Bebidas muito quentes podem aumentar o risco de câncer de esôfago

Consumir mais de quatro xícaras de bebidas muito quentes por dia aumenta o risco para o tipo mais comum de tumor no esôfago no Brasil

Pessoas que tomavam até quatro xícaras por dia, apresentaram um risco duas vezes maior
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Pessoas que tomavam até quatro xícaras por dia, apresentaram um risco duas vezes maior

Tomar uma xícara de café ou chá bem quente, logo após o preparo, é um hábito na rotina de muitos brasileiros. No entanto, um novo estudo divulgado no British Journal of Cancer faz um alerta crucial: a temperatura da bebida pode ter relação com o risco de desenvolver câncer de esôfago, conforme noticiado pela Agência Einstein.

A pesquisa, conduzida com dados do UK Biobank, acompanhou quase 455 mil pessoas por mais de 11 anos para analisar como a frequência e a temperatura dos líquidos ingeridos influenciam o aparecimento da doença.

Durante o acompanhamento, foram registrados 710 casos de adenocarcinoma de esôfago e 242 diagnósticos de carcinoma de células escamosas (CCE), os dois principais subtipos da doença. Os pesquisadores observaram que, enquanto o consumo moderado de bebidas quentes não demonstrou relação com o adenocarcinoma, houve um aumento significativo de risco para o carcinoma de células escamosas.


O risco se mostrou especialmente elevado entre aqueles que consomem mais de quatro xícaras diárias de bebidas classificadas como “muito quentes”. O CCE, que surge nas células que revestem o esôfago, está historicamente mais associado a fatores como tabagismo e consumo de álcool . Já o adenocarcinoma, mais ligado à obesidade e ao refluxo gastroesofágico crônico, se origina nas glândulas próximas à junção com o estômago.

A pesquisa reforçou que quanto mais quente e frequente o consumo, maior o risco de desenvolver a doença. Pessoas que tomavam até quatro xícaras por dia de líquidos fumegantes apresentaram um risco duas vezes maior de desenvolver o CCE em comparação a quem preferia bebidas mornas. Entre os que ultrapassavam oito xícaras diárias, o risco chegou a ser cinco vezes maior . A explicação científica reside no efeito térmico sobre o revestimento esofágico.

“O mecanismo provável é a lesão térmica repetida da mucosa esofágica, que provoca inflamação crônica e regeneração celular contínua,” analisa a oncologista Ludmila Koch, do Hospital Israelita Albert Einstein.

Ela explica que, com o tempo, esse processo pode favorecer mutações no DNA das células e aumentar o risco de formação de tumores.

Esta associação já havia sido levantada em 2016, quando a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou o consumo de bebidas acima de 65∘C como “provavelmente carcinogênico para humanos”.

O que aconselham os especialistas?

O novo estudo, com dados de uma população ampla, reforça essa hipótese. Diante disso, a recomendação dos especialistas é simples: espere o líquido amornar.

“A OMS considera 60∘C a 65∘C como o limite seguro para ingestão. Mais importante do que medir é evitar ingerir o líquido logo após o preparo, quando ainda está fervendo. O ideal é esperar alguns minutos até que a bebida esteja morna e confortável ao paladar,” sugere a oncologista Koch, especialista em tumores de cabeça e pescoço.

O alerta é relevante para o Brasil, um dos maiores consumidores de café do mundo, onde bebidas como o chimarrão (tradicionalmente consumido em alta temperatura no Sul do país) já foram apontadas em pesquisas locais como fator de risco para o CCE.

É importante notar que outros hábitos e doenças, como tabagismo, consumo excessivo de álcool, obesidade, refluxo gastroesofágico e dieta pobre, aumentam o risco e têm um efeito somatório. O câncer de esôfago é o sexto mais frequente entre homens no Brasil e tem sintomas tardios, como dificuldade para engolir (disfagia) e perda de peso não intencional, o que dificulta o diagnóstico precoce. Apesar dos dados, a Dra. Koch reforça que o estudo não condena o consumo de café ou chá.

“Se tomadas em temperatura moderada, elas mantêm seus benefícios cardiovasculares e metabólicos já demonstrados. O que precisamos mudar é o hábito de ingeri-las muito quentes,” conclui.