Desde o início do Programa Nacional de Imunizações (PNI) a cobertura vacinal de crianças nunca esteve tão baixa no Brasil. A redução acontece de forma gradativa e contínua desde 2015 e, como já era de se esperar, piorou na pandemia.
Levantamento encomendado pelo GLOBO revelou que no ano passado, a média de pessoas completamente imunizadas dentro do público-alvo de cada vacina do Programa Nacional de Imunizações (PNI) ficou em 60,8%. Em 2015, o índice era de 95,1%.
"Infelizmente, a partir de 2015 observamos uma queda nas coberturas vacinais em todas as faixas etárias. Mas claro que o nosso foco sempre é o da criança, que é o grupo mais vulnerável. Em 2019, chegamos ao ponto em que nenhuma das vacinas utilizadas na infância atingiu a meta. E isso nunca tinha acontecido antes", diz o pediatra Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Os três imunizantes que tiveram menor cobertura em 2021 foram as vacinas de poliomielite (52,% de cobertura), a segunda dose de tríplice viral, que protege contra o sarampo, caxumba e rubéola, (50,1%) e a tetra viral, que adiciona a prevenção da catapora (5,7%).
A meta de cobertura para manter essas doenças sob controle, é acima de 95%. Os números de 2021 ainda não estão fechados, mas Cunha não acredita que os índices finais serão muito diferentes desses.
Também é importante falar esses números se referem ao país como um todo. Mas essa cobertura é muito heterogênea. No Nordeste e Norte, por exemplo, o percentual para a imunização completa contra a pólio é de 42% e 44%, respectivamente. Os especialistas alertam que a homogeneidade da cobertura é um aspecto importante para conferir proteção individual e, principalmente, coletiva.
"A vacinação é importantíssima enquanto proteção individual, mas ela é muito mais importante enquanto proteção coletiva. Se vacinarmos um número grande de da população, mesmo aquelas pessoas que não podem ser vacinadas porque não tem a idade limite, porque são imunodeprimidas ou por qualquer outro motivo, ficam indiretamente protegidas porque o vírus ou a bactéria deixa de circular e não atinge essa população", ressalta a infectologista pediátrica Cristiana Meirelles, coordenadora médica na Beep Saúde, maior empresa de saúde domiciliar do Brasil.
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O problema é que os especialistas esperavam que o início da campanha de vacinação contra a Covid-19 fosse uma oportunidade para recuperar a taxa de vacinação das crianças. Mas não foi isso o que aconteceu.
"Esperávamos que o início da campanha de vacinação contra a Covid-19 impulsionasse as outras vacinas. Mas, infelizmente, as coberturas em 2021 ficaram piores do que as de 2020. Isso significa que as crianças estão vulneráveis para todas as doenças, tanto as eliminadas quando as controladas", alerta Cunha.
A rigor, ninguém deveria estar falando do risco de retorno ou surtos dessas doenças em pleno século XXI, pelo simples fato de haverem vacinas seguras e altamente eficazes contra elas. No entanto, baixas taxas vacinais em um mundo globalizado representam uma ameaça bastante real.
Basta lembrar do retorno do sarampo em 2018. A doença foi considerada oficialmente eliminada do país em 2016, mas retornou dois anos depois, após grandes surtos em países como Estados Unidos, Europa e Venezuela. Israel já registrou sete casos de pólio esse ano, em pessoas não vacinadas. Havia quase 30 anos que o país não registrava a doença.
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Embora o problema não seja exclusivo do Brasil, os baixos índices no país chamam atenção porque o Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado no início da década de 1970, é o mais completo do mundo e sempre foi considerado um exemplo.
Os motivos para a queda na cobertura vacinal são muitos. Incluindo uma espécie de efeito colateral do próprio sucesso vacinação. As campanhas controlaram essas doenças de tal forma que elas deixaram de ser consideradas uma ameaça para os pais, que, com o passar do tempo, deixaram de enxergar a necessidade da vacina.
Há ainda os movimentos antivacina; a falta de confiança motivada pelas notícias falsas; problemas de acesso aos serviços de vacinação; falhas na capitação dos profissionais de saúde e, principalmente, problemas de comunicação.
Reverter o quadro é perfeitamente possível. A realização de campanhas de comunicação eficazes em massa e de forma contínua, para ressaltar a relevância da imunização, foi citada por todos os especialistas ouvidos pelo GLOBO como uma das ações principais para aumentar as taxas de vacinação.
Para o infectologista e pediatra Renato Kfouri, é preciso falar com os pais nas redes digitais, que é aonde eles estão. Já o médico Juarez Cunha, presidente da SBIm, reforça a necessidade de realizar parcerias com as escolas para estimular a vacinação.
Embora isso não seja eficaz para crianças pequenas, ajuda nas vacinas aplicadas em idade escolar e contribui para colocar em dia o calendário atrasado ao facilitar o acesso. Ampliar a quantidade de locais que aplicam as vacinas e flexibilizar o horário de funcionamento das unidades de saúde também são fatores fundamentais, em especial para a vacinação de crianças pequenas.
Aos pais que têm as carteirinhas de vacinação dos filhos em atraso, todos os especialistas são unânimes em dizer que a oportunidade de imunizar as crianças não deve ser perdida. Dar o antígeno fora do tempo certo ainda é melhor do que não oferecê-lo. Cunha explica que "vacina aplicada não perde". Mesmo que a aplicação esteja atrasada, não é necessário reiniciar o esquema. Ele será apenas retomado.
Para aqueles que não tomaram nenhuma dose, a aplicação irá ocorrer no esquema recomendado para a faixa etária atual da criança. Se houver mais de um imunizante em atraso, eles poderão ser aplicados no mesmo dia, para acelerar o processo. O melhor esquema será definido pelo profissional de saúde no momento da vacinação. Justamente por isso, ele precisa estar muito bem capacitado.
Kfouri lembra que as vacinas são uma das maiores intervenções em saúde para redução de mortalidade, de sequela e para aumento da expectativa de vida.
"Foi pela existência de programas de vacinação pelo mundo que a gente conseguiu muitos avanços", afirma o médico.
Por isso, não podemos retroceder.
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