Os candidatos no debate da Band em 28 de agosto
Reprodução/Twitter/BandNews FM
Os candidatos no debate da Band em 28 de agosto

Concorrer a um cargo público , em especial aos que estão em disputa esse ano , é provavelmente uma das atividades mais estressantes em que uma pessoa pode se envolver. O sono , a alimentação e os momentos de lazer ficam prejudicados por meses. O ambiente da campanha eleitoral é agitado e turbulento. Nenhum dia é igual ao outro, obstáculos podem vir de qualquer direção e não há tempo para pausas nem espaço para erros.

É de se esperar que esse ritmo traga consequências para a saúde das pessoas envolvidas nessa atividade. Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que, de fato, essa é uma escolha muito radical e onerosa para a saúde física e mental .

O psiquiatra Rodrigo Martins Leite, coordenador do Programa de Psiquiatria Social e Cultural (Prosol) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (IPq), alerta que muitas pessoas tendem a pensar nas consequências do estresse para a saúde mental .

Mas um estado de estresse contínuo, como o vivenciado pelos candidatos nesse período de campanha, afeta o organismo como um todo, levando a alterações cardiovasculares, metabólicas, gastrointestinais, imunológicas, dermatológicas, entre outras. A ausência de uma alimentação equilibrada, da prática de exercícios e uma alimentação ruim ajudam a impulsionar esse processo.

"O nível de pressão, de estresse e privação de sono enfrentado pelos candidatos é muito deletério para a saúde física e mental", afirma Leite.

Para Ashley Weinberg, professor sênior de psicologia na Universidade Salford, no Reino Unido, e autor de livros sobre o bem-estar no trabalho e o funcionamento dos políticos nacionais, o “inesperado”, como uma grande mudança repentina na opinião pública ou um evento que está além do controle dos candidatos, é o que pode transformar a intensa pressão desse período em algo suscetível de afetar a saúde física e mental dos candidatos. Outro ponto que crítico são críticas excessivamente pessoais.

"Minha pesquisa descobriu que onde os políticos sentiam que tinham baixos níveis de controle sobre os eventos, eles eram mais propensos a experimentar um impacto negativo em sua saúde mental", diz Weinberg.

Essas consequências podem ser de curto, médio e longo prazo.

Saúde cardiovascular

O estresse é uma reação física, mental e emocional do corpo a mudanças no ambiente. Um episódio de estresse agudo, como ficar preso no trânsito, causa um aumento na frequência cardíaca, da pressão arterial e da intensidade da contração do músculo cardíaco, além de liberação de hormônios como adrenalina, noradrenalina e cortisol. Isso é conhecido como a resposta de luta ou fuga. Uma vez que o episódio passou, o corpo retorna ao seu estado normal.

Entretanto, quando a pessoa entra em um estado de estresse crônico, essas alterações persistem e isso aumenta o risco de problemas de longo prazo no coração e nos vasos sanguíneos.

"O estresse promove o aumento de diversas substâncias, como adrenalina, circulando no sangue, que podem aumentar a pressão arterial, a frequência cardíaca, promover aterosclerose e prejudicar o coração", alerta o cardiologista Marcelo Franken, diretor da SOCESP - Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e gerente do programa de cardiologia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Estudos mostram que o estresse prolongado pode contribuir para a inflamação no sistema circulatório, particularmente nas artérias coronárias, e dos níveis de colesterol. Além disso, nessa rotina, ou melhor, nessa falta de rotina, é difícil controlar os fatores de risco para doença cardiovascular , como manter a alimentação equilibrada, o sono em dia, a prática regular de atividade física e o controle de doenças mentais, como depressão e ansiedade.

"A privação ou a má qualidade de sono é considerada um fator de risco cardiovascular muito importante. O excesso de sódio atrapalha no controle da pressão arterial. O excesso de gordura, no controle do colesterol e triglicérides e o excesso de carboidrato, no controle da glicemia e também dos triglicérides", explica Franken.

Basta lembrar da famosa cena, repetida à exaustão por todos os candidatos, do pastel na feira e do cafézinho nos comícios, caminhadas e eventos durante a campanha eleitoral. O cardiologista ressalta que o pastel ocasional não faz mal, mas o recorrente, sim.

Tudo isso aumenta o risco de infarto, acidente vascular cerebral e arritmia. Também pode haver aumento do risco de trombose na perna, devido a viagens muito longas.

