A explosão de casos provocados pela Ômicron não vem sendo acompanhada por um expressivo aumento no número de mortes. A partir disso, começa-se a especular que a nova variante indicaria o fim da pandemia da Covid-19. Especialistas ouvidos pelo GLOBO consideram que, sim, isso é possível. Mas não é certo.
"O sentido da vida é passar os genes para frente. Com o vírus não é diferente. Um vírus que mata demais alerta os hospedeiros e começa a ter um insucesso evolutivo. A vantagem evolutiva é daquele que se transmite muito, causando o mínimo de doença possível. Matar, então, nem pensar. O bem-sucedido não causa doença nunca. Então, a tendência é que um dia, em décadas, ele vire um resfriado", explica o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-ômica, que sequência e analisa o genoma do coronavírus em todo o Brasil.
No entanto, Spilki pede cautela com essa hipótese:
"Não vamos voltar a 2020, mas novas variantes vão acontecer, não se para a evolução, e, na perspectiva mais otimista, essa mutação viria mais atenuada. Mas é biologia, não uma ciência exata, por isso o ideal é tentar mitigar esse processo por meio da vacinação. Talvez estejamos indo para um caminho de atenuação. Não dá para dizer que nenhuma variante vai ser mais grave. A pandemia começou a acabar quando a vacinação engrenou, mas a vitória é nossa e não é porque ele ficou atenuado".
De acordo com o virologista, para que, de fato, esse caminho em direção ao fim da pandemia se concretize é necessário que as vacinas passem por uma atualização. Seria muito difícil, a curto prazo, conseguir imunizantes que bloqueiem totalmente a infecção, mas ele defende o desenvolvimento de vacinas mais próximas das mutações que vêm sendo observadas com o intuito de bloquear a multiplicação do vírus na pessoa, fazendo com que transmita menos.
Outro aspecto em discussão é o efeito de tanta gente infectada, reforçando a imunização natural, na pandemia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que, nas próximas semanas, metade da população europeia deve ser infectada pela Ômicron. Para Ludhmila Hajjar, intensivista e professora de cardiologia do Hospital das Clínicas, em São Paulo, e médica da Rede D'Or, a conjunção de fatores é protetora e corrobora a ideia de que a pandemia possa caminhar para o fim.
"Temos pela primeira vez a junção de dois fatores: uma variante altamente prevalente infectando muita gente imunizada. Isso faz com que um número alto de pessoas se infecte com a forma branda da doença, o que é bom para a imunização. Não podemos, no entanto, baixar a guarda com a vacinação".
A pneumologista, professora e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcomo escreveu a coluna “Seria a Ômicron o começo do fim da pandemia?” no GLOBO em 4 de janeiro. Na ocasião, a médica diz que “pelo registro histórico, sabemos que ‘uma epidemia pode durar em média dois anos’, nos reportando à memória de outras ao longo dos séculos”. Ela continua:
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“Mas será mesmo a Ômicron tão mais contagiosa do que a Delta, mais patogênica? Ou esse padrão genético tão diferente significaria o estiolamento da pandemia e o começo do fim? Sim, essa hipótese guardaria uma boa plausibilidade biológica, com a prudente distância desta e de uma verdade absoluta. Tudo até o momento nos demonstra que as vacinas dão conta, pelo menos, de atenuar a severidade dos casos, visto que não se observa aumento substantivo de hospitalizações graves. E, assim, o Sars-CoV-2 vai desenhando sua endemicidade e passa a fazer parte do diagnóstico diferencial de doenças virais respiratórias rotineiramente.”
Novas variantes
O surgimento de novas variantes ainda é o maior empecilho para que, realmente, seja possível ver o fim do túnel. O geneticista e diretor do Laboratório Genetika, de Curitiba, Salmo Raskin, explica que elas certamente surgirão. A questão é como serão:
"A Ômicron está infectando quem está vacinado, mas eles praticamente não têm doença grave. Mas e a próxima variante? Será que o coronavírus não vai evoluir para ser tão infectante quanto a Ômicron e tão letal quanto a Delta? Não há evidências para cravar que essa variante é o fim da pandemia".
Raskin reforça a importância da vigilância epidemiológica molecular, fundamental para acompanhar a evolução do SARS-CoV-2. Do começo da pandemia para cá, esse tipo de serviço também avançou no Brasil. No entanto, o país segue com a falta de transparência.
Para o infectologista, professor de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Julio Croda, o cenário é otimista, mas ele explica o que pode acontecer caso uma nova variante escape à proteção clínica das vacinas.
"Se a vacina parar de funcionar para hospitalização e óbito vai ser necessário adaptação nos imunizantes, o que leva tempo, e a onda epidêmica seria bastante importante. Se isso acontecer, não saímos do período pandêmico, vamos entrar em ondas de variantes que precisam de vacinas adaptadas", pondera. "Mas não é isso que tem se mostrado por enquanto. O cenário é otimista, indicando que com o tempo e imunidade, natural ou por vacina, cada vez vamos estar mais protegidos contra novas variantes, mas é impossível prever o futuro com exatidão".