Covid-19: Estados investigam busca por 3ª dose da vacina, que pode ser crime
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Covid-19: Estados investigam busca por 3ª dose da vacina, que pode ser crime

Enquanto 45% da população brasileira tem apenas a primeira dose contra a Covid, Ministérios Públicos de ao menos sete estados acompanham casos de pessoas que burlaram o processo de vacinação e tomaram uma terceira aplicação. Secretarias de Saúde de outros quatro estados relatam tentativas e casos de pessoas “revacinadas” após as duas doses de praxe. O número pode ser maior, pois muitas denúncias não chegam aos órgãos de saúde e menos ainda às instâncias encarregadas de investigar e punir as irregularidades.

Após os sommeliers de vacina e dos fura-fila, os “caçadores da terceira dose” são mais um desafio à campanha brasileira contra a Covid-19. São pessoas que dizem não se sentir seguras com apenas duas doses e buscam um “reforço”. Para órgãos de Justiça, isso é crime. O ato pode ser enquadrado como tentativa de fraude e estelionato. As punições podem incluir multa e até prisão.

Um dos estados com mais casos conhecidos é Minas Gerais, onde o Ministério Público entrou com ação contra um casal de Belo Horizonte que foi imunizado três vezes. Depois de tomarem duas doses de CoronaVac na capital, eles viajaram para Rio Novo, onde têm uma fazenda e foram revacinados, com uma dose da Pfizer. O MP quer impedir que o casal tome a segunda dose da Pfizer, ou a primeira de algum outro imunizante, sob pena de multa de R$ 1 milhão.

A Promotoria de Minas também abriu investigação contra pessoas que teriam tomado quatro doses em Viçosa. Um homem recebeu duas doses da CoronaVac na cidade, depois viajou para o Rio, onde tomou uma dose da AstraZeneca, e por fim foi à Divisão de Saúde da Universidade Federal de Viçosa, onde recebeu uma dose da vacina da Pfizer. A mulher dele teria feito o mesmo.

Também no estado, um idoso de 75 anos de Guaxupé conseguiu até liminar na Justiça para tomar uma terceira dose, alegando ter várias comorbidades. O MP entrou com recurso, e a liminar foi suspensa.

A discussão sobre a necessidade de uma terceira dose que reforçaria a resposta imunológica para a Covid já foi levantada em alguns países. O debate também acontece no Brasil, mas não deve se concretizar até que a população complete o esquema de duas doses. Enquanto isso, cada região do país decide como proceder em relação às pessoas que aproveitam brechas para se revacinar.

Segundo a epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Plano Nacional de Imunizações (PNI), não há estudos que comprovem que tomar uma terceira dose de vacina traga prejuízos à saúde. A atitude prejudica a campanha, diz ela:

"Tira a vacina de outra pessoa e consequentemente vamos demorar mais a ter a imunidade coletiva para voltar ao normal. Além de ser um egoísmo, demonstra a falta de qualquer senso de responsabilidade social".

O epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, argumenta o mesmo:

"Não há risco individual, exceto que o egoísmo não faz bem ao ser humano".

O tema ainda não chegou ao Ministério da Saúde. A pasta afirma que “não recebeu nenhum tipo de denúncia de pessoas que estejam recebendo, inadvertidamente, uma terceira dose de vacinas Covid-19”. Em coletiva de imprensa na última quarta, questionado especificamente a respeito de pessoas que tinham burlado o sistema para tomar uma terceira dose, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, se esquivou e disse que “aí é com a Polícia Federal”. A reportagem já havia consultado o órgão, que respondeu que esse tipo de investigação ficaria a cargo das secretarias de Segurança Pública.

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"Aí é uma questão jurídica. Meu negócio é a medicina", declarou o ministro.

Indício de 29 mil casos

Um estudo realizado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) encontrou registros de que ao menos 29.570 pessoas em todo o país receberam pelo menos três doses de vacina. A análise considerou dados abertos do Ministério da Saúde até 24 de junho.

O coordenador do Laboratório de Estatística e Ciência de Dados da Ufal, Krerley Oliveira, explica que os pesquisadores corrigiram inconsistências conhecidas no banco de dados, como informações que aparecem duplicadas. Ainda assim, não é possível ter certeza de que todas essas pessoas tomaram mais de duas doses, porque podem existir outros erros. É um “forte indício”, segundo Oliveira.

Os dados mostram que cerca de 70% das vacinas de primeira e segunda dose são CoronaVac, enquanto 60% das doses a mais são da AstraZeneca, indicando que a maioria dos casos não seriam causados por erros.

São Paulo é o estado com maior número de casos no levantamento da Ufal. No início do mês, a Secretaria municipal de Saúde de São Paulo notificou o Conselho Regional de Medicina após ter recebido denúncia de que dois médicos tomaram uma terceira dose da vacina em unidades “drive-thru”. A secretaria municipal também apura o caso de revacinação de dois estudantes de Medicina. O MP de São Paulo acompanha outros quatro casos. Um deles, o de uma veterinária de Guarulhos que, já vacinada com duas doses da CoronaVac, foi a outro posto de vacinação, onde recebeu uma dose da Janssen. Depois, se gabou do feito nas redes sociais.

No Rio, a Secretaria municipal de Saúde não divulgou números, mas afirma que a investigação é importante para confirmar a tentativa de fraude. No Espírito Santo, o Ministério Público recebeu 393 denúncias de irregularidades relacionadas à vacinação, entre “caçadores da terceira dose”, fura-filas e pessoas que apresentaram laudos falsos para ter prioridade na imunização.

Rastreamento prévio

Duas cidades do Sul do país afirmam ter conseguido evitar a revacinação ao rastrear os casos. Segundo a Secretaria de Saúde de Santa Catarina, a terceira aplicação em uma mulher em Balneário Camboriú foi recusada. Situação semelhante ocorreu em Porto Alegre, segundo a prefeitura. No Paraná, o MP informou investigar um caso em Carlópolis.

O Ministério Público de Tocantins informou que foi notificado sobre o caso de uma médica que teria recebido a terceira dose da Pfizer, após ter tomado duas da CoronaVac em Araguaína. Também no Norte, os Ministérios Públicos do Amazonas, Roraima e Pará informaram que não receberam denúncias.

No Nordeste, o Ministério Público de Alagoas instaurou um procedimento administrativo para investigar se houve aplicação de terceiras doses, após o levantamento da Ufal.

No Rio Grande do Norte, segundo o portal G1, uma assistente social e uma psicóloga foram exoneradas em Macau, na região da Costa Branca, após a prefeitura do município descobrir que elas tomaram uma terceira dose de vacina. O MP informou que a apuração está em curso.

No Centro-Oeste, o único local no qual há registro de denúncias sobre pessoas que possam ter tomado indevidamente a terceira dose foi o Distrito Federal. Segundo o Ministério Público Estadual do Distrito Federal e Territórios, o órgão apura denúncia de que servidores da Secretaria de Educação teriam tomado indevidamente dose única da vacina da Janssen, mesmo após terem sido imunizados com outras vacinas. O MP pediu informações à Secretaria de Saúde para seguir com as investigações sobre o caso, mas não informou se os dados já foram repassados. O tema não chegou na Polícia Civil e nem no MPF.

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