Covid-19
Fabiano Rocha / Agência O Globo
Covid-19

“Dar um google”, a ação que se tornou imediata para responder a maioria das dúvidas, ganhou um papel ainda mais relevante com o mar de informações que acompanhou a chegada da Covid-19, os decretos restritivos, os sintomas da nova doença e, mais para frente, o início da vacinação. Porém, a procura pelo vírus no Brasil, que chegou ao ápice com a explosão de casos pela variante Ômicron, nunca esteve em patamares tão baixos desde 2020. O mesmo acontece com o interesse pelas vacinas, que também deixou de ser alvo dos internautas, segundo levantamento do GLOBO com dados da plataforma Google Trends.

Mas essa mudança de postura em relação ao novo coronavírus de fato representa um cenário otimista para o futuro da pandemia? Especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam que de fato o país vive uma situação bem mais tranquila em relação à Covid-19, com as médias móveis de novos casos e óbitos em estabilidade em patamares mais baixos da doença. No entanto, ressaltam que é importante ampliar a cobertura vacinal com a dose de reforço, que hoje contempla apenas 47% da população segundo dados do consórcio de veículos de imprensa.

"Estamos numa situação bem mais tranquila, principalmente pela menor mortalidade da doença, que diminuiu bastante depois da onda Ômicron e das vacinas. Ainda é considerada alta, mas hoje é principalmente em pessoas muito vulneráveis e não vacinadas, então diminui essa preocupação da população geral. As vacinas hoje podem não proteger tanto contra a infecção, mas protegem contra os desfechos graves. Quantas pessoas foram salvas pelas vacinas? Então é muito importante estar com o esquema completo", avalia o sanitarista pesquisador da Fiocruz, Christovam Barcellos.

O alto risco para complicações graves após contaminação pelo vírus Sars-CoV-2 de fato diminuiu consideravelmente. Em abril de 2021, quando o Brasil enfrentava a pior onda da Covid-19 e a vacinação avançava a passos lentos, chegou a ser registrada uma média móvel de 3.125 mortes por dia. É um número cerca de 94% em relação ao índice de hoje, que o país registra uma média por volta de 200 óbitos diários.

"Quem viu a catástrofe que aconteceu com a doença no país, e observa o momento em que estamos hoje, percebe claramente que o número de pessoas sendo hospitalizadas e morrendo é muito menor. A manifestação da doença mudou muito, devido às vacinas e ao alto número de pessoas que foram infectadas. Então as pessoas estão normalizando o convívio com o vírus, nesta semana mesmo a Anvisa definiu que não é mais obrigatório o uso de máscaras em aviões. A expectativa agora é que não surja nada muito diferente em termos de variantes e que os imunizantes continuem oferecendo essa alta proteção contra doença grave", pontua o médico geneticista Salmo Raskin, diretor do Laboratório Genetika, em Curitiba.

O percentual de declínio das mortes no país é semelhante ao das pesquisas online sobre a doença. Segundo o monitoramento do Google Trends, a procura pelo termo ‘covid’ atingiu o ápice em janeiro deste ano, quando registrou 100 pontos (o máximo da plataforma). Mas, até a segunda semana de agosto, as buscas caíram também 94%, chegando a apenas 6 pontos. O indicador já havia chegado a períodos mais baixos, como em novembro do ano passado, antes da variante Ômicron, mas não tanto quanto agora.

"Essa curva da busca pela Covid no Google é muito parecida com a da incidência da doença, os picos correspondendo às ondas da infecção, então é uma postura reativa, quando aumenta o perigo, as pessoas procuram mais informação na internet", diz Barcellos.

Em relação à campanha de imunização, a busca pelo termo ‘vacina covid’ teve altas durante o ano de 2021 em janeiro, quando a primeira dose da CoronaVac foi aplicada na enfermeira Mônica Calazans, em São Paulo, e em junho, quando novas remessas alavancaram o ritmo de vacinação e diversos estados passaram a adotar o calendário por faixas etárias.

