O ano que começou com a aplicação da aguardada vacina contra a Covid-19 em profissionais da saúde pode terminar com quase toda a população adulta do país imunizada com as duas doses. Segundo levantamento feito pelo GLOBO, ao menos oito estados preveem a conclusão da vacinação de maiores de 18 anos até dezembro. Capitais de outros dois estados também afirmam que até o fim do ano devem ter esse grupo com esquema vacinal completo.
Os prazos, se alcançados, sinalizam uma boa notícia em meio a uma campanha de vacinação marcada por lentidão, falta de imunizantes e dificuldades de distribuição. O grupo de maiores de 18 anos é estimado em 160 milhões de pessoas.
"É um pouco “antes tarde do que nunca”. Até porque, quanto maior a demora, maior é o impacto da Covid no país e mais se adia o momento em que poderemos considerar a pandemia controlada", diz Flávia Bravo, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações.
O estado com previsão mais otimista é São Paulo, que pode terminar a imunização dos adultos já em outubro. Até a noite de ontem, segundo o governo paulista, 82,9% dos maiores de 18 anos estavam com esquema vacinal completo.
Prazo próximo
Em Pernambuco, essa meta é esperada para novembro, segundo a Secretaria da Saúde. Além disso, as pastas dos estados de Espírito Santo, Maranhão, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Tocantins trabalham com a previsão de conclusão da imunização dos adultos até dezembro. Entre as capitais, Manaus (AM) e São Luís (MA) calculam o fim da vacinação desse público ainda em outubro, e Belo Horizonte (MG) indica esse prazo para meados de novembro.
"É algo a comemorar, porque vemos outros países, como Estados Unidos ou Reino Unido, que empacaram em 60% a 70% e não saem disso. Nosso problema foi o tempo que se demorou para chegar (a vacina)", diz a epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI).
Ela lembra que, na pandemia de H1N1, o país vacinou em três meses, em 2010, 100 milhões de brasileiros. A mesma marca foi atingida agora, em dez meses, no caso das duas doses da Covid. A demora, atribuída em boa parte a problemas de planejamento e logística por parte do governo federal, contribuiu para a circulação do vírus por mais tempo, para o surgimento de novas variantes e para um maior impacto na população, que já perdeu 600 mil vidas.
"O prazo de até o final do ano é factível considerando a capacidade de organização do serviço de imunização e do fornecimento atual da vacina. Depois de muitos atrasos, a campanha entrou nos trilhos. É obrigação, é o básico, não é ato de heroísmo", avalia o infectologista Jamal Suleiman, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo.
Um alcance de 80% da população vacinada, afirma, já significaria conquista importante no combate ao coronavírus, especialmente para a queda de internações e mortes, já visível. Atualmente, o país tem 48,92% da população total com esquema vacinal completo e 71,02% com uma dose.
"A vacina muda o perfil de gravidade da doença. Mas a taxa de infecção da população ainda não dá para dizer, pois depende também de outras variáveis, entre elas o uso de máscaras e a não aglomeração", diz Suleiman.
Empecilho dos faltosos
Depende, ainda, dos “faltosos”. Se o empecilho no início da vacinação foi a falta do imunizante, agora, com a disponibilidade de vacinas, a preocupação para a conclusão da imunização são os com apenas uma ou nenhuma dose. Só em São Paulo, cerca de 4 milhões de pessoas estão com a segunda dose em atraso. Grande parte é de adolescentes que tiveram o intervalo entre a primeira e a segunda doses reduzido no estado e que ainda não voltaram aos postos de saúde. Outro contingente se refere à demora de atualização pelos municípios no sistema que contabiliza as aplicações da vacina pelo país. Mas há também as pessoas com dificuldades de acesso aos postos, e os chamados hesitantes, seja por desinformação ou desinteresse, além de um grupo que se nega a ser vacinado.
Na Bahia, os atrasados chegam a 740 mil pessoas. No Rio Grande do Sul, quase 680 mil. Em Goiás, Pernambuco, Maranhão e Amazonas, o número ronda os 500 mil, cada um. Espírito Santo, Pará e Santa Catarina têm cerca de 300 mil faltosos, cada um, segundo as Secretarias de Saúde locais.
Segundo Carla Domingues, o cenário para o ano que vem é favorável, pois haverá mais vacinas contra Covid disponíveis.
"Será possível planejar melhor. Até porque já vimos a capilaridade do SUS e a aceitação da população pela vacina. O brasileiro acredita em vacina e quer ser vacinado".
A aceleração da campanha também beneficia outras imunizações, para além da Covid, diz a epidemiologista:
"A cobertura vacinal para outras doenças caiu muito, principalmente em crianças. Não podemos ter de novo surtos de sarampo, difteria, pólio".