Imunidade

O estresse libera cortisol, o hormônio do estresse. Pontualmente, esse aumento do cortisol pode aumentar a imunidade , limitando a inflamação. Por outro lado, altos níveis constantes desse hormônio podem dificultar a resposta anti-inflamatória do corpo e causar infecções contínuas, de acordo com estudos recentes de pesquisa em imunologia.

O estresse também diminui os linfócitos, os glóbulos brancos que ajudam a combater a infecção. Quanto menor o nível de linfócitos, maior o risco de vírus, incluindo o resfriado e o herpes labial.

"Existe uma disfunção importante do sistema imune associada a essa cascata de alterações orgânicas que o estresse gera, expondo as pessoas a infecções e até mesmo a uma desregulação da imunidade, o que pode aumentar o risco de fenômenos autoimunes", pontua Leite.

A inflamação crônica promovida pelo estresse pode contribuir para o desenvolvimento e progressão de muitas doenças do sistema imunológico, como artrite, fibromialgia, lúpus, psoríase e doença inflamatória intestinal. A falta de sono e a alimentação inadequada também contribuem para a queda das defesas naturais, intensificando ainda mais esse impacto na imunidade.

Síndrome metabólica

Diante de situação desafiadora, ameaçadora ou incontrolável, o cérebro inicia uma cascata de eventos envolvendo o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, que é o principal impulsionador da resposta ao estresse endócrino. Isso acaba resultando em um aumento na produção de glicocorticóides, que incluem o cortisol.

Esses hormônios são importantes para regular o sistema imunológico e reduzir a inflamação. Mas, de forma crônica, o estresse pode prejudicar a comunicação entre o sistema imunológico e o eixo HPA, o que está associado ao desenvolvimento de problemas como fadiga crônica e doenças metabólicas.

O cortisol eleva os níveis de glicose no sangue e mobiliza ácidos graxos do fígado para ajudar o corpo a se preparar para a resposta ao perigo. No entanto, a persistência dessa reação aumenta a resistência à insulina e predispõe ao diabetes, obesidade, problema de colesterol e aceleração do processo de ateroclerose.

O endocrinologista Paulo Miranda, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), também alerta para a possibilidade de descompensação e piora no controle de doenças existentes.

"O diabetes, por exemplo, exige atenção na alimentação, prática de atividade física e uso regular da medicação. Se a rotina não envolver uma manutenção desse processo do tratamento, pode levar a uma descompensação da doença", conclui.

Músculos

Com o estresse de início súbito, os músculos ficam tensos de uma só vez. Quando o estresse passa, essa tensão é liberada. Por outro lado, se esse estado não passar, os músculos do corpo ficam em um estado de constante de vigilância. Isso pode ocasionar desde cefaleia tensional e enxaqueca até condições dolorosas crônicas secundárias a distúrbios musculoesqueléticos.

Saúde gastrointestinal

O intestino tem centenas de milhões de neurônios que podem funcionar de forma bastante independente e estão em constante comunicação com o cérebro. O estresse pode afetar essa comunicação e desencadear dor, inchaço e outros desconfortos intestinais. Além disso, o intestino tem uma barreira para proteger o corpo da maioria das bactérias relacionadas com os alimentos. O estresse pode tornar a barreira intestinal mais fraca e permitir que as bactérias intestinais entrem no corpo.

O estresse também gera alterações no estômago, como azia, refluxo, indigestão e esofagite. Um caso raro de espasmos no esôfago pode ser desencadeado por estresse intenso e pode ser facilmente confundido com um ataque cardíaco.

Saúde mental

O impacto na saúde mental talvez seja o efeito mais óbvio do estresse crônico. Segundo o Leita, psiquiatra do IPq, a condição é um gatilho para todos os transtornos mentais. Mas, no caso de políticos em campanha, o principal efeito do estresse seria o aumento risco de burnout. O problema é definido como o sofrimento social ou psíquico tem relação direta com a atividade profissional.

"O burnout é um horizonte bastante próximo para os candidatos devido a essa carga absolutamente extraordinária de estresse, pressão, preocupações, funções e agenda", avalia o médico.

Há também aumento do risco de transtornos relacionados à ansiedade, como crises de pânico, e à depressão, devido ao descuido com a própria saúde e à privação do sono.

"O sono é fundamental para o bem-estar físico e emocional. A privação do sono predispõe a alterações do humor e da função cerebral", complementa a neurologista Márcia Assis, vice-presidente da Associação Brasileira de Sono (ABS).