Mas chegou ao pico também em janeiro deste ano, quando os casos cresciam pela variante Ômicron e a orientação sobre a terceira dose era ampliada a todos os adultos. Porém, de lá para cá, a queda chega a 97%, de acordo com a plataforma do Google, e atinge o índice mais baixo de toda a pandemia, com apenas 3 pontos.

"Há também outros fatos do dia a dia que ocupam os espaços, como o período eleitoral aqui no Brasil e o aparecimento da monkeypox, fatores que acabam contribuindo para a perda do interesse em relação à Covid", pontua a infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Raquel Stucchi.

Vacinação com reforço precisa avançar

Apesar da melhora no cenário brasileiro, para Raquel a baixa procura por informações sobre a vacina é um dado que liga o alerta, uma vez que para diminuir ainda mais a incidência de óbitos pela doença, ou mesmo prevenir um retorno de números mais altos, é necessário que todos estejam com o esquema vacinal em dia – isto é, três ou quatro doses em relação aos adultos (a depender do estado); três para os adolescentes e duas para as crianças entre 3 e 11 anos.

"Muitos se acostumaram ao cenário de 200 óbitos por dia como se fosse algo natural, mas isso acaba contribuindo para que as pessoas não valorizem a atualização do esquema vacinal. Se nós olharmos o percentual da população com três doses, que é o mínimo que se aceita para prevenir casos graves e óbitos em maiores de 18 anos, é uma situação muito preocupante. Com o segundo reforço então é mais baixo ainda. Aqueles que estão internando e morrendo pela Covid-19 são principalmente os não vacinados ou com vacinação incompleta", diz a infectologista.

A especialista destaca que a cobertura de apenas 47% com a terceira dose, e de 12,4% com a quarta, colabora para a manutenção dos números de óbitos e casos graves da Covid-19 em patamares altos quando comparados a outras doenças infecciosas. Segundo o Ministério da Saúde, por exemplo, foram 49.987 mortes em decorrência da Síndrome Respiratória Aguda Grave causadas pelo novo coronavírus em 2022 até agosto, um número 4.180% maior que os 1.168 óbitos pelo vírus Influenza, causador da gripe, no mesmo período.

"O ideal seria que tivéssemos ainda campanhas esclarecedoras sobre a importância da atualização vacinal de toda a população, além da imunização dos mais novos. Logo, devemos ter também as vacinas para os bebês com mais de seis meses, então é importante que aconteça uma campanha pública de orientação."

Ainda assim, ela acredita ser difícil que o país retorne para momentos de mais emergência em relação à pandemia, ou que surjam novas variantes capazes de provocar quadros mais graves da doença.

"A expectativa para os próximos meses, especialmente para nós que estamos saindo de uma estação mais fria, é que pelo menos os números atuais sejam mantidos. Não devemos ter uma nova situação de descontrole ou novas variantes muito desafiadoras no sentido de provocar doença grave aguda. Porém, nós mantemos um número alto de pessoas que já tiveram Covid-19, e uma preocupação é em relação ao desenvolvimento da síndrome da Covid longa, que é um quadro complexo."

Análise de buscas no Google pode prever ondas

Pesquisadores do Banco Mundial e da Universidade de Hannover, na Alemanha, decidiram investigar até que ponto vai essa relação entre os dados de busca no Google e os números da Covid-19. Após analisar informações de 207 países, eles concluíram que a procura por sintomas da doença na internet começa a aumentar antes mesmo dos registros de novos diagnósticos, sendo um sinalizador de uma nova onda.

Além disso, o estudo, que está sob análise para ser publicado numa das revistas científicas do portfólio da Nature, apontou que, em países com maiores coberturas vacinais, a busca por informações sobre o imunizante, agendamento para aplicação e efeitos colaterais era maior. Por outro lado, a busca maior por termos ligados à desinformação sobre vacinas foi associada a lugares com taxas de imunização mais baixas.

“No geral, os resultados demonstram que os dados de interesse de pesquisa em tempo real podem ser uma ferramenta valiosa para países de alta e baixa renda para informar políticas em vários estágios da pandemia'', escreveram os pesquisadores.

Entre no  canal do Último Segundo no Telegram e veja as principais notícias do dia no Brasil e no Mundo.  Siga também o  perfil geral do Portal iG.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!