O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, caracteriza as ameaças de morte recebidas por diretores e demais funcionários nos últimos dias como uma “dificuldade adicional totalmente desnecessária, descabida, criminosa” ao trabalho da agência. Em entrevista ao GLOBO, o almirante afirma que não é justo que a equipe seja alvo de pessoas negacionistas e antivacinas.
Os ataques virtuais, aos quais a reportagem teve acesso, foram motivados pela possibilidade de análise e aprovação de imunizantes contra a Covid-19 para menores de 12 anos. Barra Torres declarou que espera aprovar os imunizantes, mas isso depende dos fabricantes. Até o momento, não há pedidos em avaliação.
Como O GLOBO revelou, a Superintendência da Polícia Federal do Distrito Federal (PFDF) instaurou inquérito para investigar as ameaças. A Polícia Civil do Paraná (PCPR) também já identificou o autor do primeiro e-mail. Outras ameaças foram enviadas nesta semana, possivelmente por uma outra pessoa.
Como o senhor avalia as ameaças pela recebidas pela Anvisa?
Eu avalio que essas ameaças elas trazem dificuldade adicional totalmente desnecessária, descabida, criminosa realmente, porque todos já trabalham no limite de suas forças, de suas capacidades, com enfrentamento da pandemia e com o restante das suas atribuições de revelar praticamente um quarto do Produto Interno Bruto (PIB). Isso já é muito trabalho e, na ponta disso, está a vida de toda a nossa população. Então, não é justo, não é razoável que, agora, sejamos alvo de mentes criminosas, negacionistas, antivacinas, que buscam dificultar e trazer insegurança ao nosso trabalho. O nosso repúdio é total e a nossa observação das ações das autoridades policiais que precisam, de fato, ser ações esclarecedoras, ações que tragam tudo às claras, identifiquem os culpados e os confrontem com a Justiça. Não podemos esperar algo diferente.
Qual é o clima na agência depois das ameaças? Os funcionários estão inseguros?
Existe, sim, um clima de repúdio aos ataques. Nós já tivemos manifestações tanto da comissão de ética da Anvisa, quanto da união dos servidores. Primeiramente, é claro o repúdio a esse ato criminoso, mas, obviamente, também há uma sensação de insegurança, porque todos — não importa o setor, não importa a área — trabalham direta ou indiretamente com aquilo que houve a prioridade para o enfrentamento da pandemia. Por ventura, um setor que não lida diretamente com a área vacinal, mas vai lidar, também, com ações correlatas. Então, há, sim, um clima de preocupação, insegurança e uma natural ansiedade por respostas duras, respostas enérgicas daqueles que têm o dever de apurar e trazer todo esse cenário devidamente esclarecido para que não seja um estímulo a outras (ameaças) iguais a essas.
Além de ter acionado as autoridades, a Anvisa pretende tomar alguma outra medida?
Além da notificação que teve, por objetivo, a apuração dos fatos, oficiamos a direção-geral da Polícia Federal para solicitar a proteção policial para as instalações, para os nossos servidores e terceirizados, que também foram envolvidos nessas ameaças, para as gerências-gerais que trabalham diretamente com a análise vacinal e para os diretores. Estamos aguardando a resposta da Polícia Federal. Nesse sentido, é uma resposta que não é simples, obviamente. Passará por análise da situação, programação do que pode ser feito. Fica difícil imaginar algo mais a ser feito, pelo menos de nossa parte. Creio que, agora, a vez de mostrar a reação que deve haver, com energia, com firmeza. Essa vez é a vez que deve vir das autoridades policiais.
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Essas ameaças têm impactado no trabalho da Anvisa?
Nesse momento, estamos diante de algo novo. A Anvisa não recebe... até, talvez, alguém pode imaginar: “Ah, a Anvisa deve receber ameaças todos os dias”. Não recebe, de nenhum tipo aliás. Esta foi a primeira e já veio logo com ameaça de morte. Alguém se julgou no direito de ameaçar de morte. É curioso que o primeiro agente criminoso diz ser um pai de família. É interessante como alguém que é pai quer ameaçar outros pais. Então, sobre a sua pergunta: eu espero que não, mas o que eu relembrei aqui há pouco tempo, nós somos feitos de carne, osso e emoções. Então, são pessoas treinadas, extremamente profissionais, bem capacitadas, respeitadas do Brasil afora. Mas, quando a gente recebe uma ameaça de vida, as reações, certamente, por mais experientes que sejam, nós não somos capazes de perceber toda a gama de reações que daí podem advir. Eu acredito que, por causa do profissionalismo dos nossos servidores, o nosso trabalho vai continuar, minimamente que seja afetado. É imponderável. Eu reitero, que, para qualquer um que esse tipo de ameaça, o conforto que vem é a resposta firme das autoridades policiais, das autoridades públicas que foram oficiadas, se manifestarem, virem a público, prestarem sua solidariedade. Isso é muito importante para tentar diminuir clima de insegurança que já existe dentro da agência. Então, estamos aguardando. Por isso, nós já oficiamos diversos órgãos, que já foram tornados públicos. E deles, a única resposta por ofício que tivemos foi da própria Presidência da República, na sexta-feira, dia 29, que respondeu dando conta de que já havia encaminhado para as providências cabíveis o teor das ameaças ao Ministério da Justiça e ao próprio Ministério da Saúde. Vai ser uma coisa boa para os servidores da agência ve ainda mais autoridades se manifestando em relação a essa que é uma ameaça ao Estado brasileiro. Anvisa é Estado, não é governo. O Estado brasileiro está sendo ameaçado.
