Um ano após terem sido internados por Covid-19, metade dos pacientes ainda experimenta algum sintoma. Apesar de a tendência geral ser de melhora, a parcela daqueles com dificuldade de respiração aumenta de 26% para 30%, concluiu o maior estudo de longo prazo feito até agora com vítimas do coronavírus.
O trabalho, realizado com 1.227 pacientes na China, mostra que na maioria das pessoas os sintomas tendem a sumir com o tempo. Numa avaliação feita 6 meses após a internação, 68% dos pacientes ainda relatava algum problema, e o número caiu para 49% passado um ano. Entre aqueles que tiveram a qualidade de vida mais afetada, porém, a situação piorou.
A quantidade daqueles que ficaram com dificuldade para andar depois do episódio de Covid-19 subiu de 6% para 9%, e relatos de ansiedade ou depressão aumentaram de 23% para 26%.
O levantamento, descrito em estudo na revista médica Lancet, foi feito com pacientes do Hospital Jin Yin-tan, de Wuhan, na China, o primeiro a receber grande volume de doentes no marco zero da epidemia.
“É preocupante o fato de dispneia (dificuldade de respiração), ansiedade e depressão serem mais frequentes aos 12 meses do que aos 6 meses apesar de o aumento na proporção ter sido relativamente pequeno no nosso acompanhamento”, afirmam em estudo na revista médica Lancet os autores do trabalho. “Nossos dados sugerem que uma recuperação plena após um ano não não é possível para alguns pacientes.”
Segundo os cientistas, liderados por Lixue Huang, da Universidade Médica Capital, de Pequim, um fator relevante para prever os sintomas de longo prazo é a condição do paciente durante o período de internação. Aqueles que chegaram a ser internados em UTI em geral tiveram sintomas mais duradouros após sair do hospital. Naqueles que precisaram de ventilação mecânica, a persistência desses sintomas foi ainda mais longa em média.
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Apesar de o estudo realizado agora ter sido feito só na China, por ter número grande de pacientes ele é um marco importante na literatura médica sobre a doença. Os números preliminares que vêm sendo divulgados por outros acompanhamentos indicam que mais países terão problemas similares.
Segundo a pneumologista Rosemeri Maurici da Silva, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, o Brasil caminha para números muito parecidos. A médica coordena um estudo de acompanhamento em menor escala, com 160 pacientes até agora, e diz que as conclusões do trabalho chinês estão mais ou menos em linha com o que se vê aqui.
"No Brasil, um grande percentual, algo em torno de 60%, deve apresentar alguma manifestação ainda depois de um ano da fase aguda da doença", afirma.
Segundo Silva, é importante que a maioria dos pacientes egressos de internações compreenda que o acompanhamento não termina ali.
"Com qualquer sintomatologia que ocorra após a fase aguda, a pessoa deve procurar um serviço de saúde para ser avaliada e ter tratamento adequado", diz.
Preparação pública
No resultado do estudo chinês, uma das preocupações dos pesquisadores é que, a despeito de uma tendência geral de a melhora de fato existir, ela é mais lenta do que se esperava. Isso significa que um certo nível de sobrecarga nos sistemas de saúde deve se perdurar por algum tempo, e gestores da área de saúde precisam se preparar para isso.
Segundo Silva, da UFSC, é importante que os problemas respiratórios ganhem atenção das políticas públicas, porque são os mais persistentes no longo prazo.
"Neste momento, o que nós temos de serviços de reabilitação pulmonar no Brasil dá conta, parcialmente, dos pacientes com problemas respiratórios crônicos, como asma brônquica, fibrose cística e outros. Se para esses a gente já tem dificuldade de encaminhamento, e adicionalmente nós teremos uma carga de pacientes muito maior, me parece que teríamos que ter uma estruturação maior nesse sentido", diz a pneumologista.