Fake news sobre vacinas da Covid-19 beneficiaram médico osteopata, dizem pesquisadores
Rafael Arbulu
Fake news sobre vacinas da Covid-19 beneficiaram médico osteopata, dizem pesquisadores

As fake news sobre a eficácia e efeitos das vacinas da Covid-19 parecem ter beneficiado, em grande escala, o médico osteopata Joseph Mercola, segundo levantamento sobre o impacto da desinformação feito por especialistas a pedido do jornal New York Times.

Mercola, que já foi amplamente criticado pelos seus pares e também foi alvo de sanções e investigações pelo seu uso de tratamentos não aprovados pela ciência, é uma figura influente no meio dos conspiracionistas antivacina, tendo publicado recentemente um artigo cheio de informações falsas em relação às vacinas aplicadas durante a pandemia.

No artigo em questão, em que fala sobre as vacinas mRNA, Mercola começa divagando sobre a “definição legal” da palavra “vacina”, prosseguindo com argumentos sem base como “as vacinas do coronavírus são uma fraude médica”, dizendo que “elas não previnem infecções, nem oferecem imunidade, nem tampouco impedem a transmissão da doença”.

Todas as argumentações do médico são facilmente desmentidas por especialistas do setor, mas isso não importa. Segundo o New York Times, seu artigo de 3,4 mil palavras ganhou traduções para o espanhol e polonês, adquirindo tração e virando munição para quem veicula campanhas contrárias à vacinação – um problema que sempre foi grave nos EUA, mas começa a ganhar terreno no Brasil.

Segundo dados da ferramenta CrowdTangle, somente no Facebook o artigo de Mercola recebeu interações de pelo menos 400 mil usuários da rede social, graças a expressões de gatilho que dizem que “ao invés [de prevenir infecções], essas vacinas alteram sua codificação genética, fazendo de você uma fábrica de proteínas virais que não tem um botão de desligamento”.

O empreendedor clínico já publicou, em seu site oficial e páginas nas redes sociais, mais de 600 artigos que dispersam fake news sobre a pandemia – desde o seu começo -, normalmente, usando títulos chamativos, mas que não necessariamente correspondem ao conteúdo escrito – no jargão jornalístico, dá-se à prática o nome de “clickbait” (“Isca de cliques”, em uma tradução literal).

Por causa de suas ações, Joseph Mercola vem sendo marcado como parte da chamada “Dúzia da Desinformação”, uma lista com 12 pessoas responsáveis pela proliferação de fake news relacionadas à pandemia, segundo a ONG Countering Digital Hate. Nessa mesma lista, encontram-se Robert F. Kennedy Jr – sobrinho do presidente assassinado John Kennedy, líder da organização antivacina Children’s Health Defense e, recentemente, banido do Instagram por veiculação de falsas informações -, e Erin Elizabeth, fundadora do site desinformativo Health Nut News e namorada de Mercola.

“Ele [Mercola] é um dos pioneiros do movimento antivacina”, disse ao NYT Kolina Koltai, pesquisadora da Universidade de Washington para estudos de teorias da conspiração. “Ele é mestre em capitalizar momentos de incertezas, como a atual pandemia, para crescer e ampliar esse movimento”. Segundo autoridades, figuras como Mercola estão passando por uma ressurgência nas últimas semanas, já que, recentemente, a distribuição de vacinas nos EUA tem desacelerado em meio ao avanço da variante Delta, uma nova cepa da Covid-19.

De acordo com dados divulgados pelo CDC (Centro de Controle de Doenças, na tradução da sigla em inglês), 97% dos hospitalizados por Covid-19 nos EUA são pacientes não vacinados.

Captura de imagem feita do site de Joseph Mercola mostra artigo intitulado "Deixar Crianças pegarem Covid-19 pode trazer mais imunidade do que a vacinação"
Os artigos publicados no site de Joseph Mercola possui títulos extremamente chamativos, a fim de incentivar o crescimento de audiência conspiracionista. Na imagem, o título é traduzido para: “Deixar que crianças peguem Covid-19 pode trazer mais imunidade que a vacinação”. Imagem: Olhar Digital/Reprodução

A estratégia usada por Mercola é engenhosa, porém não é exatamente nova: ao invés de diretamente acusar vacinas de não funcionarem, ele levanta discussões sobre questões posicionadas em artigos que já as responderam, gerando dúvida não no argumento em si, mas na comunidade científica que desmentiu informações potencialmente enganosas.

