Adolescentes de escola em Recife tiveram uma crise de ansiedade coletiva
Reprodução / Google Street View
Adolescentes de escola em Recife tiveram uma crise de ansiedade coletiva

Na última sexta-feira, estudantes de uma escola estadual em Recife, no Pernambuco, foram socorridos pelo serviço de emergência durante uma crise de ansiedade coletiva. Em vídeo, que circula na internet, aparecem ambulâncias e alunos, muitos deitados no chão, sendo amparados por profissionais da saúde. Mas o que é uma crise coletiva de ansiedade e como ela pode ser identificada?

Em primeiro lugar, é preciso entender o que é o transtorno de ansiedade. O  professor de psiquiatria da infância e adolescência da Universidade de São Paulo (USP) Guilherme Polanczyk, coordenador do núcleo de pesquisa em neurodesenvolvimento e saúde mental da USP, explica que a sensação de ansiedade por si só não configura necessariamente um diagnóstico.

"A ansiedade é uma emoção que está presente em todas as pessoas em maior ou menor grau. Eu posso estar ansioso porque tem algo importante para acontecer, pois estou num momento de estresse, de muitas demandas, mas isso não quer dizer necessariamente que eu tenho um transtorno de ansiedade. O que caracteriza o transtorno é a persistência, é não estar relacionado a eventos reais e pelo quanto que prejudica o dia a dia das pessoas. É o transtorno psiquiátrico mais comum na população, inclusive entre crianças e adolescentes", afirma o psiquiatra.

No caso de Recife, as aulas foram suspensas na sexta-feira depois que a crise teve início e provocou uma reação em diversos alunos da escola. Segundo Polanczyk, as crises, também chamadas de ataque de pânico, são caracterizadas por episódios de ansiedade muito intensa, com sensações físicas mais fortes e a impressão de que algo muito ruim, ou até mesmo a morte, estão próximos de acontecer. Elas podem ser desencadeadas por um evento estressante ou ocorrer de forma inesperada, e geralmente duram de 5 a 20 minutos, podendo chegar a algumas horas.

O que provocou a crise coletiva?

O psiquiatra explica que a infância e a adolescência são fases especialmente delicadas, quando surgem de forma muito frequente as ansiedades relacionadas às questões sociais, ao convívio. Mas ele ressalta que o episódio de crise coletiva como aconteceu na escola não é algo comum.

"É bastante atípico. De fato, quando temos um episódio de crise de ansiedade a situação gera uma ansiedade também para as pessoas que estão em volta. A pessoa tem a sensação que está morrendo e transmite isso para quem está ao redor", explica o especialista.

Neste contexto, ele ressalta que os adolescentes, particularmente, estão muito suscetíveis ao comportamento dos amigos, não só em relação a modas, mas também a problemas emocionais.

"A escola é uma comunidade mais fechada, então, quando uma pessoa ali tem um problema, ele afeta os demais de forma mais intensa. Mas a gente tem que pensar também que os adolescentes que vivenciaram essa crise de ansiedade não estão bem, estão de alguma forma frágeis em termos de saúde mental", acrescenta Polanczyk.

Para o psicólogo e doutor em saúde coletiva Bruno Emerich, pode ter acontecido também um exemplo de comportamento de massa que torna as pessoas mais suscetíveis e influenciáveis às ações de outras. Ele explica que esse fenômeno acontece, por exemplo, em estádios de futebol e grandes shows, eventos em que as pessoas migram para um comportamento mais grupal.

"E nessa faixa etária ocorre uma fase do desenvolvimento em que o jovem vive basicamente em grupo. Então, nesse contexto, a identificação dos adolescentes entre si torna esse comportamento de massa ainda mais fortalecido", afirma o especialista.

Emerich explica ainda que tem outras questões que poderiam levar à crise coletiva, como o contexto institucional na escola ou se aconteceu algum fenômeno mais estressante no ambiente. Porém, ressalta que seria preciso uma investigação no local para entender se há de fato fatores assim.

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No caso de Recife, a comerciante Luciana Amorim, mãe de um adolescente de 15 anos estudante da escola, chegou a contar ao g1 que, semanas antes, um aluno teria levado uma arma ao colégio, mas a informação não foi confirmada pela Secretaria Estadual da Educação de Pernambuco.

"Se for esse caso, podemos pensar então que houve um tipo de trauma que eventualmente todos eles sofreram. E aí, alguma situação específica, com todos eles sensíveis, pode desencadear uma crise coletiva como essa", explica Polanczyk.

Para o professor da USP, é preciso que a escola entenda o que houve de fato para que os jovens recebam a ajuda necessária. Ele destaca que as instituições de ensino são parte fundamental na formação dos alunos, e a saúde mental é um componente muito importante desse desenvolvimento.

Bruno também lembra que um ponto importante para lidar com essa situação é poder conversar sobre isso com os pais, com os adolescentes e com a comunidade no geral.

"Muitas vezes, quando fenômenos assim acontecem, nossa tendência é não querer falar sobre, achando que isso pode estimular novos eventos. Na verdade, é o contrário. A gente poder pensar em espaços de troca e de conversa para poder elaborar sobre essa situação que passou, pensar em disciplinas escolares que possam abordar temas como saúde mental, essas são boas estratégias", afirma o psicólogo.

Saúde mental dos jovens piora

Uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria da USP, de 2021, mostrou que cerca de 26% de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos no Brasil apresentavam sintomas clínicos de ansiedade e depressão, necessitando de tratamento especializado.

Além disso, uma pesquisa do Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef), em parceria com o Instituto de Pesquisas Cananéia (IPeC), revelou que 60% dos jovens entre os 12 e os 18 anos têm queixas relacionadas à saúde mental.

A realidade piorou com a pandemia de Covid-19. Um estudo publicado na revista científica JAMA Pediatrics descobriu que uma em cada cinco crianças e adolescentes do mundo possui sintomas clínicos de ansiedade. O trabalho, conduzido por pesquisadores da Universidade de Calgary, no Canadá, sugere que a prevalência de problemas mentais dobrou nesse grupo de jovens em relação ao período anterior à pandemia.

Para Emerich, a Covid-19 de fato levou a impactos significativos na socialização dos jovens, uma vez que crianças e adolescentes precisaram ficar sozinhos em casa numa fase da vida em que o desenvolvimento social acontece muito por meio do coletivo.

"Mas também a lógica do consumo excessivo, das urgências pelas respostas, das disputas cada vez maiores são pontos da sociedade hoje que impactam de forma negativa especialmente os jovens que estão na fase de uma construção de identidade, de como querem ser vistos", acrescenta o psicólogo.

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