Desde que a terceira onda de covid-19 atingiu a Namíbia, o ex-jogador de seleção de futebol Marley Ngarizemo perdeu 15 familiares para a doença, entre eles o pai, um irmão, uma cunhada e uma tia. Outros seis estão hospitalizados.
"Não dá para saber se o mundo está acabando", afirma o ex-atleta de 42 anos que defendeu sua seleção na Copa Africana de Nações em 2008. "Você pode comparar a um tsunami, a um vulcão, a um genocídio. Não sei. É como se tivesse veneno na água, e cada gota pode ter ou não ter esse veneno."
A Namíbia, cuja população chega a 2,5 milhões de habitantes, tem atualmente a maior média de novas mortes por covid no mundo, em torno de 28 a cada 1 milhão de pessoas, segundo a plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford. Em seguida, estão Tunísia (13) e Colômbia (10).
O Brasil ocupa a nona posição neste ranking, com média móvel de 5,95 mortes. A média móvel é uma média das notificações registradas ao longo de sete dias. Ela dá uma melhor noção da evolução da epidemia do que os números divulgados diariamente, porque os dados diários flutuam bastante, por uma série de motivos.
Para tentar conter o avanço de infecções, hospitalizações e mortes, o governo da Namíbia montou hospitais de campanha para receber pacientes. Mas, apesar disso, o sistema de saúde do país não tem dado conta da demanda por leitos.
Falta de oxigênio
Antes de entrarem na enfermaria, os profissionais de saúde devem colocar equipamentos de proteção completos, com várias camadas de máscaras e luvas, além de botas especiais. Todo esse processo leva uns 15 minutos.
Os enfermeiros estão constantemente realizando esse procedimento para que possam monitorar os níveis de oxigênio dos pacientes, a maioria dormindo ou semiconsciente.
O enfermeiro Donnovan Soresbeb conta que a terceira onda da pandemia tem sido física e emocionalmente exaustiva para ele e seus colegas, acrescentando que é assustadora a rapidez com que a condição de saúde de um paciente pode se deteriorar.
"Você perde pacientes que estavam bem alguns minutos antes. Você vira as costas, e eles vão embora", diz ele à BBC. "Alguns estão ficando tanto tempo no hospital que você meio que desiste deles, mas é difícil e você continua esperando pelo melhor."
Hospitais em toda a Namíbia estão lotados e não há oxigênio suficiente para os pacientes acometidos pela covid-19.
Médicos falam da necessidade de tomar decisões "para o bem maior", em que retiram o oxigênio de pacientes doentes para economizar o suprimento para um paciente com maior probabilidade de sobreviver.
O pai do ex-jogador Marley Ngarizemo foi uma das vítimas dessa falta de oxigênio.
Quando seu estado de saúde piorou, os médicos imediatamente o colocam sob oxigênio. Mas assim que seus sinais vitais melhoraram, o oxigênio foi removido. Menos de 24 horas depois, ele morreu.
Tempestade perfeita
A Namíbia estava despreparada para a terceira onda, devido a uma combinação de negligência do governo, desinformação sobre vacinas e um profundo cansaço com medidas para controlar a propagação do vírus.
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As redes sociais do país estão inundadas com informações falsas criticando a segurança e eficácia das vacinas. E aqueles que querem obter uma vacina não sabem quando ela estará à disposição por causa da escassez do imunizante do país.
Além disso, o governo vem mudando sua estratégia sobre como as vacinas devem ser distribuídas. Durante um discurso à nação no fim de junho, o presidente Hage Geingob disse aos namibianos que o pior ainda estava por vir.
"As projeções de especialistas indicam que a curva de incidência crescente, durante esta terceira onda, deve atingir o pico em meados de agosto e pode continuar até meados de setembro de 2021", afirmou ele ao anunciar diversas restrições à circulação de pessoas.
"Só nós podemos impedir a propagação desse vírus de devastar nossas casas e comunidades", concluiu o mandatário.
Apesar do apelo, muitos namibianos não seguem as regras. Máscaras, por exemplo, costumam ficar penduradas em uma das orelhas e raramente cobrem a boca e o nariz.
Mercados de alimentos, lojas de roupas e restaurantes passaram a oferecer desinfetantes para as mãos na entrada, mas não estão limitando o número de pessoas em seu interior ou mesmo obrigando todos a usarem máscaras. Jovens continuam se aglomerando em espaços públicos, algo também que viola as normas.
Um grupo de adolescentes que se encontra regularmente em um shopping center de Windhoek diz estar preocupado em transmitir a doença aos mais velhos, mas, por outro lado, não quer deixar de se socializar.
'Todos estão com medo de morrer'
Há, entretanto, sinais de que alguns estão começando a levar as coisas mais a sério.
Por exemplo, inicialmente, membros da comunidade herero do país, que representa cerca de 7% da população, pareceram ignorar os avisos e continuaram se aglomerando.
Então, à medida que alguns morriam, os próprios funerais se tornaram eventos em que a doença se espalhava pela comunidade. Mas a morte recente de um chefe supremo, Vekuii Rukoro, mudou as atitudes dessa parcela da população.
Há medo em todos os lugares, diz o ancião herero Josua Musuuo. "A nação inteira está morrendo, esse vírus está acabando conosco. Todos os idosos estão morrendo. Então, todos nas propriedades da aldeia e todas essas pessoas sentadas aqui estão todos com medo, medo da morte. Todos estão esperando para morrer."
Quanto ao ex-jogador Marley Ngarizemo, ele acredita que muitas das mortes em sua família poderiam ter sido evitadas se o governo tivesse imposto restrições mais rígidas anteriormente e se as comunidades tivessem assumido maior responsabilidade pessoal.
"Imagine que as pessoas sobreviveram ao HIV e agora estão morrendo por causa desta doença, e ninguém pode controlá-la. É realmente difícil, é assustador."