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Covaxin e Sputnik V: O que muda na vacinação do Brasil com decisão da Anvisa
Laís Alegretti e Rafael Barifouse - Da BBC News Brasil em Londres e São Paulo
Covaxin e Sputnik V: O que muda na vacinação do Brasil com decisão da Anvisa

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu nesta sexta-feira (04/06) autorizar a importação de duas novas vacinas contra a covid-19: a russa Sputnik V e a indiana Covaxin.

Esta foi a segunda vez que a Anvisa avaliou pedidos de importação destas vacinas. Em março, por unanimidade, negou o da Covaxin depois de fazer uma inspeção nas fábricas do laboratório Bharat Biotech.

Em abril, rejeitou o da Sputnik V. Os diretores da agência avaliaram que os documentos apresentados não garantiam que a vacina era segura e funcionava, e isso criou um embate com o Instituto Gamaleya, responsável pela Sputnik V .

As duas vacinas poderão ser importadas a partir de agora, mas há restrições e condições para a aplicação na população.

Foi uma recomendação da área técnica da agência — que apontou que ainda existem incertezas quanto à segurança, eficácia e qualidade dos dois imunizantes.

O relator dos pedidos, o diretor Alex Campos, votou pela aprovação em ambos os casos. Ele ressaltou que a situação do Brasil na pandemia é "dramática" e disse que uma vacina não pode ser aprovada a qualquer custo.

"Não pode ser na sombra do desespero", afirmou Campos, destacando que a missão da Anvisa é proteger a população.

Mas ele ressaltou que os técnicos da Anvisa haviam apresentado medidas e precauções para reduzir os riscos e defendeu uma "visão mais ampla" diante da crise sanitária.

O rumo da pandemia é incerto, argumentou Campos, e é preciso lançar mão de todas as alternativas. "Não podemos desperdiçar opções vacinais", defendeu ele. "Estamos aqui pensando no amanhã."

Depois, os outros quatro diretores também votaram sobre cada vacina separadamente. A Covaxin e a Sputnik V foram aprovadas com o mesmo placar: quatro votos a um.

O que a Anvisa disse sobre a Sputnik V?

No caso da Sputnik V, a Anvisa apontou que o relatório técnico de uma autoridade em saúde internacional, exigido por lei e que não havia sido apresentado antes, foi entregue desta vez e trouxe novas informações importantes para a segunda avaliação.

Apesar disso, a agência disse que a maior preocupação apontada ao negar o pedido de importação anterior, a presença de adenovírus replicantes, não foi resolvida.

Houve uma redução substancial da quantidade deste tipo de vírus que seria considerada aceitável em uma dose da vacina.

De acordo com o relatório russo, esse parâmetro estaria em um guia da FDA, o equivalente à Anvisa nos Estados Unidos. Mas a agência brasileira não encontrou esse documento específico nem outro que fosse equivalente.

"Não fica claro o racional utilizado pela autoridade russa para aprovar as especificações propostas para a vacina e como a segurança de tais limites foi determinada", disse o gerente geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes.

Sars-Cov-2
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Luta contra o vírus: início da vacinação em dezembro teria poupado vidas no Brasil, segundo Ether Maciel

O gerente apontou ainda que há dúvidas sobre se as doses produzidas em escala industrial têm as mesmas características daquelas feitas em laboratório, usadas nos estudos.

O processo usado para isso foi descrito "superficialmente", e não foram apresentados os critérios e parâmetros usados para estabelecer que as doses produzidas em condições tão diferentes são de fato comparáveis. Garantir isso "é fundamental", disse Mendes.

Também foram considerados insuficientes os controles de impurezas e da qualidade das doses produzidas para fins comerciais e foram identificadas falhas nos estudos que avaliam a reação do sistema imune e das reações adversas que ela provoca.

O que a Anvisa disse sobre a Covaxin?

Sobre a Covaxin, a Anvisa chamou atenção para o fato de que não recebeu um relatório da agência indiana, mas afirmou que o laboratório responsável pela vacina fez diversas reuniões para esclarecer as dúvidas da agência.

A agência também ressaltou que medidas foram tomadas para corrigir as falhas identificadas na inspeção das fábricas feitas por seus técnicos.

A Anvisa disse também que não há um estudo de fase 3 concluído para esse imunizante. É esta etapa da pesquisa que atesta a eficácia de uma vacina. Foram apresentadas apenas análises preliminares dos dados desta fase e relatórios que trazem resumos das duas primeiras etapas.

