A mais recente edição do levantamento do Ministério da Saúde sobre o perfil da saúde dos brasileiros surpreendeu ao revelar que os jovens entre 18 e 24 anos estão bebendo menos.
Realizada anualmente, a pesquisa chamada Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), mostrou que a taxa ficou em 19,3% entre homens e mulheres – o índice não ficava abaixo de 20% há sete anos. Fala-se aqui da chamada ingestão abusiva. Ou seja, quando o consumo é de 60 gramas ou mais de álcool, o equivalente a pelo menos quatro doses, em uma única ocasião, ao menos uma vez por mês.
Os novos dados fazem o Brasil seguir, finalmente, os passos da maioria dos países de primeiro mundo, onde a ingestão entre os jovens vem diminuindo acentuadamente desde os anos 2000.
"Sabemos que os comportamentos mudam de forma lenta e precisamos esperar as próximas pesquisas para consolidar o novo cenário, mas a queda é extremamente positiva", disse o psiquiatra Arthur Guerra, presidente do Centro de Informações Sobre Saúde e Álcool (CISA).
Aos 23 anos, a biomédica Julia Mormino Abreu, representa o perfil da nova geração. Ela experimentou álcool pela primeira vez aos 16 anos, em uma festinha com colegas de escola. Mas desde então, prefere ficar na água, no suco ou no refrigerante e bebe apenas pontualmente.
"Quando sinto vontade de experimentar algum drink diferente, eu bebo. Mas é muito raro. Não ligo se um amigo beba, mas não tenho necessidade de consumir para me divertir. Na minha formatura mesmo, que foi recentemente, eu praticamente não bebi", conta.
Ela acredita que um conjunto de fatores a levaram a não ter o hábito de consumir bebida alcoólica com frequência.
"Meus pais não bebem e acho que isso influenciou" , reflete Abreu.
O papel da pandemia
O levantamento do Vigitel é feito com brasileiros a partir dos 18 anos. O trabalho mostrou que entre os que têm entre 25 e 34 anos, o consumo abusivo se mantém em 25,5%. Os resultados ratificam uma das principais explicações para o motivo da queda entre os mais jovens aventados pelos especialistas: o papel dos pais.
Na pandemia, a convivência familiar foi maior – e quanto mais jovens os filhos, mais intenso (e controlado) foi o contato.
"Sabemos que as ações governamentais, em escolas ou em qualquer outra instituição tem pouca efetividade. Temos respostas positivas só em relação a duas coisas: família e grupo de amigos. Mas o mais importante é o modelo que os pais oferecem. Sempre digo que o exemplo não é a melhor forma de você ensinar uma coisa para alguém, é a única. Se o exemplo não vier dos pais, de quem vai vir?", ressalta o psiquiatra.
Trabalho conduzido pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) com 16.608 adolescentes mostrou que a falta de um acompanhamento mais próximo dos filhos pelos pais ou responsáveis leva ao aumento no uso de álcool. As menores taxas de consumo foram detectas entre os jovens que tinham alguma supervisão dos pais.
Há ainda outros fatores que possam ter influenciado na queda da ingestão. Outra possível explicação, de acordo com o CISA, é o impacto direto da própria pandemia e de suas medidas. O isolamento social imposto para conter a disseminação do coronavírus teria contribuído para a redução do consumo de álcool por pessoas que bebiam apenas em situações sociais, como os jovens. Por outro lado, as pessoas que já tinham o hábito de beber em casa, sozinhas, aumentaram o consumo.
O efeito no corpo jovem
A ingestão de bebida alcoólica é especialmente preocupante entre os mais jovens. Para começar, o consumo compromete o cérebro em uma fase crucial para seu desenvolvimento.
"O cérebro dos jovens está em crescimento. Isso é feito à base de multiplicação de neurônios, que precisam de nutrientes, como glicose e oxigênio, para poder funcionar bem. O uso de álcool prejudica esse processo", explica Guerra.
As vias neuronais, ainda em formação, podem se tornar mais suscetíveis aos danos causados pelo álcool, que é uma substância tóxica para o organismo, podendo levar ao comprometimento de várias funções. Além disso, quanto mais cedo se inicia o consumo, maiores as chances de desenvolver problemas relacionados ao uso de álcool na idade adulta.
Quanto mais precoce for a ingestão pior é o efeito. Estudos apontam que a experimentação antes dos 15 anos aumenta em 4 vezes o risco de desenvolver dependência de álcool na vida adulta. E, nesse campo, a notícia não é tão boa.
Há ainda o aumento de comportamentos de risco. Normalmente, adolescentes já tendem a agir de forma impulsiva e realizar experiências novas e perigosas. Sob o efeito de álcool, isso é potencializado e há maior risco de realizar e sofrer violência, sexo desprotegido ou não consensual e acidentes automobilísticos.
Uma das formas mais prejudiciais de consumo de álcool é o “binge drinking”, caracterizado pela ingestão de cinco doses de álcool para os homens e quatro para as mulheres em um espaço de duas horas. É aquele porre ocasional, comum na balada ou em festinhas de faculdade. Em última instância, essa prática pode levar à morte.
O fígado só consegue metabolizar uma dose de álcool a cada uma hora e meia. Ao ingerir o quádruplo disso, nesse mesmo intervalo, a corrente sanguínea fica com um alto nível de álcool. Essa intoxicação alcoólica pode causar depressão respiratória e parada cardíaca.
Além disso, um estudo publicado na revista Frontiers in Behavioral Neuroscience, mostrou que beber no padrão ‘binge’, podem apresentar danos cerebrais similares aos observados em dependentes do álcool. Em todo o mundo e em todas as regiões da Organização Mundial da Saúde, a prevalência de BPE (Beber Pesado Episódico) é menor entre adolescentes de 15 a 19 anos do que na população total, mas atinge o pico na idade de 20 a 24 anos
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