O Instituto Butantan prevê realizar o pedido de uso emergencial da vacina ButanVac, contra Covid-19, ao fim das duas primeiras etapas de análise, em um novo formato de estudo que não inclui a chamada fase 3 de testes, responsável por averiguar a eficácia da vacina em larga escala com milhares de voluntários. Os testes dessa nova vacina foram desenhados para durar 17 semanas e o recrutamento pode chegar a 6.000 pessoas, no estado de São Paulo.
Trata-se de uma estratégia diferente do que foi visto nas análises clínicas para desenvolvimento de imunizantes realizadas no Brasil desde o ano passado. Ao longo do percurso para avaliar a segurança e eficácia da ButanVac está prevista a inclusão de grupos previamente vacinados com outros tipos de vacinas contra a Covid-19, já aprovadas.
Essa é, segundo o Instituto Butantan, a chave para que o estudo seja mais rápido do que os outras análises do tipo. A título de comparação, entre o início da fase 1 de testes da vacina da Pfizer e a divulgação dos resultados da fase 3 passaram-se 32 semanas. Em relação à AstraZeneca foram 33 semanas. Quase metade do proposto para a ButanVac.
Outra diferença percebida no desenho dessa análise clínica é o maior número de pessoas envolvidas nessas etapas iniciais. No caso da Pfizer, participaram 200 voluntários nas fases 1 e 2. No estudo da CoronaVac foram 644. Com 6.000 participantes, a ButanVac é mais abrangente. Porém, seu número total é menor do que o da fase 3 de outros imunizantes. No caso da mesma Pfizer, o quantitativo de participantes na fase derradeira de testes foi 44.000, e da CoronaVac, 12.400.
"É um estudo comparativo com outra vacina que já é registrada. Isso oferece a oportunidade de um atalho. Por esse motivo que a discussão com a Anvisa foi tão longa, tomamos mais tempo no planejamento para a concepção de uma ideia (de estudo) original", diz Cintia Lucci, diretora de projetos estratégicos do Instituto Butantan.
Em nota, a Anvisa informou que "não é possível antecipar previsões sobre o uso emergencial desta vacina já que este pedido ainda não existe. O pedido de uso emergencial é avaliado à luz dos dados concretos disponíveis e apresentados no pedido".
Esse novo tipo de pesquisa mira na atual realidade do país, em que um número considerável de pessoas com idade superior a 18 anos deve ser vacinado nos próximos meses. Por esse motivo, seria inviável manter participantes em grupos placebo por muito tempo. A participação de inscritos que recebem medicamento placebo, ou seja, sem efetividade para Covid-19, será considerada apenas nas primeiras etapas de análise, ao longo dos meses iniciais.
"Existem dezenas de modelos de estudo. No futuro das vacinas no Brasil e em outras partes do mundo não será ético comparar (a resposta do imunizante) entre pessoas imunizadas e sem imunização. Se o voluntário pode tomar vacina, não é correto dar a ele um medicamento placebo", explica o diretor da Socidade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri.
Na modalidade de sugerida pelo Butantan, o caminho para garantir se o imunizante funciona está na identificação dos anticorpos que a nova vacina produz. Uma vez reconhecidas essas moléculas de defesa, específicas para neutralizar a Covid-19, deve-se compará-las com a resposta imune gerada por vacinas já autorizadas e, portanto, eficazes. Ou seja, os pesquisadores devem conseguir provar que o novo imunizante produz anticorpos tanto quanto as outras vacinas em uso.
"Vamos fazer um estudo que vai contemplar (o que seriam) as fases 1 e 2 de um estudo clínico clássico", diz Cintia Lucci do Butantan. A pesquisa, diz ela, elimina uma etapa de análise em que se avalia a eficácia da vacina em contraste com um grande grupo de pessoas que tomaram medicamento placebo, o que caracteriza as atuais fases 3 de estudo. A pesquisa ainda terá participantes recebendo medicamento inócuo, mas em escala reduzida.
