A Organização Mundial da Saúde (OMS) deve retomar em breve um de seus maiores programas contra a pandemia, o Solidarity, que testa o reposicionamento de drogas, informou a revista científica Nature. A etapa anterior do Solidarity foi concluída em outubro de 2020 após provar que nenhuma das quatro drogas que avaliava — hidroxicloroquina, rendesivir, interferon e o coquetel anti-HIV lopinavir e ritonavir — era capaz de salvar a vida ou reduzir o tempo de hospitalização de pacientes com Covid-19.
Desta vez, segundo a revista científica Nature, a OMS vai deixar de lado os medicamentos com possível ação antiviral, caso dos quatro avaliados no ano passado. Vai investigar a eficácia de três remédios contra a inflamação
causada pela reação descontrolada do sistema imunológico, considerada o maior fator de agravamento da Covid-19.
Uma das drogas é usada contra doenças autoimunes e se chama infliximabe. Outra é o imatinibe, empregado no combate de alguns tipos de câncer. A terceira droga é o artesunato, considerado a escolha de primeira linha contra o tratamento da forma grave de malária.
As três drogas foram selecionadas após resultados promissores em testes menores e por terem ampla disponibilidade, explicou à Nature John-Arne Røttingen, diretor científico do Instituto de Saúde Pública da Noruega e presidente do comitê internacional do Solidarity.
Røttingen salientou que nenhum dos quatro tratamentos testados em 2020 mostrou resultado. O rendesivir, que foi aprovado pela Anvisa para uso conta a Covid no Brasil, obteve efeitos limitados, mas é uma droga cara e menos disponível.
Os testes do Solidarity em 2020 envolveram 11 mil pacientes, hospitalizados em 30 países, inclusive no Brasil. Ainda não foram oficialmente divulgados os centros escolhidos para a nova etapa.
A única droga com efeitos significativos comprovados contra a Covid-19 foi o corticoide dexametasona, bem avaliada pelo estudo Recovery, realizado no Reino Unido.
A dexametasona, assim como outros corticoides também em uso atualmente no tratamento da Covid-19, atua sobre a inflamação. Ela reduz as mortes e o número de pessoas que precisam de oxigênio suplementar ou ventilação.
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Um outro grande estudo internacional chamado REMAP-CAP também trouxe resultados animadores no ano passado ao revelar que os medicamentos que inibem uma proteína chamada receptor de interleucina 6 podem diminuir a mortalidade de pacientes com Covid-19 em estado crítico. Essas drogas também atuam contra a inflamação.
Tratamento atual se baseia em corticoides e bloqueadores de proteína específica
Atualmente, o tratamento padrão contra a Covid-19 grave no mundo é baseado em corticoides e bloqueadores do receptor de interleucina 6. Porém, a OMS planeja encontrar opções ainda mais eficientes e disponíveis. Isto porque alguns pacientes não respondem a esse tratamento, e morrem.
O chefe do comitê do REMAP-CAP, Anthony Gordon, pesquisador do Imperial College London, explicou na Nature que existem pacientes com respostas imunológicas insensíveis à ação do tratamento padrão.
A primeira dos remédios testados é o infliximabe. Trata-se de um medicamento empregado contra doenças autoimunes, como a artrite reumatoide. O infliximabe bloqueia uma substância chamada fator alfa de necrose tumoral (TNF-α).
Essa substância costuma ser uma aliada no combate à infecção. Ela é produzida pelos macrófagos, células do sistema imunológico, e causa inflamação, um dos mecanismos de defesa do corpo. O problema é que na Covid-19, por motivos desconhecidos, há uma hiperinflamação descontrolada, e o corpo acaba vítima de fogo amigo.
Já a segunda droga, o imatinibe, poderia combater tanto a infecção pelo coronavírus propriamente dita quanto a inflamação deflagrada por ela. O imatinibe é mais conhecido pelo nome comercial Gleevec. É usado contra leucemia mieloide crônica e outros cânceres.
Estudos pequenos sugeriram que o imatinibe impede que o vírus entre nas células. Ele também reduz a ação das citocinas. Estas são produzidas pelo sistema imunológico e causam inflamação. Uma das vantagens do imatinibe seria evitar infiltrações no pulmão, uma complicação de casos críticos da Covid-19.
O terceiro medicamento é o artesunato. Trata-se de uma droga contra a malária bem conhecida e que substituiu há anos a cloroquina no tratamento das formas mais graves de malária. O artesunato tem conhecida ação antiinflamatória.