Mal a Covid-19 deu uma trégua, uma outra doença volta a atormentar não só o Rio como o país. Nos três primeiros meses deste ano, o número de casos de dengue subiu 139% na capital fluminense em relação ao mesmo período de 2021. Foram 520 diagnósticos, com uma morte. E dados do estado mostram que a tendência tem sido de alta: a quantidade de registros subiu 353% em menos de um mês. Diante do crescimento, a prefeitura decidiu retomar o Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa), que identifica a ocorrência de focos do mosquito nos imóveis visitados por agentes de saúde. Esse trabalho ficou suspenso durante toda a pandemia.
Diagnosticável por meio de teste rápido do tipo NS1 a partir do quinto dia de febre, a dengue tem caráter cíclico e sazonal, tendo mais casos nos primeiros meses do ano em decorrência das chuvas. O Aedes aegypti, transmissor da doença, se prolifera com facilidade onde há acúmulo de água. Para o infectologista, epidemiologista e mestre em saúde pública Bruno Scarpellini, mesmo com o aumento de casos, os dados atuais não são suficientes para afirmar que há um risco de epidemia:
"Ainda que assuste, não é suficiente para apontar um risco de epidemia no momento porque esse crescimento é esperado nesta época".
O especialista destacou que é preciso ficar atento às diferenças entre os sintomas de Covid-19 e dengue. Segundo ele, a infecção causada pelo coronavírus provoca, basicamente, problemas respiratórios, perda de paladar e de olfato e cansaço. Já a dengue pode ser percebida pela febre mais alta, além de dor no corpo e de dor de cabeça persistente atrás dos olhos.
"Uma queixa frequente em pacientes com dengue é a chamada break-bone fever, ou seja, a febre de quebrar os ossos, que causa dores fortes no corpo e torna tarefas comuns muito trabalhosas", explicou o médico.
Focos na Zona Oeste
No dia 17 de março, a Secretaria estadual de Saúde contabilizava 363 casos de dengue, o que indicava um aumento de 11% naquele momento em relação ao ano anterior. Ontem, o número saltou para 1.652. Já na cidade do Rio, houve mais 84 casos este mês. No município, a Zona Oeste é a área que concentra mais infectados, com 384 casos, sendo 141 deles só em Santa Cruz.
Ainda que o bairro seja muito populoso (com 2170.333 habitantes, segundo o censo de 2010), a incidência de dengue continua a chamar a atenção porque Bangu (243.125 habitantes) e Campo Grande (328.370 habitantes) registraram, respectivamente, 19 e 24 casos no mesmo período.
Na Zona Sul, a Urca está no topo da estatística da Secretaria municipal de Saúde, com 17 casos. A Tijuca é o bairro com mais diagnósticos confirmados (12) na Zona Norte. Na região central, Santo Cristo registrou apenas quatro. Para Mário Roberto Dal Poz, professor do Instituto de Medicina Social da Uerj, a concentração na Zona Oeste está diretamente relacionada à questão do desenvolvimento urbano e fatores sociais.
"A dengue tem essa característica determinante, que é a dependência de acúmulo de água parada. Doenças disseminadas por mosquitos acabam se alastrando com mais facilidade e rapidez em áreas das zonas Oeste e Norte porque, além de terem mais espaço nos quintais, sofrem com o crescimento desordenado, o acúmulo de lixo, valões a céu aberto, terrenos baldio. Esses agentes são grandes facilitadores para que, quando uma chuva ocorra, a água se acumule ali", disse Dal Poz.
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É fácil encontrar esses “facilitadores” em Santa Cruz. Na Rua Dover, um terreno repleto de lixo a céu aberto, incluindo pneus velhos — o grande vilão das últimas epidemias no Rio, ao lado dos vasinhos de plantas —, chama atenção. Segundo o comerciante Wylson Silva, dono da área, sua propriedade tem servido de depósito de detritos há mais de um ano. Ele afirma já ter acionado a Comlurb várias vezes, mas nunca houve recolhimento no local.
"A população toda vem e joga lixo ali. Eu ligo para reclamar, e a Comlurb diz que é responsabilidade do proprietário retirar o acúmulo. Acontece que eu não posso ter o controle do que ocorre 24 horas por dia. Vem gente de madrugada. Às vezes, parece que um caminhão passou à noite e deixou uma montanha de lixo. Agora, com as chuvas, mesmo sabendo dos riscos de dengue, continuam a jogar e não é só ali", lamentou o comerciante.
A alta de casos de dengue tem sido registrada em todo o país. Com 95.166 diagnósticos, o Sudeste está em segundo no ranking nacional, ficando atrás do Centro-Oeste, com 108.258 registros. Os dados são do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde.
A Secretaria municipal de Saúde do Rio informou que a situação da dengue tem sido monitorada de perto pelos agentes de vigilância, mas que esse crescimento repentino não foge do esperado neste momento do ano. Assim como o infectologista Bruno Scarpellini, o secretário Rodrigo Prado afirmou que atualmente a possibilidade de uma epidemia não preocupa:
"A gente teve um aumento de casos em algumas áreas em relação ao ano anterior. Na verdade, no ano anterior, os nossos esforços também foram muito voltados para a Covid-19 e a questão da vacinação. Então, a gente não sabe se realmente esse é um aumento real ou se, no ano passado, houve uma subnotificação. A dengue é uma doença sazonal e, nesse período, é esperado realmente um aumento. Por enquanto, a gente não vê um risco de epidemia".
Ações de conscientização
Sobre as medidas que estão sendo tomadas na capital para inibir o avanço da dengue, o secretário divulgou que ações de conscientização da população e visitas em domicílio têm sido feitas pela secretaria. Ele reforçou ainda a importância da retomada do LIRAa:
"Já fizemos mais de dois milhões de visitas em residência esse ano, um trabalho que também foi retomado, já que ano passado a gente não podia ir à casa das pessoas por conta da pandemia. Estamos com foco em ações de conscientização da população para evitar focos, como trocar bebedouros de animais e pratinhos embaixo de vasos de planta. A vigilância de saúde está trabalhando, monitorando e atuando em lugares específicos que acha necessário fazer bloqueios".
Quando a pandemia de Covid-19 foi decretada pela Organização Mundial da Saúde, em 11 de março de 2020, Santa Cruz havia registrado, entre janeiro e março daquele ano, 43 casos, 98 a menos que no mesmo período de 2022. A cidade do Rio registrou epidemias de dengue em 1986, 1991, 2002, 2008 e 2012.
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