Isso é um detalhe importante, haja vista que filtros de conteúdo falso em redes sociais só identificam materiais diretamente acusatórios. Pense assim: se você afirmar, diretamente, que vacinas vão alterar seu DNA, o Twitter vai barrar sua postagem. Se você levantar uma discussão sobre um estudo já refutado que afirme isso, o máximo que vai acontecer é sua postagem ser marcada com um aviso de cautela – mas ele seguirá no ar.

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“Ele vem ganhando uma sobrevida nas redes sociais, as quais ele explora inteligentemente e implacavelmente, para trazer mais pessoas ao seu ‘rebanho’”, disse Imran Ahmed, diretor da Countering Digital Hate. É dessa ONG o relatório que cunhou o termo “Dúzia da Desinformação”, que já foi citado até em audiências do congresso na Casa Branca.

Questionado pelo New York Times, Mercola disse, via e-mail, que essa situação lhe pareceu “bastante peculiar”, considerando que, segundo ele próprio, suas postagens no Facebook “tinham apenas algumas centenas de curtidas”, e que ele não entendia como “o seu número relativamente baixo de compartilhamentos poderia causar tamanha calamidade à campanha multibilionária de vacinação promovida por Joe Biden”, o presidente dos Estados Unidos, a quem ele acusa de “estar em conluio com as redes sociais em uma campanha de censura”.

Entretanto, o jornal o questionou sobre a veracidade de seus artigos, a qual Mercola não confirmou, nem negou: “Eu sou o principal autor de uma publicação revisada pelos meus pares sobre a vitamina D e o risco da Covid-19 e tenho todo o direito de informar o público pelo compartilhamento de minha pesquisa médica”, ele disse.

O New York Times não conseguiu confirmar a veracidade dessa informação e Mercola recusou-se a nomear qual é essa publicação.

Mercola usa táticas de capitalização muito parecidas com o que vimos com conspiracionistas como Alex Jones, do canal InfoWars: ele faz uma afirmação clinicamente absurda, e oferece um produto alternativo de sua própria loja como forma de tratamento. Um exemplo: ele, no passado, disse que a radiação danosa aos humanos era potencializada pelo uso de…colchões de mola – e que isso só poderia ser prevenido com um suplemento que sua loja – e apenas a sua loja – vendia.

Captura de imagem mostra loja de comércio eletrônico onde ele vende suplementos não aprovados por órgãos de saúde
Além dos artigos enganosos, Joseph Mercola conta com um e-commerce em seu site, onde vende suplementos e remédios alternativos para doenças cujos efeitos somente ele afirma ter tratamento. Imagem: Olhar Digital/Reprodução

Em 2012, ele começou a pregar os “benefícios do bronzeamento artificial”, afirmando que essa prática ajudava a prevenir o câncer. Ao mesmo tempo, ele começou a vender unidades de bronzeamento artificial (as camas com iluminação ultravioleta interna) por preços entre US$ 1,2 mil (R$ 6.244,64) e US$ 4 mil (R$ 20.815,46). Todas as suas afirmações, porém, foram desmentidas: de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a prática pode dobrar o risco de câncer de pele; e um estudo feito pela Universidade de Dundee afirmou que bronzeamento artificial é “tão letal quanto fumar cigarro é para os pulmões”.

Embora ele afirme que seus números são baixos, o fato é que Mercola criou uma série de empresas para empregar dezenas de pessoas apenas para a veiculação de conteúdo falso. Além do seu site, que leva o seu nome; ele também criou empresas como a “Mercola Health Resources” e a Mercola Consulting Services”, com escritórios na Flórida e nas Filipinas. Com essa força, cada postagem e vídeo produzidos por ele em inglês é imediatamente traduzido para mais de uma dúzia de idiomas.

Sua página oficial no Facebook conta com quase dois milhões de seguidores, e sua página em espanhol, com mais de um milhão. No Twitter, são 400 mil seguidores, além de 300 mil inscritos no YouTube. Questionadas pelo jornal sobre a presença do médico, as empresas ofereceram uma série de justificativas: Facebook e Twitter disseram que já derrubaram diversas postagens assinadas pelas empresas de Joseph Mercola; o Facebook disse tê-lo banido de seu programa de publicidade paga, e o YouTube afirmou que Joseph Mercola não faz parte do programa de monetização de vídeos da plataforma.

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