Neste raciocínio, ainda que o estudo da ButanVac se dê em três estágios de aplicações conforme está previsto, todo o seu escopo está dentro do que é considerado fase 1 e 2 em estudos clínicos. Atualmente, existe apenas o detalhamento do que será a primeira etapa de aplicação, classificada como A. Sua duração será de oito semanas, com a participação de 418 pessoas, com metade delas tomando placebo. Nesse ponto, será avaliada a segurança do medicamento.
Para que a vacina chegue aos braços dos voluntários, o estudo ainda precisa passar por aprovações finais. Uma delas é o aval da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ligada ao Ministério da Saúde. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também pediu que o Instituto realize a entrega de outros documentos, a exemplo de relatórios de testes inativação do vírus, para que o estudo possa finalmente ser iniciado. O Butantan diz que entregará as informações faltantes nesta quinta-feira. O que está totalmente liberado pela agência reguladora até este momento é a etapa A.
Há uma volumosa movimentação de interessados em voluntariar-se no estudo. A Instituição aponta que 91.000 pessoas já realizaram um pré-cadastro para que recebam informações sobre as triagens dos testes. O cadastro pede apenas nome, CPF e contatos pessoais. A única exigência para incluir-se na lista de interesse é ter mais que 18 anos.
Corrida contra o tempo
Os pesquisadores, porém, precisam acelerar o passo para que possam incluir o número suficiente de voluntários ainda não vacinados no estudo clínico. Isso porque o governador João Doria anunciou cronogramas de vacinação que chegam à totalidade da população acima de 18 anos, com uma dose, até 15 de setembro. Para o estudo de segurança, o primeiro, há menos apreensão em relação ao público, porque espera-se que seja iniciado ainda em julho. As etapas posteriores, com números menores de não-vacinados podem ser comprometidas caso haja atraso.
O Instituto planeja, na pior das hipóteses, utilizar um grupo bem jovem na parte da pesquisa que inclui os não-vacinados. A progressão do cronograma de aplicação de vacinas em São Paulo evolui de forma decrescente em relação às idades do público em geral, deixando para a última quinzena os que tem idade entre 24 e 18 anos. Há quem, contudo, encare a participação como algo ainda mais representativo do que receber antecipadamente a imunização contra a Covid-19.
"Me inscrevi na xepa da vacina, mas se você me perguntasse o que eu escolheria (receber primeiro), eu preferiria ser voluntário do Butantan. É uma forma de agradecer ao Instituto que está precisando", diz o fotógrafo Luan Santos Silva, de 29 anos, morador do bairro de Cachoeirinha, na Zona Norte da capital paulista.
Segunda geração
A ButanVac é representante das vacinas classificadas como de segunda geração, que podem apresentar maior efetividade contra variantes por seu desenvolvimento em uma etapa posterior da pandemia. Há, no imunizante, o uso de uma proteína do coronavírus com maior capacidade de induzir à resposta imune, quando comparada com as que foram utilizadas para o desenvolvimento das vacinas iniciais.
O imunizante foi apresentado como o primeiro a ser produzido no Brasil sem necessidade de matéria-prima internacional. Atualmente, a compra do chamado Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) importado é responsável por parte volumosa dos atrasos de produção de imunizantes no país.
A vacina utiliza um método de produção dominado pelo Butantan: a replicação de vírus em ovos de galinha. Mesmo processo de desenvolvimento utilizado pela instituição para produzir a vacina da gripe. Cada ovo produz material suficiente para duas vacinas. A tecnologia do imunizante foi criada pelo Instituto Mount Sinai, um hospital de Nova York. O vetor do imunizante— responsável por carregar material genético do coronavírus — é o vírus da Doença de NewCastle, infecção que acomete apenas as aves.
O Butantan já produziu por volta de 8 milhões de unidades dessa vacina. A expectativa é que 40 milhões de unidades estejam prontas até o final deste ano. Em entrevista à rádio CBN, o diretor do Butantan, Dimas Covas, afirmou que a expectativa é que a ButanVac seja utilizada ainda neste ano.