Como você descreveria o cheiro da chuva para alguém que não sente cheiro algum?
Ou uma nova camada de tinta? Ou o perfume de um buquê de rosas?
Para Yazmin Salazar, é o marido que geralmente descreve esses cheiros para ela. "Ele faz às vezes de meu nariz", diz ela.
"Ele me disse que o cheiro do mel é vibrante, mas reconfortante - parecido com a sensação dos raios de sol na pele quando você seca depois de um mergulho."
Yazmin, de 38 anos e moradora da cidade de Phoenix, no Estado americano do Arizona, não tem olfato.
Sua condição é conhecida como anosmia, que agora está no centro das atenções por ser um sintoma reconhecido da covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, que centenas de milhares de pessoas estão experimentando em todo o mundo.
Mas para Yazmin, é algo com que ela vive desde o nascimento.
Risco de depressão
A anosmia pode afetar significativamente a qualidade de vida.
"Já está mais do que comprovado que pessoas que perdem o olfato são mais vulneráveis à depressão", diz Sarah Oakley, diretora executiva da AbScent, uma organização com sede no Reino Unido que promove a conscientização sobre a anosmia.
Não se trata de uma condição generalizada. Estimativas apontam que cerca de 5% da população mundial sofre com o distúrbio de olfato.
"As causas mais comuns de anosmia são infecções, como resfriado, gripe ou sinusite", explica Oakley.
"Outras causas incluem traumatismo craniano, tratamento com radiação para câncer de cabeça e pescoço, abuso de drogas e tabagismo e algumas condições neurodegenerativas, como Mal de Parkinson e Alzheimer."
Mas também é uma condição que pode se desenvolver com a idade. "Talvez ainda menos conhecido seja que nosso olfato se deteriora com a idade", acrescenta ela.
"Acredita-se que cerca de 30% das pessoas com mais de 75 anos sejam anósmicas."
'Pensei que aprenderia a cheirar'
Yazmin percebeu que algo estava errado com ela na 2ª série, durante uma brincadeira em sala de aula. Ela e outras crianças receberam adesivos que emitiam cheiros quando riscados.
Observada pelos colegas, Yazmin pegou um deles.
"Qual fragrância você pegou?", um colega lhe perguntou. Yazmin não sabia o que responder.
Ela começou a se perguntar, então, se os outros haviam aprendido a cheirar coisas, e se ela podia fazer o mesmo.
"Comecei a imitar muitas das reações dos meus colegas e da minha família", diz ela.
"Se algo estava fedorento e todo mundo reclamava, ou algo cheirava bem - eu imitava todo mundo."
Ela fez isso até a 7ª série, quando, enfim, compartilhou sua angústia com a mãe. "Ela ficou surpresa e imediatamente me levou ao médico, mas ele apenas me pediu para continuar minha vida e tomar alguns cuidados extras", lembra ela.
"O termo anosmia não surgiu durante a nossa conversa", acrescenta.
Com o passar dos anos, ela começou a se adaptar à vida com apenas quatro sentidos.
Yazmin diz que passou a contar sobre sua condição a pessoas mais próximas, para que soubesse se precisava usar um desodorante, por exemplo. Ou se a sobra de comida já havia estragado.
Mas isso nem sempre funcionou. "Nunca fui capaz de dizer se estou cheirando bem ou mal e, por isso, passei por várias experiências constrangedoras, principalmente no trabalho", diz ela.
"Como quando me esqueci de passar desodorante e meu colega percebeu."
Ela agora carrega um "kit de higiene" com todos os seus itens essenciais.
Sarah Oakley, da AbScent, viu situações semelhantes acontecerem com outras pessoas com anosmia: "Um de nossos membros descreveu não ser capaz de cheirar o odor de seu corpo como 'olhar no espelho e não ver seu reflexo'."
'Menti para todo mundo e para mim mesmo por anos'
Rakesh Kamal, que vive na cidade de Hyderabad, no sul da Índia, também sofre de anosmia congênita e nunca teve olfato.
Ele diz acreditar que a condição pode ser genética em seu caso. "Meu avô também enfrentava os mesmos problemas, mas nunca falou sobre isso."
Rakesh instalou um detector de gás e fumaça em sua casa e não se afasta mais do fogão quando prepara comida.
"Quase tivemos um acidente pois minha esposa estava dormindo e não consegui sentir um cheiro de queimado na cozinha", diz ele.
"Foi só quando a fumaça atingiu o corredor que percebi que uma grande tragédia poderia ter ocorrido."
Como Yazmin, ele manteve sua condição em segredo por anos. "A primeira pessoa para quem contei foi minha companheira, e eu tinha 21 anos na época", lembra ele.
"Todos esses anos, menti para meus pais, amigos e até para mim mesmo, porque pensei que ninguém acreditaria em mim - é uma condição da qual ninguém fala."
Mas desde que a anosmia se tornou um assunto durante a pandemia, Rakesh vem falando sobre sua condição publicamente, para promover maior consciência.
"À medida que crescemos, aprendemos sobre pessoas que não podem ver ou ouvir, mas ninguém fala sobre pessoas que não podem sentir cheiro", diz ele.
"Podemos começar apresentando a palavra 'anosmia' a nossos filhos."
'A ideia de perder meu olfato me deixou em pânico'
Para algumas pessoas, como a chef Joshna Maharaj de Toronto, no Canadá, a perda do olfato pode ser um processo gradual.
No caso dela, o fator desencadeante foi uma sinusite extrema que provocou a formação de pólipos - crescimentos não cancerosos ligados à inflamação crônica - em sua passagem nasal.
No início, ela começou queimando comida na cozinha sem perceber. Logo, não conseguia sentir o cheiro do defumador de carne na churrascaria.
"Perder o olfato me deixou em pânico - especialmente pelas implicações profissionais disso - a tal ponto que me desliguei de tudo", diz ela.
Ela passou a ser extremamente cuidadosa, usando timers de cozinha para tudo, na eventualidade de não poder contar com seu nariz.
No início deste ano, ela publicou um post no Instagram, revelando sua condição e anunciando que havia começado um treinamento para tentar recuperar o olfato.
Pesquisas indicam que esse tipo de treinamento pode não significar a cura da anosmia, mas pode melhorar as chances de recuperação do paciente, estimulando os nervos olfativos, que transmitem a sensação do olfato ao sistema nervoso central.
'O foco atual na anosmia traz um raio de esperança'
Foi um dia particularmente ruim em 2016 que levou Yazmin a começar a documentar suas experiências em seu blog 'The Girl Who Can't Smell' ('A Menina Que Não Consegue Cheirar', em tradução livre).
"Sempre que cometia um erro relacionado ao cheiro, meu coração pesava. Mas então decidi mudar minha mentalidade e aumentar a conscientização."
"Achei que poderia ajudar pelo menos uma pessoa a se sentir um pouco menos sozinha em sua condição."
Yazmin aprendeu a usar o humor para descrever situações constrangedoras e personagens de animação para dar dicas de como lidar com a anosmia.
"O foco atual na condição devido à pandemia é uma fresta de esperança", diz ela. "É um alívio saber que o público está mais informado sobre isso."
Oakley, da ABScent, concorda.
"Ainda há muito mais para entender sobre a anosmia", diz.
"Nós apenas esperamos que os níveis atuais de interesse na condição se traduzam em projetos de pesquisa financiados", acrescenta.