Na última sexta-feira (14), José Hipólito Correia Costa, empresário alagoano de 61 anos, comemorou três meses de cirurgia de transplante de pulmão pós-Covid. O procedimento aconteceu em fevereiro e só foi divulgado agora, por decisão médica. O paciente teve uma boa recuperação e já segue uma rotina normal, mas ainda no hospital.
Após ter o pulmão totalmente comprometido por uma fibrose irreversível, em consequência da Covid-19, José Hipólito não tinha outra chance de sobrevida se não fosse o transplante. E o sucesso da cirurgia não foi apenas importante para o empresário, como também para a história da medicina brasileira: apenas 50 operações semelhantes foram feitas em todo o mundo desde o início da pandemia e, no Brasil, outro paciente que passou pelo procedimento antes não resistiu.
Transplante foi feito no Hospital Israelita Albert Einstein
Marcos Samano, cirurgião torácico do Hospital Israelita Albert Einstein, onde o transplante de Hipólito foi realizado, afirma que “se não tivesse ocorrido o procedimento, certamente o paciente já teria morrido”.
A cirurgia levou dez horas e envolveu sete profissionais. O paciente ainda ficou conectado a duas ECMOs simultâneas: a que ele já estava ligado antes e outra usada durante o transplante. ECMO (Membrana de Oxigenação Extracorpórea) é uma espécie de pulmão artificial que oxigena o sangue fora do corpo, substituindo temporariamente o órgão comprometido de maneira severa.
“Para a alegria geral, os dois equipamentos foram desconectados logo após o procedimento”, celebra Samano.
Já são sete meses de internação
Internado desde outubro de 2020, o empresário espera receber alta na próxima semana. Ele já respira normalmente sem a ECMO, máquina à qual ficou ligado durante 88 dias antes da cirurgia.
A recuperação, no entanto, envolveu altos e baixos. Hipólito perdeu massa muscular e sofreu complicações neurológicas e convulsões, com rebaixamento do nível de consciência, devido ao uso das medicações imunossupressoras. Em pronunciamento à Folha de S. Paulo, o médico diz que esse foi o ponto de maior preocupação, “mas, depois de alguns dias, ele se recuperou bem”.
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Com a saúde em plena recuperação, o paciente faz planos. Ele diz que, assim que tiver alta, quer voltar a caminhar na orla de Maceió. “Quero caminhar na Ponta Verde, Pajuçara, Jatiúca, que é o que eu adoro na vida. E quero voltar a fazer o Caminho de Santiago ainda este ano.”
Caso levantou debates éticos sobre fila de transplante
Esse cenário suscitou vários debates técnicos e éticos: por que priorizar um paciente que acabou de entrar na fila de transplante, acometido por uma doença da qual ainda se sabe tão pouco?
No estado de São Paulo, há pelo menos cem pacientes à espera de um pulmão. Só no Einstein, são 35.
A favor do empresário estava o fato de que ele era muito saudável antes da Covid (caminhava em torno 15 quilômetros por dia) e, mesmo com a doença, seus outros órgãos estavam preservados.
O caso foi levado à Câmara Técnica de Transplante de Pulmão, ligada ao Ministério da Saúde, que autorizou a cirurgia. “É um procedimento de alta complexidade, que exige que o paciente tenha condições mínimas de fazê-lo. Ao fazer um transplante sem grandes chances de dar certo, você não só mata o paciente como mata também aquele outro da lista que não teve a possibilidade de ser transplantado”, explica o pneumologista José Eduardo Afonso Júnior, coordenador médico do programa de transplantes do Einstein.
Segundo o médico, antes da pandemia, pacientes que ficavam gravemente doentes do pulmão por um evento agudo nunca eram candidatos a transplante. “É um paciente que está há muito tempo na UTI, muito enfraquecido, colonizado por bactérias.”
Em razão da Covid-19, muitas pessoas saudáveis passaram a morrer rapidamente de complicações pulmonares. Diante de relatos de transplantes bem sucedidos ao redor do mundo, o Einstein decidiu encarar o desafio.
Os candidatos precisam passar por avaliação de médicos, psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e pelo serviço social (o paciente tem que ter condições de fazer reabilitação após a alta, por exemplo).
Outro critério é o paciente estar consciente, para poder autorizar o transplante. Costa estava sedado, mas foi acordado. “Na maioria das vezes, a gente tem um paciente grave e não consegue acordá-lo. Acordamos o paciente, conversamos com ele e ele respondeu que, sim, queria muito criar os netos e os bisnetos”, conta o médico responsável.
Com o sucesso da cirurgia, a equipe do hospital espera seguir com o procedimento em outros pacientes.