Quando a Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Boca do Acre - localizada a 1.555km de Manaus e a três horas e meia de distância da capital acreana - recebeu a missão de vacinar a população de risco contra a Covid-19, o esquema de grandes proporções considerava apenas a possibilidade de cheia anual dos rios Acre e Purus. O que ocorreu em 2021, porém, acrescentou dificuldades inimagináveis à ação: em estado de calamidade decretado e sem abastecimento de água potável, o município já possui 90% da população afetada pela enchente .
Apenas um bairro, a Cidade Alta, não foi atingido e abriga, agora, o único hospital em funcionamento, além dos órgãos da prefeitura. “seis das sete unidades de saúde foram afetadas pela cheia, sendo três Unidades Básicas de Saúde , uma clínica médica, o laboratório central e o centro odontolígico”, explica o secretário municipal de Saúde, Manuel Barbosa. Diante da crise, a alternativa para garantir a imunização dos idosos no município de 34,6 mil habitantes foi uma só: alcançar cada um dos vacinados de barco ou canoa para aplicar doses contra Covid-19.
“Trabalho na área há 20 anos e essa foi uma das ações mais difíceis que já participei”, conta o agente de saúde Adriano Castro, que carrega a caixa térmica de isopor com as doses da vacina até a residência dos moradores ilhados. “Não é só se locomover nas águas: há lugares em que os barcos não passam, porque tem cerca. Tem as corredeiras. Nós precisamos descer, precisamos passar por água suja, de esgoto. Há enfermeiros que passam por animais”, explica.
Apesar dos riscos, Adriano é enfático ao dizer que se sente orgulhoso do próprio trabalho. “É muito dificultoso mas existe a gratificação, que é ver o sorriso das pessoas que estavam ansiosas para receber a vacina”, diz. Segundo o consolidado diário de vacinação da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), até esta sexta-feira (5), 2.261 pessoas foram vacinadas em Boca do Acre .
Você viu?
Adriano é um dos 98 agentes de saúde que trabalham em Boca do Acre para ajudar na vacinação
, entre grupos que visitam residências e abrigos e a equipe que trabalha na unidade de saúde fluvial. De acordo com a secretaria municipal, todos os profissionais estão envolvidos na ação, que segue enfrentando as dificuldades de locomoção e abastecimento de água e alimentos.
Segundo boletim da Defesa Civil, o nível dos rios ainda está 60 centímetros acima do nível de transbordamento total, chegando a 20,60 metros. A cheia
é a maior desde 1997.
Agentes também precisam combater desinformação
Além das águas, os agentes explicam que existem outros obstáculos com os quais se deparam nessa campanha de vacinação: “uma grande dificuldade é que algumas pessoas estão acreditando em informações erradas das redes sociais, que dizem que a vacina de Covid-19 vai fazer mal para elas. Isso gera uma resistência que nós temos que contornar", conta Manuel Lima, agente de saúde há 23 anos. "Em um dos casos, precisei ir três vezes na casa de uma mulher que não queria tomar vacina até convencê-la com muita conversa”, diz.
O objetivo principal, porém, tem sido alcançado: “até agora a gente não perdeu uma única dose da vacina no nosso município. Nós sabemos que as pessoas não podem ficar sem vacina”, confirma Manuel, que explica que uma das grandes preocupações da secretaria é garantir que as pessoas que já receberam a primeira dose, consigam tomar a segunda. “As pessoas que ficaram de voltar na UBS não conseguiram chegar até lá devido à enchente, então a gente pega a relação das pessoas com nome e endereço e vai vacinar de barco”, diz.