Não bastasse a ameaça do novo coronavírus (Sars-Cov-2) por si só, o Brasil corre o risco de lidar com mais problemas em relação à Covid-19. Se o governo não buscar vacinas adicionais contra a doença, apenas uma parcela da população será imunizada. E mais, os brasileiros poderão ter de lidar com novas variantes do vírus a partir do segundo semestre.
O alerta é da professora Cristiana Toscano, do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás (UFG), única brasileira membro do Grupo Estratégico Internacional de Experts em Vacinas e Vacinação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu Grupo de Trabalho de Vacinas para Covid-19.
Seu aviso vem num momento em que as mutações do vírus se transformaram na maior ameaça para frear a pandemia. Em seu último informe semanal, a OMS indicou que, em Manaus, a variante do vírus já passou a ser predominante.
“Manaus tem o potencial para se tornar um risco global, além de estar enfrentando uma situação epidemiológica que representa um fiasco das ações de saúde pública local e nacional”, avaliou a especialista em entrevista ao Uol .
Ela lembra que a conduta do Brasil diante da identificação da mutação é incorreta e bem diferente de outros países, que passaram a exigir testes para diminuir a velocidade de propagação da nova variante brasileira em seus territórios.
“No Brasil, não há vacinação intensificada em Manaus, não houve restrição de circulação de pessoas em Manaus ou nenhuma outra ação de saúde pública objetivando a contenção da nova variante. Nada. Então as pessoas entram e saem de Manaus e estão circulando no Brasil inteiro. A vacinação chegou a ser suspensa. Tudo o que não deveria ocorrer esta ocorrendo”, advertiu.
Nesta semana, Cristiana Toscano, esteve diretamente envolvida no aval da OMS para a vacina da AstraZeneca. Ela ainda participou da reunião promovida pela organização para discutir como melhorar globalmente o monitoramento de novas variantes e avaliação de eficácia de vacinas.
Para ela, a vacinação deve ocorrer de forma “rápida e eficiente, e não arrastada.” O argumento é claro: uma imunização lenta abre novas possibilidades para a evolução do vírus e o surgimento de novas variantes. Nesse aspecto, o Brasil vive uma ameaça.
Como impedir o surgimento de variantes?
Segundo a especialista, a melhor forma de coibir o surgimento de variantes é reduzir a transmissão viral por meio do distanciamento social e a vacinação. Mas se o vírus continuar a circular em uma população parcialmente imune, trata-se de um “estímulo para o aparecimento de novas variantes”.
“Sabemos vacinar. Mas precisamos de mais doses, de coordenação nacional, de sistemas de informação e monitoramento funcionantes. É só fazer a matemática: teremos vacinas para os grupos de risco para o primeiro semestre”, disse. “Mas isso é apenas um terço para da população. Ou o Brasil vai atrás já por mais vacinas para o restante da população, ou vamos chegar em agosto com o grupo prioritário vacinado lentamente e o resto da população sem nada. O resultado poder ser o enfrentamento de mais uma nova variante e perspectivas mais longínquas para a superação da pandemia”, alertou.
“O mundo sabe que temos capacidade técnica e científica. Mas, por falta total de liderança, coordenação e transparência, o processo está em risco. O Brasil está deixando um vácuo, nacional e internacional. E isso é vergonhoso. E a situação epidemiológica da pandemia no Brasil é o retrato de tudo isso”, completou.