O número de casos de Covid-19 voltou a crescer em um momento em que outros vírus respiratórios passaram a recircular. São sinais de uma tempestade viral previsível, afirma Amílcar Tanuri, um dos mais experientes virologistas do Brasil. A situação é de desafio, mas não de desespero, diz. Há remédio com testagem mais ampla, vacinas e medidas de prevenção destaca Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Ondas e surtos menores são absolutamente previsíveis nesse momento da pandemia”, diz o especialista.
Em que situação estamos?
Numa previsível tempestade viral. O Sars-CoV-2 continua a circular e não está sozinho. Com a abertura das cidades, os vírus respiratórios voltaram a circular. Some isso aos feriados da Semana Santa e do Carnaval fora de época, com imensas aglomerações e circulação de turistas, e temos o cenário ideal para os vírus respiratórios. Especialmente para o Sars-CoV-2, com casos que voltam a aumentar.
O quão preocupante é a nova subvariante BA.2.?
Ela parece ser muito contagiosa, mas não há sinal de que seja agressiva. O problema é que idosos, pessoas imunodeprimidas e outros grupos mais vulneráveis são numerosos e, neles, a Covid-19 pode se agravar.
E o que deve ser feito?
Penso que a abertura foi rápida demais e não apenas no Brasil. Sou a favor do uso de máscara em transporte público e lugares fechados com muita gente. As pessoas também precisam ter mais consciência e protegerem a si mesmas e aos outros. Isso significa usar máscara em lugares fechados ou aglomerações, manter a higiene, evitar sair se tiver sintomas respiratórios. E grandes eventos com aglomeração devem ser evitados.
Há pessoas com a terceira e até com a quarta dose de vacina que contraíram Covid-19 agora e vários casos de reinfecções. Por que a vacinação não bloqueou esses casos?
O propósito da vacinação é proteger contra casos graves e mortes e essa meta ela tem alcançado, com sucesso. As vacinas não impedem a infecção. Eu mesmo estou com Covid-19 leve neste momento, apesar de ter tomado a terceira dose, há cerca de um ano. Provavelmente, me infectei numa viagem para um congresso sobre doenças infecciosas em Portugal, do qual acabo de voltar. E me infectei a despeito de estar de máscara porque na Europa, como aqui, tudo reabriu e pouca gente usa máscara.
Então novas ondas continuam a ser esperadas?
Ondas e surtos menores são esperados nesse momento da pandemia. São normais. O vírus não vai desaparecer e ainda há um número considerável de não vacinados, pois a cobertura vacinal é desigual entre os estados. Além disso, a imunidade conferida pela vacinação diminui com o tempo.
Quanto tempo ela dura?
Estudos do nosso laboratório, conduzidos pelo professor Orlando Ferreira, sugerem que os anticorpos em resposta à vacinação duram cerca de seis, sete meses. Mas perder esses anticorpos não significa ficar desprotegido.
Por quê?
A vacina promove uma proteção mais duradoura ao estimular os linfócitos de memória B. Estudos recentes mostraram que essas células podem enxergar até mesmo variantes que ainda não existem. Elas não são específicas para esta ou aquela variante. Elas são mais genéricas e reconhecem partes maiores da proteína viral. Essas células não são produzidas logo após a vacinação. Elas se formam depois e ficam adormecidas. O que as desperta é o próprio coronavírus.
E o que acontece?
Elas são “acordadas” e entram em ação, atacando o vírus. Elas não vão impedir a infecção, mas bloqueiam o espalhamento do vírus e, com isso, o agravamento da Covid-19. Por isso, vacinados podem até ser infectados, mas dificilmente agravarão.
Teremos que tomar doses de reforço por quanto tempo e com que frequência?
Não ainda há resposta conclusiva para isso. Tudo indica que precisaremos nos revacinar, mas com que frequência é difícil dizer neste momento. Alguns grupos, como idosos e imunodeprimidos, certamente precisarão de reforço. Por isso, é fundamental observar o que vai acontecer depois da quarta dose, descobrir o quão bem-sucedida é e por quanto tempo, qual o melhor intervalo de aplicação. E não é tudo.
O que mais precisamos fazer?
Também devemos acompanhar com muito cuidado a circulação do Sars-CoV-2 e de outros vírus, para distinguir os quadros de síndromes respiratórias. Há muita confusão e pouca testagem.
Há mais vírus respiratórios circulando?
Certamente e isso dificulta o diagnóstico e o monitoramento da pandemia de Covid-19. Cientistas britânicos viram que há pelo menos cinco tipos de vírus respiratórios além do Sars-CoV-2 em circulação no Reino Unido, como influenza (gripe), sincicial respiratório, enterovírus, rinovírus, adenovírus. Todos causam sintomas respiratórios.
O mesmo pode estar ocorrendo aqui?
Sim. Esses vírus voltaram a circular após o afrouxamento do distanciamento social e do uso de máscara. Se uma pessoa apresenta um quadro de síndrome respiratória, o exame clínico não basta. Além disso, coinfecções, como gripe e Covid, acontecem. É importante saber o que está ocorrendo para controlar a Covid-19, a gripe e impedir surtos de outros vírus.
E como isso pode ser feito?
Por meio do exame de painel viral, que detecta vários tipos de vírus simultaneamente. Poderia detectar inclusive o vírus como adenovírus 41, que tem sido associado a casos de hepatite em crianças. O problema é que esse tipo de exame tem um preço proibitivo, chega a custar R$ 2 mil para detectar 14 tipos de vírus, por exemplo. A ciência, porém, pode desenvolver kits mais baratos e permitir o uso em vigilância. Isso é fundamental para controlar a Covid-19 e evitar a emergência de surtos de outros velhos e novos vírus.
Como?
Hoje se uma pessoa coinfectada pelo Sars-CoV-2 e um outro vírus respiratório faz só um teste de Covid, só vai aparecer o coronavírus. Mas isso não quer dizer que é sempre ele que provoca os sintomas. Outra possibilidade é que a coinfecção leve a um desfecho pior, ao agravamento e, sem um exame de painel, isso passa despercebido, não saberemos o papel de outro vírus nisso. Precisamos distinguir quem morreu de Covid-19 daqueles que morreram com Covid-19, mas de outras causas. Há também a chance de descobrir vírus novos. Se fazemos um painel amplo numa pessoa doente e tudo der negativo, vamos acender o sinal vermelho. Temos um período desafiador à frente, em 2022 e 2023.
Por quê?
Os vírus não param de mudar. O Sars-CoV-2 nos dá uma lição extrema disso. Acabou a trégua com outros vírus respiratórios. Vemos arbovírus voltarem a circular, o zika nos preocupa muito, ele está circulando.
O que tem que ser feito?
Necessitamos de apoio do governo para monitoramento, vigilância é vital. Temos que desenvolver uma estratégia vacinal dinâmica e manter a prevenção, com medidas como uso de máscara em transporte público e locais fechados.