Perto do fim do ano e com perspectiva de que seja necessário vacinar idosos com a terceira dose já a partir de setembro, ainda não há definição nas negociações de vacinas entre o governo federal e fabricantes para 2022. Até o momento, segundo gestores, o Ministério da Saúde deu informações genéricas sobre o tema aos estados e não cravou o cenário de disponibilidade de imunizantes para o ano que vem. Segundo especialistas, um dos motivos para indefinição é a falta de evidências a respeito de como deve ser ministrada a terceira dose da vacinação, incluindo público-alvo e o prazo de intervalo.
Ao GLOBO, a pasta se limitou a responder que “mantém diálogo com os laboratórios e segue em negociação”. Para a médica e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabella Ballalai, o ministério deve observar o que vem sendo feito ao redor do mundo para definir o quanto antes a estratégia:
"Nesse planejamento temos que incluir os adolescentes, é difícil saber exatamente se todo o país vai conseguir vacinar adolescentes. É certo que vamos precisar fazer terceira dose de alguns grupos. Isso tem que estar organizado o mais cedo possível para não ficar numa situação em que não tenha vacina".
Outros países começaram a se mexer para ter alguma garantia. De acordo com um levantamento realizado pela consultoria britânica de análise de dados Airfinity a pedido do GLOBO, diversas nações já fecharam acordos neste ano mirando entregas para 2022. São elas: Israel, Reino Unido, Canadá, Suíça, Austrália, Indonésia, Estados Unidos, Argentina, Japão, Taiwan e também a União Europeia. Alguns deles vão além e chegam a garantir doses para 2023 e até 2025.
Ao anunciar o acordo com a farmacêutica Moderna, em junho deste ano, a Comissão Europeia esclareceu que as 150 milhões de novas doses a serem recebidas no ano que vem poderiam ser utilizadas, de maneira adaptada, contra novas variantes do coronavírus, para imunização pediátrica ou, ainda, como aplicação de reforço. A Pfizer, por sua vez, ao anunciar um aditivo de 200 milhões de aplicações no contrato com os Estados Unidos — 90 milhões destas chegam em 2022, a maior parte no final de 2021— apontou que o país poderá receber formulações atualizadas da vacina, por exemplo, contra novas variantes, se disponíveis e autorizadas.
Em relação à CoronaVac, o Instituto Butantan explica que ainda não há negociações para 2022. Os esforços estão voltados para cumprir o contrato vigente, cujo término foi adiantado para o final do próximo mês. Só então poderá iniciar negociações com novos compradores, como já é aventado por estados, a exemplo do Ceará. Segundo o Butantan, não há tratativas com o Ministério da Saúde sobre a ButanVac, a nova vacina em estudo pela instituição, que está em fase inicial de ensaios clínicos, com voluntários, e após apresentar resultados terá que receber autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso. A CoronaVac é hoje responsável por 34,6% das doses aplicadas no país.
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Terceira dose
A Fiocruz afirmou que tem capacidade para oferecer 180 milhões de doses no ano que vem. De acordo com a fundação, toda a capacidade é colocada à disposição do Programa Nacional de Imunização (PNI). No caso de produção excedente, caso o Sistema Único de Saúde (SUS) já tenha sido plenamente atendido, a instituição afirma que pode avaliar a exportação por meio de organismos internacionais, como a Organização Pan-americana de Saúde (Opas).
A falta de clareza sobre a disponibilidade de doses para o ano que vem tem preocupado gestores em relação à continuidade da imunização em 2022. De acordo com especialistas, no entanto, o cenário de aquisições dificilmente será definido antes que a pasta determine o público-alvo da terceira dose, o intervalo em que será feita a aplicação, entre outras variáveis. Em audiência, ontem, na Câmara, a secretária de enfrentamento à Covid-19, Rosana Melo, afirmou que a pasta estuda a possibilidade de imunizar 35 milhões de pessoas com a terceira dose e que o país tem condições de distribuir imunizantes para tal. Segundo ela, a definição sobre o tema deve ocorrer nesta semana.
"Primeiro, precisamos definir a política para definir qual vai ser a aquisição. Quem vai ser vacinado? Temos que analisar qual a estratégia para ver se vai ser necessário comprar mais vacina ou não", afirma Carla Domingues, que esteve à frente do PNI por oito anos (2011-2019). "O nosso problema não é a questão de ter vacina, e sim que estratégia será adotada".
Contrato sob risco
Diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações e membro da Câmara Técnica do PNI, Renato Kfouri afirma que o tema já está em discussão, mas ainda não há uma definição:
"Estamos discutindo no ministério, porque não tem uma clareza de quem deve tomar reforço, quando, com que intervalo, que tipo de dose de vacina é necessária para cada grupo. Falta dado científico para tomar a decisão. Não dá para saber o que comprar. Claro que em algum momento vai ter que ser feito algum contrato ou compra, sob risco, sem dúvida, porque não teremos todas as evidências até o final do ano".
Além dos dois fabricantes nacionais, O GLOBO procurou os laboratórios fabricantes de vacinas. Enquanto a Pfizer informou que não comenta negociações com o governo, a Janssen disse que não tem informações sobre negociações para 2022. A AstraZeneca informou que a ideia é que a Fiocruz seja autossuficiente com a transferência de tecnologia. Possíveis negociações para 2022, segundo a farmacêutica, ficariam a cargo da fundação. Instituto Serum, Sinovac Biotech e Moderna não responderam até a conclusão desta edição.