Criança tomando vacina
Reprodução/Cincinnati Children's Hospital Medical Center
Criança tomando vacina

O ditado diz que "quando nasce uma mãe, nasce uma culpa". É uma das formas de descrever como novas mães geram também autocobrança sobre o cuidado com os filhos. Essa é a realidade da maternidade desde sempre, mas tem outros desdobramentos quando o assunto é vacinação. Em muitos casos, o suposto ideal de proteção das crianças tem apontado para direção contrária aos imunizantes. E influenciadores de redes sociais têm justamente evocado o instinto materno para aumentar a propagação de conteúdos antivacina - em especial com a pandemia da Covid 19 .

"As mães sempre foram peças-chave no movimento antivacinação, pois tendem a ser as principais cuidadoras das crianças. No entanto, durante a pandemia, vimos tentativas coordenadas de incentivar a recusa da vacina entre as mães, principalmente nas redes sociais", conta a pesquisadora Stephanie Alice Baker, da Universidade de Londres.

Ao lado de Mike James Walsh, da Universidade de Camberra (Austrália), ela se debruçou em um estudo das táticas e técnicas de comunicação que esses influenciadores usaram na pandemia para desencorajar as mães a vacinarem seus filhos.

"Descobrimos que os influenciadores antivacinas adotaram três representações maternas para incentivar a recusa da vacina entre as mães: a mãe protetora, a mãe intuitiva e a mãe amorosa", conta Stephanie.

As publicações, mostra o estudo, se adaptam a cada perfil. No caso da mãe protetora, focam que uma mãe deve garantir a segurança dos filhos e protegê-los, inclusive de supostos riscos das vacinas. Imagens com mães carregando os filhos e com textos contrários à imunização são comuns.

No caso da mãe intuitiva, as publicações trazem histórias de mães falando sobre supostos efeitos negativos dos imunizantes nos filhos. No mesmo sentido, com mensagens como "Confie nas mães" ou "Mães sabem o que é melhor", a oposição categórica às vacinas seria parte do papel de uma mãe amorosa, segundo os influenciadores.

"O interessante é que, enquanto a proteção era apresentada como uma preocupação envolvendo mães e pais, a intuição era retratada como uma característica específica das mães. Daí a ênfase na intuição materna em muitos posts antivacinas", acrescenta Stephanie.

Lentidão no Brasil

Não por acaso, viralizou recentemente o caso de um pai que levou a filha de 9 anos para se vacinar contra a Covid escondida da mãe em Campo Grande, no Mato Grosso. Segundo o homem, de 48 anos, a ex-esposa era contrária à vacinação.

O avanço lento da imunização infantil indica a resistência em vacinar esse público no país. Apenas 52% das crianças de 5 a 11 anos receberam a primeira dose contra a Covid. E menos de 16% completaram o esquema vacinal.

A dona de casa e estudante de Farmácia Ivanoisa Borges, de 36 anos, sempre manteve a caderneta de vacinação do filho de 5 anos em dia. Mas, com a imunização contra o novo coronavírus, se viu cheia de dúvidas.

"Sempre dei as outras vacinas não por seguir o que as outras mães faziam, mas porque eram vacinas que tiveram anos de estudo, muita pesquisa. Essa (da Covid) não teve. Meu filho não vacinou, nem vai vacinar. Talvez daqui a uns dez anos. Vamos esperar os próximos capítulos", conta ela, que mora em São Luís (MA).

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Ivanoisa conta que já recebeu vários vídeos no WhatsApp de médicos que questionavam a segurança do imunizante e que recomendavam não vacinar as crianças. No Instagram, diz, outras mães relatavam efeitos adversos.

"Se médicos com anos de universidade diziam isso, quem era eu para questionar?", diz. "Falar sobre vacina é fácil para quem não tem filho, mas quem é mãe é que sente a dúvida na pele."

Uma das publicações de que mais se lembra, diz, foi a de uma mãe que atribuiu a morte do filho à vacina contra a Covid. Ivanoisa compartilhou esse vídeo em seu perfil, justificando que "por motivos assim" não vacinaria o filho.

"Se pensarmos na ideia do instinto materno, fica mais fácil para os influenciadores colocarem a dúvida sobre a segurança de uma vacina como a da Covid que foi desenvolvida em muito menos tempo do que outras vacinas — diz Marcia Couto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)."

"Somado a isso, a questão ideológica em que os procedimentos sanitários de combate à Covid, incluindo a vacina, se transformaram no país, polariza a sociedade e vira terreno fértil para influenciadores antivacina usarem fake news para gerar essa dúvida."

Marcia e Camila Matos, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutoranda em Saúde Coletiva na USP, têm acompanhado mães de Florianópolis (SC) e São Luís (MA) para entender como a dinâmica da hesitação vacinal funciona.

"Em Florianópolis, a hesitação das famílias está não porque desacreditam a Ciência, mas por optarem por um estilo que definem como natural, com menos intervenção médica. Em São Luís, existe uma cultura de imunização inquestionável. Mas com a vacina da Covid as mães não parecem 100% certas. Mesmo quem vacinou, esperou outras mães vacinarem seus filhos para só então ir ao posto. Outras já decidiram que não vão vacinar", conta Camila.

É uma hesitação, completa, que se fortalece com as redes sociais:

"A dúvida é criada no dia a dia com outras famílias, nos círculos sociais. E a pulga atrás da orelha faz com que elas busquem nas redes sociais uma resposta para isso. E com os algoritmos, encontram esses posts."

O estudo da Universidade de Londres e da de Camberra defende, porém, que em vez de atribuir culpa extra às mães, os influenciadores antivacinas é que deveriam ser responsabilizados.

"Ao espalhar desinformação médica, os influenciadores antivacinas que incentivam a recusa e a hesitação da vacina podem contribuir para danos no mundo real, aumentando a vulnerabilidade das pessoas a doenças infecciosas, tanto individual quanto coletivamente", conclui Stephanie.

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