Considerada uma doença rara, estima-se que a Síndrome de Dravet tenha incidência de um caso para cada 20 mil nascimentos, sendo mais comum no sexo masculino. A doença, causada por uma alteração genética, é caraterizada por epilepsias graves e resistentes ao tratamento. Matheus, de 15 anos, é portador da síndrome desde os oito meses de vida, mas a família só recebeu o diagnóstico há cerca de cinco anos.
"Ele nasceu e, de repente, aos oito meses, começou a ter convulsões", conta o administrador de empresas Alex Lara, pai de Matheus. "Levamos ele ao médico e, na época, foi tratado como uma condição febril. Só que isso começou a se repetir com muita frequência, até chegar ao ponto de ele ter 15 convulsões por hora, das mais variadas, de tempo e tipos diferentes", relata.
Alex conta que as crises do filho eram fortes e ele chegava a entrar em estado epilético, precisando ser levado ao hospital, onde fazia uma bateria de exames, mas nenhum era conclusivo. "São crises diferentes que vão piorando. Aos 2 anos, ele já teve até coma induzido para tirá-lo de uma crise que não passava. Aos 4, ele ficou internado na UTI por quase 30 dias."
Ainda sem diagnóstico, a família começou a perceber alguns hábitos que faziam com que as crises de Matheus se agravassem. "A gente foi descobrindo aos poucos que não era uma convulsão febril. Quando íamos dar banho nele e estava calor, ele entrava no chuveiro e disparava a convulsão. Ou quando ele entrava na piscina, por exemplo. Então comecei a perceber esses sinais, a mudança de temperatura, a privação de sono, caso ele dormisse mal… Esses eram alguns fatores que pioravam as crises".
A neurologista infantil Karina Soares Loutfi acompanhou o início dos sintomas de Matheus, quando ele ainda era bebê, e, anos depois, após o diagnóstico da doença, o menino voltou a ser paciente dela. De acordo a médica, uma das características da Síndrome de Dravet é que as crises são geralmente precipitadas por mudanças na temperatura, principalmente pelo calor.
"Em uma criança com a síndrome, a mínima febre que ela tem, com pouca elevação de temperatura, já pode deflagrar uma crise convulsiva. O mesmo pode acontecer em um dia muito quente, se a criança estiver muito aquecida por roupas, ou se ela estiver brincando, o corpo começar a aquecer e ela estiver desidratada, por exemplo", explica.
Após inúmeras visitas a médicos e muitos anos tentando encontrar um diagnóstico, a família chegou ao exame de sequenciamento genético. "Na época, custou por volta de R$ 10 mil, o plano de saúde não cobriu e o exame não foi conclusivo", diz o pai, que, por meio de uma amiga, conseguiu contato com uma pesquisadora de uma universidade do Texas, nos Estados Unidos, que resolveu estudar o caso de Matheus durante um ano. A pesquisa foi o que finalmente apontou o diagnóstico de Síndrome de Dravet.
Loutfi explica que devido ao fato de, no início do quadro, os pacientes terem convulsões similares às febris e os exames investigativos de epilepsia não apresentarem qualquer alteração, o diagnóstico da doença se torna muito difícil, já que ela pode ser confundida com outros quadros. Segundo a neurologista, os primeiros sinais da síndrome costumam começam a aparecer cedo, nos dois primeiros anos de vida.
"Dali para frente, essa epilepsia se modifica e o paciente começa a ter vários tipos de crises diferentes e entra em uma fase de regressão. Em geral, os exames genéticos para investigar epilepsia são feitos nos casos que são de difícil tratamento. Por isso que em uma fase inicial, o médico pode até pensar que é uma epilepsia dessas comuns ou mesmo um quadro de convulsão febril, o que dificulta essa investigação diagnóstica", afirma a médica.
A especialista também destaca a dificuldade no acesso aos exames genéticos que podem diagnosticar a condição. "Muitas vezes, os planos de saúde nem fazem a cobertura desse tipo de investigação genética e o acesso a esses exames é muito mais difícil pelo Sistema Único de Saúde (SUS) , por exemplo, fazendo com que o paciente fique sem diagnóstico."
Importância de um diagnóstico precoce
Esse cenário, no entanto, pode se tornar um problema. De acordo com Loutfi, as crises e a própria epilepsia acabam gerando uma deterioração cognitiva, comportamental e, às vezes, até motora no paciente devido à gravidade da condição, o que aconteceu com o Matheus.
"Hoje, ele está bem mais estável, mas ele não fala, ele anda com uma dificuldade muito grande e tem várias características de autismo severo", relata Alex, dizendo que o diagnóstico tardio também fez com que o filho tomasse as medicações erradas durante um período. "Para a Síndrome de Dravet, por exemplo, sabemos que tem medicação que não se pode dar de maneira nenhuma, mas como o médico não sabe do que se trata, vira uma análise combinatória de medicamentos para ver o que dá certo."
Segundo a neurologista, além de não apresentar os resultados desejados, o uso de remédios errados pode, inclusive, agravar a epilepsia do paciente.
Tratamento
Embora hoje Matheus apresente certas dificuldades motoras e cognitivas, Alex afirma que ter o diagnóstico correto da doença melhorou a qualidade de vida do filho. "Tiramos os medicamentos errados, entramos com outros que eram fundamentais e nem sabíamos, e começamos o uso de canabidiol , que fez uma diferença fantástica", conta ele. "Hoje ele tem convulsões em quantidades bem menores por causa desses medicamentos, principalmente por causa do canabidiol."
Antes do diagnóstico, Alex conta que muitas vezes precisava levar Matheus ao hospital porque ele tinha crises muito longas. Agora, ele só precisa ser levado à unidade de saúde quando tem várias crises sucessivas em um único dia.
Como a Síndrome de Dravet não tem cura, o tratamento geralmente é feito pela administração de medicamentos que ajudem a conter os sintomas. A neurologista explica, no entanto, que parte dos pacientes respondem aos remédios indicados, mas outra parte, não. Dessa forma, os médicos partem para métodos alternativos, como o uso do canabidiol .
A substância, também conhecida como CBD, é extraída da planta Cannabis e apresenta potencial terapêutico para o tratamento de diversas doenças, especialmente das psiquiátricas e neurológicas, como esclerose múltipla , mal de Parkinson e epilepsia.
"Nos últimos 10 anos, a medicina nos mostrou que o canabidiol é eficaz no controle das crises de pacientes com Síndrome de Dravet que são refratários aos medicamentos de primeira linha, ou seja, esses remédios já foram usados em dose máxima e em combinação, por exemplo, e o paciente apresentou efeitos colaterais ou continua tendo crises", explica Loutfi.
Um trabalho publicado no periódico médico The New England Journal of Medicine envolvendo pacientes com a Síndrome de Dravet mostrou que a média de crises convulsivas por mês diminuiu de 12 para 6 com o uso da solução oral de canabidiol . O estudo foi feito com 120 crianças e jovens adultos que apresentavam convulsões resistentes aos remédios utilizados em tratamentos convencionais.
No Encontro Anual da American Academy of Neurology (AAN) de 2019 também foi apresentado um estudo randomizado com quase 200 crianças diagnosticadas com a doença. Segundo a pesquisa, houve uma redução de 56% das crises convulsivas entre os pacientes que receberam 10mg/kg/dia de CBD, de 47% entre os que receberam 20mg/kg/dia de CBD e de 30% nos que receberam placebo.
Considerando as evidências científicas disponíveis até o momento, produtos com canabidiol hoje são aprovados pela agência reguladora dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), e também pela europeia, a European Medicines Agency (EMA).
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