enorme investimento feito pela Fundação Bill & Melinda Gates no início dos anos 2000, seguido de intensa advocacia, eliminar a malária era considerado algo impossível de se imaginar.
Porém, com a alta eficácia obtida neste último ensaio, o pesquisador confessa estar "otimista" quanto à questão de saber se acredita que a malária pode ser controlada até a data fixada pela comunidade internacional.
— Embora precisemos de mais alguns anos após 2030 e mais investimentos, já que essa vacina não protege 100%, e depois terá que ser complementada com outras ferramentas de prevenção existentes —afirma.