"Assim, não conseguimos esmiuçar, recalcular, questionar. Isso é fundamental para ter certeza que o estudo foi conduzido corretamente", disse Gustavo Mendes.

O tempo médio de acompanhamento dos pacientes do estudo, de 45 dias, foi considerado insuficiente. A Anvisa afirma que seriam necessários no mínimo dois meses para atestar sua segurança e eficácia.

Até o momento, os fabricantes só atestaram que a vacina tem um prazo de validade de apenas três meses. Foi informado à Anvisa que há testes em curso para verificar se esse limite pode ser de seis meses, mas os dados ainda não foram apresentados.

Outros resultados considerados chave, como a avaliação da imunogenicidade (capacidade de gerar resposta do sistema imune) e de segurança, também estão pendentes.

Quais são as condições impostas pela Anvisa?

Diante da gravidade da pandemia, a Anvisa decidiu aprovar o pedido de importação das vacinas sob algumas condições para reduzir o risco de sua aplicação.

Todas as doses importadas pelo Brasil deverão ter sido produzidas nas fábricas vistoriadas por técnicos da agência brasileira tanto na Índia e na Rússia. Todos os lotes deverão ser testados e aprovados pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde.

No caso da Sputnik V, será preciso verificar que as doses não têm adenovírus replicantes. Para a indiana, será investigada sua capacidade de gerar uma resposta imune e sua qualidade.

Frasco de vacina Covaxin
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Índia enfrenta um momento crítico na pandemia

Segundo ressaltou Mendes, nenhuma das duas vacinas deve ser usada por quem tem hipersensibilidade a qualquer dos componentes da fórmula, como grávidas, lactantes, menores de 18 anos, mulheres em idade fértil que desejam engravidar nos próximos 12 meses, pessoas que tenham enfermidades graves ou não controladas (cardiovascular, respiratória, gastrointestinal, neurológica, insuficiência hepática, insuficiência renal, patologias endócrinas) e antecedentes de anafilaxia.

Não poderão usa-las pessoas que tenham recebido outra vacina contra a covid-19, apresentem febre, tenham HIV e hepatite B ou C, tenham se vacinado nas quatro semanas anteriores, tenham recebido imunoglobulinas ou hemoderivados três meses antes, tenham recebido tratamentos com imunossupressores, citotóxicos, quimioterapia ou radiação nos últimos 36 meses e que tenham recebido terapias com biológicos incluindo anticorpos anticitocinase outros anticorpos.

Essas vacinas também só poderão ser aplicadas em locais onde seja possível monitorar e tratar reações adversas. Sua administração terá que ser interrompida caso a Anvisa negue o pedido de uso emergencial da vacina — quando a agência precisa ela própria atestar sua eficácia, qualidade e segurança.

Será preciso ainda divulgar à população que as duas vacinas não passaram por estes crivos da agência.

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Especificamente para a vacina russa, deverá ser for conduzido no Brasil um estudo de efetividade da vacina. No caso da vacina indiana, os testes de eficácia no Brasil já foram autorizados pela agência e estão a cargo do hospital Albert Einstein.

"O importador é responsável pela segurança, qualidade e eficácia da vacina e o monitoramento de condições de transporte", destacou o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres.

"Deve ainda prestar orientações aos serviços de saúde sobre os cuidados de conservação da vacina e sobre como pacientes devem notificar queixas e eventos adversos."

Celular com vírus na tela e logo da Sputnik V atrás
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'Mesmo quando a decisão sobre a Sputnik não agradou ninguém, eles (Anvisa) foram extremamente técnicos', diz Maciel

Quantas vacinas vão chegar e quando?

A decisão da Anvisa em relação à Sputnik V foi referente aos pedidos de importação de seis Estados (Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí e Sergipe), com doses suficientes para 1% de sua população.

Desta forma, foi autorizada num primeiro momento a importação de 924 mil doses, dentre as 37 milhões previstas nos acordos feitos pelos governadores do Consórcio Nordeste.

A ideia é que essas vacinas sejam repassadas ao governo federal, que ficará responsável pela distribuição proporcional para todos os municípios brasileiros.

De acordo com a Anvisa, futuros pedidos de importação serão avaliados conforme o monitoramento do uso das vacinas, para identificar se houve problemas.

