Vacinas atuais podem não dar a mesma proteção contra ômicron, dizem especialistas
Michelle Roberts - Editora de saúde da BBC News
Vacinas atuais podem não dar a mesma proteção contra ômicron, dizem especialistas

Quinze dias após a Organização Mundial da Saúde (OMS) ser notificada sobre a descoberta da Ômicron no Sul da África, as incertezas ao redor da nova variante da Covid-19 ainda são muitas. Os primeiros sinais que emergem do continente, onde estão concentrados 46% de todos os casos confirmados da cepa, são mistos: se ela parece ter ao menos algum grau de escape vacinal e maior transmissibilidade, também aparenta causar quadros mais leves da doença.

O número de pessoas diagnosticadas com Covid no território da África do Sul, o primeiro país a detectar a Ômicron, aumentou 255% na última semana, disse o braço regional da OMS nesta quinta. Não se sabe quantos deles foram infectados com a nova cepa, pois o sequenciamento do vírus é feito em apenas uma parcela as amostras, mas especialistas creditam a nova onda ao menos parcialmente à variante.

Em um mês, entre 8 de novembro e 8 de dezembro, a média móvel sul-africana disparou de 264 casos diários para 13,5 mil. A tendência é que haja uma nova alta nesta semana, após quase 20 mil infecções sere, detectadas na quarta-feira. A onda atual já ultrapassa a primeira vista no país, entre julho e agosto de 2021, quando a média móvel de casos chegou a um pico de 12,5 mil.

O surto atual ainda é mais brando que os dois mais recentes, quando a média de casos chegou à casa dos 19 mil, antes de cair. As mortes, por sua vez, continuam a ser uma fração do registrado em outros momentos — um possível sinal de que os sintomas da Ômicron são mais amenos que os causados por outras cepas.

No primeiro surto sul-africano de Covid-19, a média móvel de mortes diárias chegou a 297 e, nas ondas seguintes, a 577 e 419, respectivamente. Hoje, o país registra em média 23,86 mortes por dia, ou 0,4 para cada milhão de habitantes. A taxa do Brasil, que na quarta teve seu menor número de óbitos desde abril de 2020, é de 0,86. Até o momento, nenhum país registrou mortes causadas pela Ômicron.

Tanto as autoridades quanto a OMS destacam que ainda é cedo demais para tirar conclusões sobre a Ômicron, mas há outros sinais que indicam a ocorrência de casos menos graves em território sul-africano. Apenas 6% dos leitos de terapia intensiva do país, por exemplo, estão ocupados por pacientes com Covid, disse Thierno Balde, do braço regional da organização sanitária.

Menor necessidade de O2


Dados preliminares do Instituto Nacional para Doenças Comunicáveis referentes à região de Tshwane, que inclui Pretória, o epicentro da quarta onda sul-africana, mostram pouco mais de 1,6 mil internações por Covid entre 14 de novembro e 8 de dezembro. Destes, 31% foram casos graves, ou seja, que precisaram receber oxigênio ou serem postos em respiradores artificiais.

Na primeira onda do vírus, 67% dos casos foram considerados graves e na segunda, 66%. A organização alertou que o estudo tem limitações e que a gravidade pode aumentar conforme a quarta onda avança, mas as descobertas coincidem com os relatos de médicos locais.

A vizinha Botsuana, por sua vez, não viu um aumento das internações nas últimas duas semanas: na quarta, havia apenas um paciente de Covid ocupando leitos de terapia intensiva e a maior parte dos casos graves foram identificados em pacientes não vacinados — 21,6% da população do país completou seu ciclo de imunização, segundo o site Our World in Data. Até o momento, há 25 diagnósticos confirmados da Ômicron no país.

As estatísticas condizem com os relatos de médicos em clínicas pelo Sul da África, mas especialistas alertam que ainda é precipitado cravar que a Ômicron causa sintomas mais leves. E, mesmo que este seja o caso, o grande volume de casos pode por si só ser suficiente para sobrecarregar sistemas hospitalares.

Ainda é cedo demais para tirar conclusões sobre a transmissibilidade do vírus, mas há motivo para preocupação. Um dos sinais é o aumento exponencial na África do Sul. Outro vem de Oslo, na Noruega, onde mais de 120 pessoas, todas elas vacinadas, tiveram testes positivos após uma festa de Natal em um restaurante. Até o momento, já se confirmou que 19 destes casos são associados à Ômicron.

"Nada disso, por si só, diz que a cepa é mais transmissível" , disse à revista Science Kristian Andersen, pesquisadora de doenças infecciosas na Scripps Research. "Mas a Ômicron ainda é muito rara, então o fato de estarmos vendo casos iniciais associados com eventos super disseminadores é preocupante."

Escape vacinal

Os sinais mais claros até o momento, contudo, são de que a cepa tem de fato um escape vacinal mais significativo que o das suas antecessoras. Das 50 mutações que apresenta no total, quase o dobro das mutações da Delta, mais de 30 são na proteína spike, usada pelo vírus para invadir as células e que é alvo da maioria das vacinas contra a Covid.

Um estudo preliminar publicado na semana passada na África do Sul, que analisou mais de 35 mil pessoas previamente infectadas, constatou que os anticorpos adquiridos oferecem apenas metade da proteção garantida pela Delta. A Pfizer, na quarta, disse que os primeiros indícios são que as duas doses de sua vacina devem perder parte de sua eficácia diante da nova cepa, mas que uma injeção de reforço será suficiente para reforçar a resposta imunológica.

A notícia é positiva, visto que a cepa já se espalhou pelos cinco continentes, apesar dos vetos de viagens que boa parte do mundo impôs ao Sul da África, criticado pela ONU e por ativistas por apenas acentuar a desigualdade. As três doses ainda são uma realidade distante no continente africano, no entanto.

Segundo o Our World in Data, apenas 11,7% da população local tomou ao menos uma injeção. Aqueles que já receberam as duas vacinas ou doses únicas é um pouco superior a 7%. A Eritreia, até o momento, sequer começou sua campanha de inoculação.

O atraso tem muitos fatores: passa pela desconfiança popular na vacina, por problemas de infraestrutura para distribuir as doses mas, principalmente, pela desigualdade no acesso aos inoculantes. Segundo especialistas, o jeito mais rápido de pôr fim à pandemia é acelerando a vacinação.

Após o surgimento da Ômicron, vários países anunciaram doações de doses extras à África— a China, notoriamente, disse que enviará 1 bilhão de doses adicionais ao continente — , mas a diretora de vacinas da OMS, Kate O’Brien, fez uma ressalva. O prazo de validade relativamente baixo das doses doadas por países ricos é um “grande problema”, disse ela, dois dias após vir à tona que cerca de 1 milhão de doses foram descartadas na Nigéria após sua vida útil expirar.

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