A Anvisa acompanha o debate internacional sobre a aprovação de vacinas para crianças? Qual é a avaliação do senhor sobre o tema?
A Anvisa acompanha, porque é uma agência-irmã de todas as agências do mundo. As que têm o mesma porte e maturidade da Anvisa, que é a certificação máxima de agências regulatória. Está em pé de igualdade com FDA, com EMA, na Europa... Sabemos que a vacinação para crianças de 5 anos já é uma realidade em diversos países. Então, tenho certeza de que, quando viermos a receber — e é importante frisar que nenhum pedido para autorização de vacina na faixa etária chegou ainda, mas é certo que receberemos, acredito que em curto prazo. Acredito que, quando chegarem aqui no Brasil, terão um tratamento mais facilitado, mais rápido (por já terem passado por outras agências internacionais).
Ainda não há pedidos em análise na agência, mas é possível dar uma previsão de quando haverá vacinas para menores de 12 anos no Brasil?
Isso depende exclusivamente dos laboratórios desenvolvedores, porque a agência não tem o ofício nem tem a competência de poder sair em busca de tecnologias, de medicamentos, de vacina e trazer para o Brasil. Não é essa nossa missão até porque a Anvisa é uma reguladora também de mercado. Então, não seria razoável regular mercado e também fosse importadora de novas tecnologias. Vamos aguardar que os grandes laboratórios finalizem o interesse de disponibilizar para o Brasil as vacinas que estão verificadas para essa faixa etária. Não há ação concreta que a Anvisa possa fazer nesse sentido. O que temos são algumas pareações muito claros de grandes laboratórios que pretendem expor a nós os seus argumentos, os seus documentos científicos para que possamos analisar.
Como a Anvisa avalia o debate em torno do fim do uso obrigatório de máscaras? Já estamos num patamar seguro da pandemia para isso?
Não é atribuição da agencia reguladora opinar nesse sentido de quando é ou não conveniente usar medidas não farmacológicas, não faz parte das nossas atribuições. Essa é uma atribuição do Ministério da Saúde, assessorado, é claro, pelos epidemiologistas, pelos técnicos dos órgãos de ciência que estudam essa temática. Nós tivemos uma atuação em relação às máscaras numa época bem anterior, no início de 2020, quando ainda estava sendo definido no mundo quais eram os tipos de máscaras que tinham uma eficácia na prevenção. Na época, discutia-se se podia ser máscara feita de pano, em casa, quantas camadas. Nos dias atuais, quando já sabemos a filtragem, a questão de manter ou tirar não é uma questão regulatória, assim como as dúvidas quanto à possibilidade de ocorrerem mais ou menos aglomerações. A agência tem, sim, atribuições nesse sentido em questões muito específicas, como, por exemplo, recentemente elaboramos protocolos, que já estão em vigor, inclusive, quanto à temporada de navios de cruzeiro. Ali, é uma ação específica da agência, foram definidas taxas de ocupação de navios, pelo perfil do regramento distanciamento social dentro do navio, a própria questão do uso de máscara... O que eu posso te dizer, como quem acompanha o cenário mundial, é que nós estamos vendo, por exemplo, na Europa, o recrudescimento da doença. As autoridades europeias estão repensando, revendo diversas medidas de flexibilização. Isso, eu acredito que seja preocupante. É errado pensar que essa questão da pandemia acabou. Essa frase de que “estamos no fim da pandemia” não tem cabimento. Vamos saber que chegamos ao fim da pandemia quando pudermos falar dela conjugando o verbo no passado. Nós estamos ainda com números preocupantes.
A Anvisa lançou um protocolo para navios no qual exige no qual exige a comprovação da vacinação ingresso em cruzeiros. Isso contraria o que o governo e o Ministério da Saúde pregam. Essa posição fragiliza a relação da Anvisa com Palácio do Planalto?
A Anvisa não tem tenho obrigatoriedade nem vínculo com governo. A Anvisa é uma agência de Estado, eminentemente técnica. No caso, por exemplo, de fronteiras, de barreiras sanitárias de fronteiras e do próprio regramento dos navios brasileiros que você pontuou, nossos pareceres são sempre assessoriais às decisões ministeriais. No caso dessas atividades, quem assina as portarias que autorizam ou que proíbem são sempre quatro ministros. Dentro desse contexto nós colocamos alguns regramentos quanto a certificação e isso tem vários nomes: uns chamam de passaporte vacinal, outros chamam de certificado internacional de vacinação... Enfim, o fato é que é um documento que diz que a pessoa está completamente imunizada e não só para a Covid-19, nós já lidamos com isso há muito tempo para outras doenças e não teve problema. O que ocorre, o que eu vejo é que esse documento chamado passaporte vacinal vem sendo adotado cada vez mais por países no mundo inteiro. Não vou entrar no mérito certo e errado ou adequado e inadequado, vamos aos fatos: isso está ocorrendo diversos países do mundo. Obviamente, se isso vai numa maioria de países, aqueles que não adotarem vão se transformar num foco de turismo não vacinal.