Voz

O principal instrumento de trabalho de um político é a voz. No entanto, no período de campanha eleitoral, esse instrumento não só se torna ainda mais imprescindível, como ele é usado à exaustão .

A fonoaudióloga Monica Bretas, coordenadora da Fonoaudiologia do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, explica que as cordas vocais são músculo e membrana. O esforço demandado por uma campanha eleitoral, sem condicionamento, sobrecarrega esse músculo, o que dá origem a todos os problemas citados anteriormente.

"É como se uma pessoa que faz uma caminhada e ocasionalmente corre 5km de repente precisasse correr uma maratona, sem um preparo específico. Há aumento do risco de lesão e desgaste muscular", explica Bretas.

O processo de produção da voz envolve a saída do ar do pulmão, a passagem pelas cordas vocais, que causa sua vibração, e, enfim, a articulação do som pela boca. Em condições normais, as cordas vocais vibram em um padrão de duas ondas leves, uma tocando a outra.

Quando a pessoa precisa falar mais alto ou gritar, a vibração da corda vocal é feita com mais esforço e as membranas batem mais forte uma com a outra. Isso gera edema e inflamação. Se a membrana está inchada, seu padrão de vibração fica alterado porque ela está mais pesada.

O esforço também gera sobrecarga no músculo do pescoço. Sem um preparo anterior, em pouco tempo de esforço contínuo a conta chega em forma de rouquidão, ruido ou quebras, a voz começa a desafinar, dissono e, até mesmo, a perda completa da voz por um período.

A falta de sono e a alimentação inadequada também prejudicam a voz. Se não houver cuidado, pode haver consequências de longo prazo, como calos e outras lesões nas pregas vocais.

Condições dermatológicas

Segundo o psiquiatra Rodrigo Martins Leite, doenças dermatológicas também têm uma relação muito grande com o estresse. Estudos mostram que o estresse agudo e crônico pode exercer efeitos negativos no bem-estar geral da pele, além de exacerbar condições já existentes, incluindo psoríase, eczema, acne e queda de cabelo.

A explicação para isso está na produção de fatores pró-inflamatórios locais e de catecolaminas. Essas substâncias fundamentais na resposta de luta ou fuga podem direcionar células imunes da corrente sanguínea para a pele ou estimular células pró-inflamatórias da pele. Os mastócitos, por exemplo, são um tipo chave de células pró-inflamatórias da pele; eles respondem ao cortisol e contribuem diretamente para uma série de condições da pele, incluindo coceira.

O estresse também pode romper a barreira epidérmica, a camada superior da pele, e prolongar seu reparo. Isso pode levar a irritação local e a condições crônicas, incluindo eczema, psoríase ou feridas.

O aumento dos níveis de hormônios do estresse também não são exatamente os aliados de uma aparência jovial. A contração dos vasos sanguíneos reduz o fluxo de oxigênio e nutrientes para a pele que fabrica colágeno, proteína que dá sustentação à pele. O corpo também inicia um processo de produção de radicais livre. Quando eles livres atingem o DNA, pode levar ao câncer de pele. Quando o alvo são a elastina e o colágeno, o resultado são linhas finas, rugas e flacidez.

O cabelo também sofre os efeitos negativos do estresse. O eflúvio telógeno, um tipo de perda capilar difusa, pode ser desencadeado pelo estresse. Estudos em animais também mostraram que o estresse literalmente contribui para os cabelos brancos, por meio da estimulação da norepinefrina, uma catecolamina que esgota as células-tronco produtoras de pigmentos dentro do folículo piloso.

Expectativa de vida

Não há evidências que avaliem o impacto da campanha eleitoral, especificamente, na expectativa de vida . Entretanto, diversas evidências mostram o impacto negativo do estresse na longevidade.

Um estudo feito pelo Instituto Finlandês de Saúde e Bem-Estar concluiu que o estresse excessivo reduziu a expectativa de homens em 2,8 anos e, de mulheres, em 2,3 anos.

Outro trabalho, feito pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, mostrou que o estresse acelera o envelhecimento e diminui a longevidade. Isso porque, segundo a pesquisa, o estresse prolongado pode aumentar, o risco de doenças cardíacas , dependência química e doenças psiquiátricas como transtornos de humor e transtorno de estresse pós-traumático .

Entre no  canal do Último Segundo no Telegram e veja as principais notícias do dia no Brasil e no Mundo.  Siga também o  perfil geral do Portal iG.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!