A febre dos bebês reborn: do lúdico ao risco à saúde mental

Comportamento de colecionadoras tem causado polêmica; para psicóloga é importante estabelecer limites

Os bonecos hiperrealistas, que imitam bebês reais, custam até R$ 10 mil
Foto: Reprodução
Os bonecos hiperrealistas, que imitam bebês reais, custam até R$ 10 mil



Fabricados artesanalmente, os bebês reborn viraram assunto em todo o Brasil, principalmente nas últimas semanas.

Esses bonecos hiper-realistas que imitam bebês reais, incluindo o peso, a textura e a cor da pele, os cabelos e as expressões, custam de R$ 500 a até R$ 10 mil, dependendo do material utilizado na sua fabricação e da demanda; algumas artesãs recebem encomendas de mulheres que querem uma réplica de seus filhos quando bebês.

Essa personalização torna cada boneca única, aumentando ainda mais seu valor sentimental e de mercado.

E as artesãs, também chamadas de cegonhas, têm lucrado com o mundo reborn. Empreendedora, elas diversificam, incluindo no pacote um enxoval completo com fraldas, mamadeira, chupeta e até certidão de nascimento e carteirinha simbólica de vacinação.

Há também as organizadoras de festa de aniversário de bebês reborn, com direito a buffet completo.

Com o mercado aquecido pela febre e pela polêmica que gira em torno dela, é grande a oferta de bonecos e de serviços que envolvem o mundo reborn.

O que há por trás dessa febre?

Bebê reborn não é novidade no mercado. Eles se popularizaram mundialmente nos anos 1990, a partir de sua criação nos Estados Unidos .

Desde então, eles são comercializados no mundo todo e muitos colecionadores começaram a se mostrar nas redes sociais, principalmente na época da pandemia de Covid-19 .

Mas foi, recentemente, no Brasil que eles ganharam muito destaque nas redes sociais e na mídia em geral, com influenciadoras postando suas rotinas de cuidados com o boneco, como trocar fraldas e colocar para dormir.

A partir daí, apareceram colecionadoras reivindicando atendimento médico para seus “bebês”, pediatras comunicando que não atendem bebê reborn e uma série de outras situações que gerou polêmica e debates.

No Rio de Janeiro , a Câmara Municipal aprovou, em 8 de maio, o projeto de lei que institui o “Dia da Cegonha Reborn" .

Outro caso que ganhou notoriedade envolve um casal que, após o fim do relacionamento, passou a disputar a “guarda” de uma boneca reborn.

Para especialistas em comportamento humano, a febre dos bebês reborn como um fenômeno social complexo pode ter significados simbólicos saudáveis, mas que exige atenção quando ultrapassa os limites da fantasia e passa a comprometer a saúde mental e a funcionalidade da pessoa.

Estabelecer limites e considerar riscos

Em entrevista ao Portal iG , a psicóloga Angelita Traldi, coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera, afirma que a rotina com os bebês reborn pode ser uma brincadeira saudável para algumas pessoas, especialmente aquelas que o fazem como uma forma de expressão criativa ou terapêutica.

A psicóloga Angelita Traldi, coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera
Foto: Reprodução
A psicóloga Angelita Traldi, coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera


“Mas, como qualquer atividade, é importante estabelecer limites e considerar os possíveis riscos. A brincadeira pode passar do aceitável quando interfere com as relações reais. Se a pessoa começa a priorizar o relacionamento com o boneco sobre as relações com pessoas reais, pode ser um sinal de que a brincadeira está passando do aceitável”.

Angelita Traldi aponta como ponto problemático da brincadeira com o bebê reborn quando ela afeta a saúde mental e social.

“Se a pessoa começa a experimentar sintomas de ansiedade, depressão ou outros problemas de saúde mental relacionados à brincadeira, é importante buscar ajuda”.

Ainda segundo a psicóloga, outro sinal de alerta que denota a necessidade de a pessoa receber ajuda de um especialista é quando há perda de contato com a realidade.

“A pessoa começa a acreditar que o boneco é real ou a tratá-lo como se fosse uma pessoa real de forma excessiva. E também se a pessoa começa a priorizar o relacionamento com o boneco sobre as relações com pessoas reais, isso pode ser um sinal de que a brincadeira está passando do aceitável”.

Uso terapêutico

Para muitos colecionadores, essas bonecas são itens de valor emocional , representando uma conexão especial com a infância ou com a ideia de maternidade.


Mas algumas pessoas utilizam as bonecas reborn como parte de terapias para lidar com a perda ou a solidão.

A psicóloga Angelita Traldi destaca o uso positivo do bebê reborn como ferramenta terapêutica .

“A terapia com bebês reborn pode ser aplicada em vários contextos, como, por exemplo, a terapia para lidar com o luto. Nesse caso, ele pode ajudar as mães que perderam um filho a lidar com o luto e a processar suas emoções”.

Um trabalho apresentado no 10º Congresso Internacional de Envelhecimento Humano , em 2023, mostrou que a terapia com bonecos hiper-realistas pode auxiliar idosos com Alzheimer .

A pesquisa comprovou a contribuição desta terapia para a recuperação da capacidade emocional dos idosos submetidos à intervenção e manuseio das bonecas. Há desenvolvimento de afeição, socialização e sentimento de utilidade que resgatam a memória afetiva dos pacientes.

“Nesse caso, a terapia com o boneco reborn pode ser usada para estimular a memória e a emoção em pessoas com Alzheimer”.

Para além da utilização terapêutica, os especialistas concordam que a linha entre o significado lúdico e o transtorno psicológico é tênue e requer atenção.