RIO - Especialistas em saúde pública alertam que a proposta do presidente Jair Bolsonaro de desobrigar o uso de máscaras por quem já se vacinou ou se infectou pela Covid-19 é “totalmente inadequada” e pode contribuir para o aumento do número de casos no país.
O infectologista Júlio Croda, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), alerta que as máscaras formam uma barreira física ao vírus, o que impede a contaminação de pessoas que não estão infectadas. Por isso, estes também precisam usar máscaras.
Além disso, segundo Croda, as vacinas não evitam a contaminação de quem já foi imunizado. Isso significa que essas pessoas têm menos chances de contrair a forma grave da Covid-19, mas que podem transmitir o vírus.
— O objetivo da vacina, neste momento, é prevenir os casos graves. A pessoa imunizada pode estar protegida de ser hospitalizada e de vir a óbito, mas pode virar uma fonte de transmissão para outras. Imagina isso nos ônibus, por exemplo. Do ponto de vista técnico, é uma medida totalmente inadequada.
Em pronunciamento na noite desta quinta-feira, o presidente afirmou que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, vai “ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados”.
— Para tirar esse símbolo... que obviamente tem sua utilidade, para quem está infectado — disse o presidente.
De acordo com a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo, colunista do GLOBO, mesmo os imunizados podem adoecer.
— Embora as vacinas que estamos usando sejam de muito boa taxa de proteção, elas não fazem milagre quando a transmissão na comunidade está muito alta. Enquanto nós não diminuirmos o contágio e obtivermos uma taxa de vacinação de 70%, ainda estamos sob risco — afirmou, à Globonews.
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Essa é, na avaliação dela, a diferença do Brasil com os EUA, que liberaram o uso de máscara por pessoas vacinadas, mas apenas em locais abertos. Lá, a taxa de contágio está em menos de 10 casos por cem mil habitantes, enquanto no Brasil varia entre 25 e 35. Além disso, já vacinou 43% da população.
— Eles estão com a epidemia absolutamente controlada, com baixo contágio e ocupação dos leitos. Enquanto aqui, vemos cidades voltando a taxas de transmissão próximas a 1, o nível mais perigoso que indica situação muito grave — avalia.
Mesmo que saia do papel, uma determinação desobrigando o uso de máscara feita pelo Ministério da Saúde não deve ter efeitos práticos, na avaliação de Paulo Almeida, advogado do Instituto Questão de Ciência. Segundo o especialista, ela não anularia normas estaduais ou municipais que obrigam o uso do equipamento.
— Esse tipo de movimentação, ainda mais com a CPI tão esquentada, é mais uma tática de cortina de fumaça para desviar a atenção de outros assuntos do que uma medida prática. Inevitavelmente, será derrubada — afirma.
De acordo com o advogado, o STF decidiu, no começo da pandemia, que estados e municípios têm competência concorrente na área da saúde pública com a União e também podem determinar regras de isolamento, quarentena e restrição de transporte para combater a pandemia, além de determinar o uso obrigatório de máscaras.
— Essa decisão do STF se mantém. O que pode acontecer é, eventualmente, o governo judicializar a questão, ela voltar para o Supremo, mas muito provavelmente a União perde de novo.
Nas redes sociais, Queiroga afirmou que recebeu “há pouco” o pedido do presidente da República, Jair Bolsonaro, para produzir um estudo que trate da flexibilização do uso de máscaras, conforme o avanço da vacinação no país.
Também pelas redes, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, afirmou que, com quase 60 mil casos novos e 1.800 mortes por dia, não é momento de flexibilizar o uso de máscaras.
“Esse é o único resultado possível que um estudo razoável pode apontar. Não permita que o não uso de máscaras faça com que nossos terríveis números piorem ainda mais”, escreveu o secretário.