Sucessivas trocas de comando têm dificultando a atuação dos gestores do Programa Nacional de Imunizações (PNI), braço do Ministério da Saúde responsável pela elaboração das políticas públicas voltadas à imunização dos brasileiros. Desde que o ministro Marcelo Queiroga assumiu a pasta, em março do ano passado, quatro profissionais já passaram pela coordenação do programa — ao longo de um ano e dois meses, cada um deles permaneceu no cargo, em média, três meses e meio.
Vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), o PNI é o departamento que estabelece, por exemplo, quais vacinas devem ser aplicadas no Brasil, em quais períodos e para quem, além de coordenar a distribuição dos imunizantes aos estados e municípios. Também cabe ao órgão desenvolver as campanhas de vacinação.
A vacinação contra a Covid-19, entretanto, não ficou sob o guarda-chuva do PNI, para alguns, um sinal de esvaziamento do programa. As ações de combate à pandemia do coronavírus foram concentradas na Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 (Secovid), criada em maio de 2021, nos primeiros meses da gestão de Queiroga. Até hoje, esses imunizantes permanecem fora do escopo do PNI.
A alta rotatividade no posto mais importante do programa acarreta a perda de memória da gestão do órgão e prejuízo na interlocução com governos estaduais e prefeituras, a ponta do atendimento, de acordo com servidores que falaram ao GLOBO na condição de anonimato. Isso porque, frequentemente, os coordenadores do PNI precisam articular providências com os secretários de saúde de estados e municípios. Servidores também relataram impactos na elaboração das campanhas. A cada mudança, é necessário reiniciar processos importantes.
"Essas trocas são um sintoma da desconstrução e do desprestígio do PNI no atual governo. De 1990, quando foi aprovada a Lei Orgânica do SUS, para cá, isso nunca aconteceu. As transições no PNI sempre foram muito tranquilas com substituição de pessoas com alta qualificação e experiência por outras do mesmo tipo. O fato de ser frequente, além de prejudicar o desempenho do programa, expressa esse sintoma", avalia José Gomes Temporão, que foi ministro da Saúde de 2007 a 2011.
A rotatividade, de fato, é algo novo no PNI. Até a chegada do presidente Jair Bolsonaro, houve coordenadores que atravessavam gestões de ministros e governos inteiros sem cair da cadeira. A epidemiologista Carla Domingues ficou à frente do programa de 2011 a 2019, período em que o país foi governado por Dilma Rousseff, Michel Temer e o atual chefe do Executivo. Mesmo durante os primeiros anos de Bolsonaro na presidência, houve poucas alterações. O cenário mudou após Queiroga assumir.
Dança das cadeiras
Na ocasião, o PNI era comandado pela enfermeira Francieli Fantinato, que ocupou o posto enquanto Nelson Teich e Eduardo Pazuello davam as ordens na pasta. Servidora de carreira, ela pediu exoneração em junho, depois de ter prestado depoimento à CPI da Covid. Segundo disse a interlocutores, decidiu deixar o governo porque ficou assustada com a exposição, embora tenha chegado para depor como investigada e tenha saído como testemunha por causa das contribuições dadas aos senadores.
O PNI ficou à deriva até outubro, quando o professor de Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Ricardo Gurgel foi nomeado. A posse, porém, nunca ocorreu. O pediatra disse ao GLOBO que não recebeu justificativa para o declínio do convite:
"Só disseram que eu não iria assumir. Falaram que o gabinete teria vetado minha indicação. Sem dúvida, foi por alguma questão desse tipo (ideológica), em relação ao apoio ou não ao presidente".
A nomeação seguinte veio em janeiro, após uma janela de seis meses sem titular. Farmacêutica da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), Samara Carneiro assumiu a coordenação, mas permaneceu por apenas três meses, até ser exonerada, segundo ela, sem explicações. No seu lugar, veio a servidora de carreira da pasta Adriana Lucena, que assumiu no final de abril e está hoje no cargo. Vista como um perfil técnico pelos pares, a enfermeira já assinava eventualmente como coordenadora substituta durante a gestão de Fantinato.
Procurado, o Ministério da Saúde afirma que nenhuma ação foi prejudicada devido às substituições no PNI e que o envio de doses de vacinas para os estados ocorreu regularmente. Diz também tiveram continuidade ações como o plano para interromper a transmissão do sarampo e o de vacinação nas fronteiras, além de campanhas contra influenza e multivacinação.
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