Há uma série de mitos e verdades que envolvem os riscos e possíveis benefícios no consumo de bebidas alcoólicas, embora pouco se saiba sobre as especificidades de cada faixa etária.
Para compreender melhor esse cenário, um time de pesquisadores analisou dados do Estudo de Carga Global de Doenças, Lesões e Fatores de Risco (GBD), uma ampla pesquisa que envolveu dados de pessoas entre 15 a 95 anos, de 204 países, coletados entre 1990 e 2020.
Eles constataram que, para menores de 40 anos, nenhuma dose de álcool traz efeitos positivos. Por outro lado, para os mais velhos que não têm problemas de saúde subjacentes, uma quantidade limitada pode ajudar a reduzir os riscos de doenças cardiovasculares e diabetes.
Os responsáveis pelo trabalho, publicado na revista científica The Lancet, defendem que as diretrizes em relação ao consumo de álcool deveriam, portanto, ser focadas nas idades de 15 a 39 anos, especialmente homens, que foi o público mais afetado pelos efeitos danosos da substância.
"Nossa mensagem é simples: os jovens não devem beber, mas os mais velhos podem se beneficiar bebendo em pequenas quantidades. Embora possa não ser realista pensar que os jovens adultos vão se abster de beber, achamos importante comunicar as evidências mais recentes para que todos possam tomar decisões informadas sobre sua saúde", afirma a autora sênior da análise Emmanuela Gakidou, professora de Ciências de Métricas de Saúde do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME) da Escola de Medicina da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, em comunicado.
O estudo é o primeiro do tipo a observar de forma tão ampla a ingestão de bebidas alcoólicas no mundo. Baseando-se em estimativas de cada um dos 204 países, os pesquisadores indicaram que 1,34 bilhão de pessoas consumiam quantidades consideradas danosas em 2020. Cerca de 60% tinham entre 15 e 39 anos e mais de 75% eram homens.
A endocrinologista Paula Pires, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM - SP), destaca que além dos impactos já conhecidos na saúde, o início precoce do consumo também aumenta o risco para quadros de dependência ainda na juventude.
"Alguns estudos já evidenciaram que começar o consumo de álcool muito precoce na adolescência aumenta o risco de dependência alcoólica já numa idade jovem, como nos 25 anos, porque o cérebro do adolescente ainda é muito vulnerável. E nós temos visto hoje que adolescentes começam a beber mais cedo", alerta a médica, que atua nos hospitais Sírio Libanês, Nove de Julho e Albert Einstein, em São Paulo.
Riscos e benefícios
Para avaliar os impactos do álcool, os pesquisadores analisaram 22 critérios de saúde, como doenças cardiovasculares, diabetes, risco de acidente vascular cerebral (AVC), câncer e até mesmo acidentes em veículos motorizados, suicídios e homicídios sob efeitos da bebida. Com isso, eles estimaram os limites para que a substância comece a provocar esses efeitos danosos para a saúde.
Na faixa de 15 a 39 anos, esse limite foi muito baixo: um décimo de uma dose, algo como alguns goles, já era suficiente para ser considerado prejudicial. A medida da dose na análise é o equivalente a uma taça de vinho de 100 ml, com 13% de álcool; uma lata ou garrafa de 375 ml de cerveja, com 3,5% de álcool, ou um shot de destilado de 30 ml, com 40% de álcool. Logo, apenas 10% dessas unidades seria aceitável neste público, uma quantidade encarada como desprezível pelos pesquisadores.
Já naqueles com 40 anos ou mais, desde que sem problemas de saúde adjacentes, uma quantidade pequena da substância por dia levou a uma redução nos riscos de AVC, cardiopatia isquêmica e diabetes. Para os que tinham até 64 anos, esse limite variou entre meia dose e quase duas doses.
Já nos com 65 anos ou mais essa tolerância foi maior: pouco mais de três doses ao dia. No geral, os autores do artigo defendem que o limite diário para os benefícios deve ser considerado em média 1,87 dose, aproximadamente 13 taças de vinho, latas de cerveja ou shots de destilados por semana.
Ainda assim, a endocrinologista Paula Pires ressalta que estudos anteriores que já haviam relacionado esses benefícios com as bebidas alcoólicas afirmam que eles são restritos ao vinho tinto, e acredita que ainda não há evidências que levem médicos, por exemplo, a prescreverem doses diárias de álcool para uma saúde melhor.
"Os estudos que temos atualmente são muito relacionados ao vinho tinto pela composição antioxidante das uvas. E mesmo assim não há recomendação médica para sugerir que, mesmo com benefícios, as pessoas bebam doses baixas de álcool regularmente. Porque é uma linha muito tênue, isso pode levar a uma tendência em aumentar a quantidade aos poucos que pode prejudicar outros aspectos da saúde", diz a especialista.
É o que aponta também um novo trabalho publicado na revista científica PLOS Medicine por pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido. O estudo, com quase 21 mil participantes, de cerca de 55 anos, indicou que o consumo moderado de álcool, de sete ou mais doses por semana, já leva a níveis mais altos de ferro no cérebro. Esse acúmulo já foi associado às doenças de Alzheimer e Parkinson.