O Ministério da Saúde assinou em março um contrato que prevê 10 milhões de doses da vacina, que serão importadas da Rússia pelo laboratório brasileiro União Química. A decisão da Anvisa não se refere a esse acordo.

O governo federal anunciou, em fevereiro, a assinatura de contrato para compra de 20 milhões de doses da vacina Covaxin junto a Precisa Medicamentos/Bharat Biotech.

Procurados pela BBC News Brasil, o Instituto Gamaleya (responsável pela Sputnik V) e a Precisa Medicamentos afirmaram que só divulgariam um eventual cronograma de entrega de doses após decisão da Anvisa.

Sendo assim, não é possível saber ainda quando as doses chegarão ao país. Isso ocorrerá em meio a uma vacinação que segue lenta, devido exatamente à limitação de doses disponíveis.

Além da quantidade de doses que poderiam chegar ao Brasil, é fundamental saber a previsão de entrega delas para entender quanto ajudarão no processo de vacinação do país, como aponta a epidemiologista Ethel Maciel.

"O que conta na campanha de vacinação é a velocidade com que conseguimos vacinar muitas pessoas", aponta Maciel, que também é professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Qual é impacto dessas decisões?

Maciel diz que "cada dose de vacina a mais é excelente" e que "toda vacina autorizada pela Anvisa vai ajudar muito".

Mas a quantidade limitada de vacinas Sputnik V e as condições aplicadas aos dois imunizantes reduzem os impactos positivos que isso poderia ter na evolução da vacinação.

"Essas restrições dificultam a campanha e criam uma lentidão, porque são muitos critérios, e isso vai criando dificuldades para encontrar pessoas que se encaixam neles", diz a epidemiologista.

Pessoa com seringa
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Velocidade da campanha de vacinação é importante, diz epidemiologista

Mesmo sem essa condições, Maciel diz ter dúvidas de quantas doses poderiam ser entregues no curto prazo.

"A Índia enfrenta uma situação complicada, e a fabricante provavelmente vai ter dificuldade de vacinar a população indiana e vender vacinas para outros países. Sobre a Rússia, também há muitas dúvidas, porque o número de vacinados por lá é pequeno, não sei quantas doses chegariam", afirma.

Maciel aponta ainda que parte do atraso da vacinação no Brasil por causa de recusas de compra o governo federal é impossível de ser recuperado.

"Se nós tivéssemos vacinas em dezembro, muitas vidas não teriam sido perdidas. Isso é irrecuperável. Se tivéssemos tido acesso à vacinação antes, a segunda onda teria sido muito mais branda. Houve uma série de erros que não tem como recuperar, já que foram vidas perdidas", disse.

A demora do governo federal em adquirir doses de vacinas, ainda no ano passado, é um dos principais alvos da CPI da Covid.

O gerente-geral da farmacêutica Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, confirmou em seu depoimento aos senadores da CPI da Covid que o governo de Jair Bolsonaro rejeitou três ofertas de 70 milhões de doses da vacina Pfizer/BioNTech, cujas primeiras doses poderiam ter sido entregues em dezembro de 2020.

Um argumento usado pelo governo e apoiadores para justificar a demora nas tratativas com a Pfizer é de que algumas cláusulas do contrato seriam "draconianas".

Também na CPI da Covid, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que o Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a começar a vacinação se a instituição não tivesse tido entrave nos contratos com o Ministério da Saúde. Segundo ele, o governo federal rejeitou três ofertas de vacina do Butantan em 2020.

É uma situação bastante diferente da que envolve as negativas dadas pela Anvisa a pedidos de uso emergencial e de importação.

"Não é culpa da Anvisa, mas das fabricantes que não enviam os documentos necessários nem cumprem os padrões exigidos", afirma Maciel.

O fato de que pedidos de importação destes dois imunizantes já terem sido negados pela agência brasileira e, agora, serem aplicadas condições não devem assustar, diz a epidemiologista.

Ela reconhece que tudo isso pode criar um receio e levar pessoas a recusarem uma determinada vacina. Mas as negativas e precauções mostram que a agência tem atuado de forma técnica e cuidadosa.

"Isso conta a favor. A Anvisa merece crédito, embora tenha pesado agora o momento da pandemia e a necessidade de ampliar nossa vacinação, mas faz isso mantendo um critério de segurança", diz ela.

"Ter criado essas condições é importante. Assim, as pessoas podem ficar tranquilas para tomar essas vacinas se puderem fazer isso."


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